sábado, 1 de junho de 2013

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Boatos e fatos
Caixa Econômica cria tumulto com o Bolsa Família; governo implica oposição e depois admite erro, mas não considera que deva satisfação
O Palácio do Planalto anunciou que não será demitido o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, cuja atuação foi muito criticada, ao longo da semana, após as confusões em torno do cronograma de pagamentos do Bolsa Família. Diversa em situações anteriores, desta vez a presidente Dilma Rousseff manteve o auxiliar.
Rumores variados --não só sobre o descabido fim do benefício, mas também, contraditoriamente, sobre a concessão de um bônus extraordinário de Dia das Mães-- provocaram filas e tumultos em agências da Caixa nos mais diversos pontos do país.
Terminais eletrônicos foram depredados, a polícia foi chamada a intervir em alguns municípios, aglomerações se verificaram. O súbito surto de insegurança quanto ao benefício, que se alastrou nos dias 18 e 19 de maio, ficou inexplicado, mas autoridades federais sugeriram que uma ação coordenada propagara o boato.
Na semana seguinte, os repórteres Aguirre Talento e Daniel Carvalho, desta Folha, provaram que houve antecipação do pagamento para uma beneficiária em 17 de maio. A própria Caixa, portanto, um dia antes do início do tumulto, alterara sem aviso prévio todo o calendário de depósitos -- fato esse que provavelmente deu origem à confusão.
Fosse apenas um caso de desordem administrativa, já não seria pouco. Houve mais, porém. No auge dos desencontros, a Caixa anunciou oficialmente que a liberação de todos os benefícios ao mesmo tempo ocorrera por força dos tumultos. Ocultou, assim, sua própria decisão prévia de antecipar os pagamentos.
Mais ainda, e com leviandade, membros do governo passaram a apontar interesses oposicionistas na origem dos rumores. Tudo teria nascido da vontade de prejudicar o governo federal. "Gente do mal", disse o ex-presidente Lula. Coisa de alguém "criminoso" e "desumano", qualificou a presidente Dilma.
Ainda que caiba investigar como a falsa notícia se espalhou, não é exagero dizer que, em meio ao descontrole, interveio um conhecido componente do maniqueísmo petista: o governo é incapaz de errar, por ser intrinsecamente do bem.
Os boatos, que teriam sido evitados se a Caixa fosse mais transparente e organizada, partiram dos inimigos do povo. Os governistas mais ferrenhos já voltavam, contra a oposição, sua sede de justiça.
Descobre-se então que a balbúrdia nascera da própria administração federal --mas a matriz de todos os rumores vinha escondendo o fato, na expectativa mesquinha de tirar vantagem política do tumulto que deslanchou.

EDITORIAIS
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Alta de credibilidade
A decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de aumentar a taxa básica de juros em meio ponto percentual, para 8% ao ano, mesmo com o decepcionante crescimento do PIB no primeiro trimestre, indica preocupação mais aguda com a inflação.
Após ter sua credibilidade erodida desde 2012 --pela incerteza quanto às intenções diante da piora do quadro inflacionário e pelas intromissões do Planalto--, o Copom busca enfim recompor suas credenciais de guardião da moeda.
A intenção de acelerar a alta dos juros havia sido sinalizada pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao longo das últimas semanas. Certamente decorreu do nível preocupante da inflação ao consumidor, a despeito de preços agrícolas estarem em queda no atacado.
Outro fator importante para a correção de rota foi o anúncio pelo governo federal de mais frouxidão no Orçamento. A meta de resultado primário (saldo de receitas e despesas antes dos gastos com juros) foi reduzida de 3,1% do PIB para 2,3%. E tudo indica que o resultado final ficará aquém disso.
A expansão dos gastos, avessa à necessidade do momento, realimenta a tendência inflacionária e deve ter preocupado o BC, que ainda mantinha em suas projeções a premissa otimista de um cumprimento da meta de superavit.
O lado positivo, para o governo, é que a decisão do BC pode prestar um grande favor à presidente. Em que pese a expectativa de redução da inflação no segundo semestre --é provável que o IPCA recue de 6,49% em abril (taxa acumulada em 12 meses) para menos de 6% no final do ano--, os riscos para 2014 são consideráveis.
A debilidade do PIB e a persistência da inflação constituem uma combinação esdrúxula, que pode piorar ainda mais caso o dólar continue a se valorizar, o que encarece importações e contribui para atiçar a inflação.
O pior cenário para Dilma Rousseff seria entrar em ano eleitoral com um estouro do teto (6,5%) da meta de inflação. Uma ação mais decidida para ancorar a inflação pode render-lhe bons dividendos.
A decisão do BC, apesar de amarga, vem em boa hora. Talvez consiga devolver alguma firmeza à gestão da economia, perdida em devaneios intervencionistas. Novamente, recai sobre a política monetária, sozinha, todo o ônus de evitar um cenário de descontrole macroeconômico.
O Brasil continua a impressionar o mundo, agora negativamente: é o único país de relevância cujos juros se encontram em ascensão.

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