sexta-feira, 19 de julho de 2013

Série feita para a internet é indicada pela primeira vez ao Oscar da TV

folha de são paulo
'House of Cards', produção original da Netflix, concorre ao prêmio Emmy em nove categorias
Reconhecimento de um produto que subverte a lógica da grade de programação quebra paradigma da indústria
SILVANA ARANTESDE SÃO PAULOUma série feita para a internet com 13 episódios lançados simultaneamente, cuja audiência não foi divulgada, entrou ontem para a história da televisão.
"House of Cards", produção original da Netflix, obteve nove indicações ao Emmy (prêmio que é a versão para a televisão do Oscar hollywoodiano), incluindo a mais prestigiada --melhor série dramática.
Com uma trama sobre os bastidores da política ambientada em Washington, envolvendo sexo, mentiras e golpes baixos, "House of Cards" tem seus dois primeiros episódios assinados pelo cineasta David Fincher.
Autor, entre outros, de "Clube da Luta", "A Rede Social" e "Zodíaco", que disputou a Palma de Ouro em Cannes, Fincher concorre ao Emmy pela direção do primeiro episódio de "House of Cards".
Os vencedores serão revelados no dia 22 de setembro.
Kevin Spacey, que interpreta o protagonista de "House of Cards" e foi indicado a melhor ator em série dramática, comemorou o "incrível reconhecimento" ao trabalho.
Quando "House of Cards" se tornou assunto quente em Hollywood --embora a Netflix não revele quantos assinantes a assistiram nem seu orçamento, estimado em pelo menos US$ 60 milhões (cerca de R$ 133 milhões)--, Spacey adotou um tom desafiador.
Disse que a série dava à indústria de TV a chance de aprender a lição que a hoje agonizante indústria da música não aprendeu. A lição envolve subverter a lógica da grade de programação, pela qual a TV sempre se guiou.
A estratégia da Netflix de disponibilizar suas produções originais na íntegra assenta-se na ideia de que o espectador quer ter mais controle sobre como e quando assistir a séries, deixando de ser refém dos tempos de espera ditados pela indústria. O hábito de ver "tudo ao mesmo tempo agora" recebeu nos EUA o nome de "binge watching" (algo como "a farra de assistir").
Se esse é o início do fim da grade de TV, é uma pergunta ainda sem resposta.
    Internet é apontada como o futuro da TV
    Profissionais brasileiros do setor audiovisual apostam na tendência de o espectador migrar da tela para a rede
    Mas 'a TV tradicional ainda é a rainha desse mundo midiático', diz diretor da NET; crítico vê crise na indústria
    DE SÃO PAULOA internet é o futuro da TV?
    Hollywood pode ainda não ter um preciso "sim" ou "não" como resposta. Mas as indicações ao Emmy, ontem, de "House of Cards" e "Arrested Development" (ambas produzidas para distribuição on-line pela Netflix) soaram como um sonoro "talvez".
    No Brasil, especialistas do setor audiovisual ouvidos pela Folha mostraram-se convictos na migração da audiência da telona da TV para a rede de computadores.
    "A internet é o futuro de todas as mídias, inclusive a TV. É só uma questão de tempo", diz o cineasta e professor do departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP Roberto Moreira ("Contra Todos").
    O cineasta Andrucha Waddington ("Casa de Areia") tem opinião semelhante. "A internet não é a TV do futuro, é o presente." Waddington observa que, "com a distribuição via rede, o conteúdo chega diretamente ao público, sem que ele esteja amarrado a grades de programação. Os filtros' ou curadores' são os canais do futuro, quer dizer: já o são no presente. O que importa é o conteúdo".
    O crítico Rubens Ewald Filho enxerga "tempos difíceis para a indústria do entretimento, agora que o DVD agoniza" e diz que "é preciso de alguma forma suprir a renda que o vídeo doméstico produzia para os estúdios".
    Nesse sentido, para Ewald Filho, a internet surge como tábua de salvação. "Tem que ser o futuro", diz. Mas aponta "um desafio e uma crise" no caminho da mudança. O desafio é o de "vencer o hábito já instaurado de uma geração de jovens consumidores que se acostumaram a não pagar pelo divertimento".
    A crise se avista na perspectiva de que "esse novo sistema forçosamente irá desmontar toda uma estrutura tradicional", segundo diz.
    Talvez não haja exatamente um desmonte, mas sim uma convivência, na opinião de Márcio Carvalho, diretor de marketing da NET.
    "A internet trouxe uma revolução diferente, marcada pela interatividade, pela personalização, pelo conceito de decidir o que e quando, a cada sessão, a cada acesso", diz Carvalho. Para ele, "a fusão desses dois mundos promete". Contudo, "colocando em perspectiva, a TV tradicional ainda é a rainha desse mundo midiático, com milhões de telespectadores sintonizando seus canais preferidos nos momentos de lazer", diz.
    Contudo, "gradativamente", novos modos de distribuir conteúdo "vão possibilitando que a experiência da tela grande seja complementada com telas menores, num modo mais ativo de ver TV".
      ANÁLISE - HOUSE OF CARDS
      Produção transforma política em entretenimento viciante
      LUCIANA COELHOEDITORA-ADJUNTA DE MERCADOO zum-zum que a internet proporciona e a sacada de lançar todos os episódios ao mesmo tempo explicam parte do sucesso de "House of Cards". Mas a obra do site de filmes e séries por assinatura Netflix, que se tornou ontem a primeira produção para a web indicada na categoria principal do Emmy, deve muito a Shakespeare e a um de seus maiores guardiães atuais, o ator Kevin Spacey.
      Seu Francis Underwood, o cínico deputado sulista cujo único princípio é o de autopreservação, é a melhor versão moderna de Ricardo 3º, o mesquinho anti-herói da peça homônima de Shakespeare, tão atual em dias de desilusão política globalizada.
      O papel lhe rendeu a indicação a melhor ator de série dramática. Levar esse prêmio, porém, será tão difícil quanto roubar a cena de sua companheira de tela, Robin Wright, genial como a mulher-de-deputado/ongueira-ambiciosa Claire (também indicada).
      "House of Cards" é um drama político dos melhores, capaz de transformar a intrincada política americana, com suas particularidades de funcionamento, em um programa de entretenimento viciante e de apelo universal.
      Fora de um grande canal da TV, o drama pode se desprender do irritante maniqueísmo que norteia a ficção televisiva americana. Não há mocinhos ali, são todos vilões, em maior ou menor grau, tentando se dar bem. A empatia com Francis ocorre quase por coação, por meio de seus insistentes (e teatrais) diálogos com a câmera, a fim de inteirar o espectador de seus planos.
      A Netflix --cujas ações foram salvas do naufrágio, no ano passado, por causa de "House of Cards"-- já encomendou a segunda temporada, também nas mãos de Spacey e do diretor David Fincher (de "Clube da Luta"), que disputará o Emmy por seu trabalho no primeiro episódio.
      Mas não anunciou datas. A expectativa e o desapego a calendários, afinal, são parte da natureza da internet.
        Nova série da Netflix aposta em nudez e sexo
        'Orange Is the New Black' conta história de mulher de classe média alta que é presa
        FERNANDA REISDE SÃO PAULODesde que começou a produzir séries originais, no início deste ano, a Netflix havia feito apostas seguras: "House of Cards", por exemplo, tinha o carimbo de David Fincher ("A Rede Social") e "Arrested Development" já era consagrada na "velha TV". De "Orange Is the New Black" não se pode dizer o mesmo.
        A primeira cena da série, que teve seus 13 episódios lançados simultaneamente no dia 11, dá o tom da temporada, que tem sexo (inclusive gay), nudez, drogas e violência. Na sequência de abertura, a protagonista Piper (Taylor Schilling) aparece nua, tomando banho com sua ex-namorada e depois com seu noivo e, por fim, na prisão.
        É lá, uma penitenciária de segurança mínima, que Piper, uma mulher de classe média alta que trabalha fazendo sabonetes artesanais, passará a série, sofrendo para se adaptar à nova realidade.
        No primeiro capítulo, baseado em livro autobiográfico homônimo, Piper é presa por ter retirado dez anos antes num aeroporto uma mala com milhares de dólares para sua ex, uma traficante de drogas.
        Presa, ela aprende que sua educação pouco vale ali e tem que desenvolver estratégias para lidar com a cozinheira russa que se nega a lhe dar comida e com a mulher conhecida como "Olhos Loucos" que quer ser sua mulher.
        Chama a atenção a diversidade do elenco --motivo de críticas a outras séries--, com poucos nomes conhecidos: há transexuais, idosas, latinas, japonesas e negras. Piper, loira, é a exceção, prontamente apelidada de Taylor Swift.
        SEM MAQUIAGEM
        "Quando fiz o teste para a série, me pediram para não usar maquiagem. Vesti uma camiseta larga, prendi o cabelo e atuei", conta à Folha Danielle Brooks --que vive Taystee, uma das presas.
        Para Jason Biggs (de "American Pie"), que interpreta Larry, o noivo de Piper que se compromete a esperá-la do lado de fora, o fato de a série ser produzida para a internet deu mais liberdade à criadora Jenji Kohan (de "Weeds").
        "Na televisão há mais restrições. Você grava um episódio e ele tem que estar no ar em quatro semanas, ou menos. Aqui não", diz. "E na TV o episódio tem uma duração determinada. Se Jenji não quisesse cortar uma cena, podia esticar o programa. Isso é um grande luxo." Cada capítulo tem entre 50 minutos e uma hora --duração superior à da maioria de produções de TV.
        A próxima temporada começa a ser filmada no fim deste mês. "Mas não temos data de estreia. Essa é uma das vantagens do seriado para a internet", afirma Danielle.
          ~> Disputa do Emmy é grande tanto na comédia quanto no drama
        Comédia e drama vivem situações distintas no Emmy.
        Na primeira, uma série sobre a diversidade da família nos tempos atuais, "Modern Family", domina a premiação desde 2010. Neste ano, teve 12 indicações --uma a menos que a sua principal concorrente, "30 Rock", série sobre os bastidores de uma sitcom que venceu entre 2007 e 2009.
        Lewis Jacobs/Associated Press
        Anna Gunn e Bryan Cranston em cena de 'Breaking Bad', premiada série sobre um professor que se torna traficante
        Anna Gunn e Bryan Cranston em cena de 'Breaking Bad', premiada série sobre um professor que se torna traficante
        Em drama, a disputa está aberta. Em 2012, "Homeland", que aborda paranoia e terrorismo, quebrou a hegemonia de quatro anos de "Mad Men", ambientada numa agência de publicidade entre os anos 1950 e 1960. Neste ano, tiveram 11 e 12 indicações, respectivamente. Terão de derrotar outros quatro fortes concorrentes na categoria.
        "Game of Thrones", com política e guerra num mundo fantástico, é a segunda atração com mais indicações (16), atrás da minissérie "American Horror Story" (17).
        "Breaking Bad", sobre um professor que vira traficante, e "Downton Abbey", sobre a aristocracia inglesa no início do século 20, tiveram 13 e 12 indicações, respectivamente.
        E, por fim, a série política "House of Cards", com nove.

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