sábado, 30 de novembro de 2013

Fernando Rocha, o jogral de Glauber - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA - 30/11/2013

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com

Fernando Rocha
foi sobretudo o
jornalista. Talvez
tenha sido o último
“pé de boi” da
imprensa baiana:
era o primeiro a
entrar na redação
e o último a sair

O pior momento na vida de um jornalista, certamente o mais traumático, é aquele em que ele se transforma no inventariante das perdas da sua geração, ou seja, passa a escrever o obituário dos colegas mortos. Há meses comentei aqui a morte de uma querida amiga, a jornalista Regina Ribas, ocorrida no Rio. Volto hoje a fazê-lo para registrar o falecimento do jornalista Fernando Rocha, que comigo se iniciou na profissão em 1958, no Jornal da Bahia, mas que cumpriu praticamente toda a sua trajetória em A TARDE, onde exerceu várias funções de destaque, como homem de confiança de Jorge Calmon e Cruz Rios, aos quais era muito ligado.

Foi um homem múltiplo. Tendo-se destacado na imprensa, lecionou durante anos no curso de jornalismo da Ufba, onde também desenvolveu uma experiência administrativa no reitorado de Miguel Calmon, na direção da superintendência de pessoal. Em seguida, chefiou a assessoria de comunicação nos reitorados de Augusto Mascarenhas e de Macedo Costa, cargo em que permaneceu durante um período da gestão de Germano Tabacof. Simultaneamente, passou a ensinar na antiga Escola de Biblioteconomia e Documentação da Ufba, depois Facom, onde ocupou a chefia do departamento de jornalismo. Até hoje, os alunos de Fernando Rocha evocam a figura do mestre competente, de voz altissonante, ressoando também nas aulas de cursos pré-vestibulares. Foi ainda diretor da ABI.

Amante da música popular, participou em Salvador do programa nacional de calouros de uma rede de TV, na condição de jurado. Mas o que mais o alegrava foi ter sido recitador dos espetáculos de poesia realizados por Glauber Rocha, FernandoPeres, Calazans Neto e Paulo Gil no Central, conhecidos como “As Jogralescas”, quando encenou, com grande sucesso, um poema de Garcia Lorca. Ele costumava dizer: “Eu fui jogral de Glauber!” Era seu título de glória.


No conjunto dessas atividades, porém, Fernando Rocha foi sobretudo o jornalista. Talvez tenha sido o último “pé de boi” da imprensa baiana, quer dizer, aquele profissional que era o primeiro a entrar na redação do jornal e o último a sair, designação consagrada na imprensa brasileira pela fidelidade do chefe de reportagem de O Globo, Alves Pinheiro, que nunca abandonava o posto. Se juntos iniciamos nossas atividades no Jornal da Bahia, numa turma de “focas” liderada por Glauber e integrada por Florisvaldo Mattos, Paulo Gil e Calazans, logo ele deixaria o novo matutino para ingressar em A TARDE, na qual permaneceu até o fim da sua trajetória, dos anos 60 aos 80. A este jornal, que Renato Simões, em seu último artigo, qualificou com propriedade de “edifício da palavra”, dedicou o melhor do seu talento de organizador, tendo participado entusiasticamente da renovação gráfica do jornal, como subsecretário da redação.

Foi durante sua longa permanência em A TARDE que Fernando Rocha desenvolveu intensa vocação para a boemia nas noites baianas, chegando a fazer sombra ao maior dos boêmios da década de 60 em Salvador, o jornalista e poeta Jeová de Carvalho. Situada no coração da cidade, conhecida como “o vespertino da praça Castro Alves”, A TARDE ficava próxima dos principais centros da boemia dos anos 60 e 70, a casa Rumba Dancing, o TabarisNight Clube, o “rendez-vous” Meia Três, na ladeira da Montanha, e o bar Cacique, ao lado do cinema Guarany, hoje Glauber Rocha. Ora, como A TARDE já circulava como matutino e Fernando Rocha trabalhava até altas horas da noite, do jornal para a boemia era só um pulo. Mas, enfim, era uma boemia íntegra e lírica, sem drogas ou perversões, que nunca impediu que Fernando Rocha fosse um amoroso chefe de família, ao lado da mulher Maria Helena, insuperável no devotamento ao esposo diabético, da filha Bete e da netinha Renata, muito amadas, bemcomo do genro Tony, realmente um núcleo familiar sem igual, no contexto das relações difíceis e fragmentárias dos dias que correm. Enfim, trabalhando em jornais diferentes e rivais, construímos uma amizade que o tempo, que tudo desbarata, apenas conseguiu consolidar. A morte jamais vencerá no tempo a muralha das lembranças sólidas

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