segunda-feira, 10 de junho de 2013

Marcos Augusto Gonçalves

folha de são paulo
Passe livre
Pressionar a área de transporte é salutar, mas o maior problema não é o valor das tarifas
A garota pegou o trem na estação Sumaré, entrou, procurou um assento com os olhos, hesitou por um instante, e acabou sentando-se num banco lateral, perto de onde eu estava. À nossa frente, num quadro vazio, feito para cartaz de publicidade, uma pichação reclamava do aumento da tarifa.
Como se sabe, governo tucano e prefeitura petista se acertaram para alinhar as passagens de ônibus e metrô em R$ 3,20 --num percentual, diga-se, abaixo da inflação. A medida gerou uma onda de protestos capitaneada pelo Movimento Passe Livre.
A garota sorriu quando viu a pichação. Sacou um tablet da bolsa e tirou uma foto. Descemos juntos na estação Consolação. Pensei em falar alguma coisa, mas ela saiu apressada e sumiu na esteira rolante apinhada de gente, a caminho da linha amarela. Será que ela era do MPL?
Não sei, mas me lembrei das meninas que conhecia nos tempos de movimento estudantil, quando exigíamos zero de aumento nas mensalidades da PUC, queríamos ensino gratuito para todos e acreditávamos que pedir liberdades democráticas era um desvio burguês, já que a ditadura seria derrubada para dar lugar a um governo de transição para o socialismo.
O movimento estudantil tem grande capacidade de irritar os adultos, mesmo aqueles que no passado fizeram parte dele. É que boa parte dos estudantes universitários estão naquela situação invejável da criança crescida, que ainda não é inteiramente responsável por sua vida. Ganha dinheiro da família, usufrui de benefícios públicos, tem um engajamento frouxo --quando tem-- com a esfera da produção e acredita que pode consertar o mundo com meia dúzia de clichês irrealistas de esquerda.
Também irrito-me às vezes com tudo isso, mas tendo a ser tolerante. Não apenas porque são situações que fizeram parte de minha própria formação, mas porque acredito que faça bem à sociedade a existência de instâncias que se mobilizam por reivindicações utópicas --ou que assim possam parecer.
Depredações e vandalismos à parte, não creio que faça mal a São Paulo a existência de um movimento que pressione a área de transporte. É verdade que de anos para cá houve ampliação, melhoria e modernização da rede, mas estamos muito aquém de atender às exigências de quem precisa se deslocar por essa megacapital da imobilidade urbana. O aumento da tarifa é sempre uma boa oportunidade para protestar. No mínimo pode-se dizer que o serviço não vale o preço do bilhete.
É um argumento, mas na realidade o maior problema não está no valor tarifa, e sim nas condições de oferta. Ou seja, não é bilhete menos alto que vai resolver, mas investimento em novas linhas, na redução do intervalo entre os trens e na construção de novos corredores de ônibus. Subsidiar tarifa é, em tese, possível, mas significa retirar dinheiro de outras áreas. E da própria expansão do sistema. Detesto dizer isso, mas não tem almoço grátis.
Já que os nossos militantes do Passe Livre estão dispostos a protestar, poderiam ter uma pauta menos elementar e pressionar governo e prefeitura para que mexam o traseiro e ampliem as linhas de metrô, modernizem as de trem, abram novos corredores, ofereçam ônibus automáticos que não andem aos saltos e eliminem a catraca humilhante que trata passageiro como gado.

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