segunda-feira, 10 de junho de 2013

Obras apagadas em SP expõem confusão na prefeitura e falta de políticas para o grafite

folha de são paulo
JULIANA GRAGNANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Numa sala do 18º andar do edifício Martinelli, no centro de São Paulo, um grupo se reúne todo mês para discutir questões que podem mudar a cara da cidade, desde a autorização de eventos em espaços públicos até a liberação do uso dos pilares do Minhocão para intervenções artísticas.
Formado por arquitetos, representantes de vários órgãos da prefeitura e da sociedade civil, o grupo integra a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), subordinada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, hoje o único órgão público com poder de autorizar ou vetar uma obra de arte nos muros de São Paulo.
Mesmo a Secretaria Municipal da Cultura, que realiza editais para fomentar a arte de rua, não delibera sobre os casos nem tem um grupo de consultores sobre o tema.
Enquanto a secretaria da Cultura diz que a decisão cabe ao Desenvolvimento Urbano e vice-versa, obras que estampam a paisagem da cidade, e fizeram de São Paulo uma referência mundial do grafite, correm o risco de sumir do mapa, apagadas no meio desse empurra-empurra entre os órgãos da prefeitura.
Folha acompanhou o último encontro da CPPU, no fim do mês passado.
Editoria de Arte/Folhapress
GRAFITE AMEAÇADO - Idas e vindas entre gestões revelam ausência de políticas públicas para a arte urbana em São Paulo
GRAFITE AMEAÇADO - Idas e vindas entre gestões revelam ausência de políticas públicas para a arte urbana em São Paulo
Quando analisaram a proposta de grafitar a estrutura do elevado Costa e Silva, o Minhocão, durante a Copa das Confederações, alguns dos membros da comissão deram risada. Outros descartaram a ideia sem fazer grandes considerações. No final, acabaram autorizando que apenas um dos pilares fosse pintado, e em caráter temporário.
Essa falta de critério do poder público ficou evidente nas últimas semanas, quando a prefeitura apagou por engano três murais da dupla Osgêmeos no viaduto Leste-Oeste, na região do Glicério. Há cinco anos, um mural da mesma dupla, uma das mais valorizadas do grafite mundial, também foi eliminado.
"Se a prefeitura não tem noção de que esses trabalhos são obras de arte na rua, não sou eu que tenho que avisar", ironiza Nunca, que trabalhou com Osgêmeos no mural que foi apagado em 2008.
Dias depois do último equívoco -o governo municipal diz ter tomado "providências para que ocorrências dessa natureza não se repitam"-, o secretário municipal da Cultura, Juca Ferreira, pediu mudanças pouco objetivas nos procedimentos atuais.
"Fiscais na rua apagaram. Tem uma regra, herdada do governo passado, que pichação é para apagar e grafite, não", disse Ferreira à Folha, deslocando a responsabilidade sobre arte de rua para as subprefeituras. "Sugeri que fotografem com celular e mandem para alguém gabaritado, da subprefeitura. Em vez de o fiscal decidir, vai para quem tem discernimento."
Segundo o subprefeito da Sé, Marcos Barreto, um plano, ainda em fase de testes, começará neste mês na região central, onde responsáveis pela limpeza urbana devem, antes de qualquer coisa, enviar uma foto da obra à subprefeitura, que então deve verificar se o trabalho em questão estava ou não autorizado.
Só que essa figura da pessoa "gabaritada", nas palavras do secretário, não existe nos quadros das subprefeituras. Nem na CPPU, em que membros discutem desde normas técnicas da aplicação de cartazes e anúncios à legitimidade das obras de arte.
Muitos de seus membros tampouco sabiam que cabia à comissão deliberar sobre o assunto. À Folha, disseram não ter "competência intelectual" para julgar obras de arte.
CURADORIA
"Temos de tomar cuidado para não cair num papel complicado de curadoria", disse Weber Sutti, representante do Desenvolvimento Urbano na CPPU. "Nosso consentimento abre um precedente para outras autorizações?", perguntou Eduardo de Faria, que atua na comissão em nome do gabinete do prefeito petista Fernando Haddad.
Daniel Montandon, presidente da CPPU, diz que segue normas técnicas na hora de autorizar uma intervenção urbana, mas admite que vetaria obras que julgasse como uma "afronta" aos direitos humanos. "Não é porque é no espaço público que pode ser feita qualquer coisa."
Três semanas depois do imbróglio com Osgêmeos, a Secretaria Municipal da Cultura convocou uma reunião com grafiteiros para a discussão de casos deste tipo.
Numa roda, diante de representantes da prefeitura, eles reivindicaram uma política para o grafite em São Paulo.
"Existe uma lacuna na prefeitura em relação ao grafite. Quem recebe os pedidos? Não existe comunicação entre os órgãos do município", disse João Paulo Cobra, conhecido como Nove. "É preciso criar um núcleo só para isso."
Mesmo valorizado, grafite segue regras da rua

Enquanto a prefeitura paulistana não parece chegar a um acordo sobre o que sai e o que fica nos muros da cidade, londrinos estão indignados com o sumiço de uma obra do grafiteiro Banksy.

Recortada de um muro no bairro de Wood Green, na capital britânica, a peça desapareceu e ressurgiu num leilão em Miami, mas a venda foi cancelada por protestos dos moradores do bairro londrino, que queriam a obra de volta. Em maio, o mural acabou arrematado em Londres por cerca de R$ 2,5 milhões.

Não é de hoje que a arte de rua perdeu seu caráter pedestre. É disputada a tapa em leilões, figura no catálogo das maiores galerias de arte do mundo e fez de seus criadores garotos milionários.

Gustavo e Otávio Pandolfo, da dupla Osgêmeos, ganharam fama e fortuna. Pintaram a fachada da Tate Modern, em Londres, e até um castelo escocês. Também emprestaram seus bonequinhos amarelos para estampar finos e caros lenços da Hermès.

Numa operação de marketing do ano passado, a grafiteira Simone Sapienza, a Siss, teve uma de suas obras escolhida num concurso para estampar a capa do single "Superstar", de Madonna.

HIPEREXPOSIÇÃO

Se está ameaçado nos muros da cidade de São Paulo, o grafite vem aparecendo cada vez mais em tapumes ao redor de canteiros de obras --ação de empreiteiras como Idea Zarvos, Max Haus ou Brookfield para colorir seus prédios ainda em construção.

"Com a hiperexposição que temos atingido nos últimos anos, a coisa começa a ficar um pouco mais forte", diz o grafiteiro Binho Ribeiro. "As empresas estão perdendo o medo e sabem que podem usar essa cultura como aliada. Eles se espelham nas conquistas d'Osgêmeos e nas nossas também."

De fato, empresas encamparam a arte de rua na tentativa de se aproximar de um público mais jovem, aproveitando que esse tipo de manifestação artística já está chancelada por sua presença em galerias de arte e museus.

Mas fora das instituições, o grafite no espaço público ainda segue as regras da rua. Osgêmeos e a maioria de seus colegas não costumam pedir autorização para pintar.

"Grafite continuará a ser feito sem autorização, essa é sua essência", diz Mundano, famoso por grafitar carroças de catadores de lixo na cidade."Só não queremos ser tratados como criminosos."

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