terça-feira, 5 de novembro de 2013

Raymundo Costa - Uma agenda para o segundo mandato

Valor Econômico - 05/11/2013

Assim como anteciparam a campanha sucessória, governo e PT também começaram a discutir uma agenda para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Não se trata propriamente do programa a ser discutido no horário eleitoral ou nos debates entre candidatos, mas aquele efetivamente a ser posto em prática, se Dilma se reeleger.

Nas palavras de um integrante do grupo precursor da campanha de Dilma, "nós temos que criar condições na sociedade para que a Dilma, assim como o Lula, possa fazer um segundo mandato melhor que o primeiro" - um governo capaz de avançar com as reformas estruturais, em especial com a reforma tributária, agenda insolúvel das últimas décadas.

Em especial porque é estreita a margem de manobra para a presidente manter ou ampliar os investimentos sociais, marcas dos governos do PT. A alternativa à vista é o aumento da arrecadação. Em duas palavras: aumento de impostos.

Mais imposto para manter o investimento social

Especialmente porque, ao invés de se discutir cortes para ampliar o investimento, e não só no social, o debate é sobre como aumentar a arrecadação. "Não há como dar conta da chamada voz das ruas com a estrutura tributária atual, que é uma estrutura injusta", diz a fonte da campanha. "Agora, o governo não vai falar disso no horário eleitoral ", afirma. "O PT é quem tem que travar uma luta partidária, permanente, inclusive fora da campanha eleitoral para defender a necessidade da reforma tributária. Não é só o negócio da reforma fiscal".

As diferenças no PT e parte do governo é quanto à forma. A esquerda acredita que as reformas necessárias não serão feitas sem quebrar o atual arco de alianças políticas do governo, inclusive com o maior partido aliado, o PMDB. O raciocínio parte do pressuposto segundo o qual acabou o tempo de bonança, em que todos ganharam, e que para avançar alguém terá que perder. Em resumo, não haverá mais como manter o padrão de consumo, a elevação do salário mínimo, a ascensão social, se não houver o acirramento da luta de classes.

A alternativa que a centro-esquerda considera viável é avançar nas mudanças estruturais com a atual aliança partidária. O problema, argumenta-se, é que "os neoliberais" incutiram na sociedade que imposto é uma coisa ruim. No entanto, vista de perto, "a maior carga tributária do mundo", no fundo seria distribuída injustamente e altamente regressiva.

O exemplo preferido é o mesmo de todas as eleições: ao fim e ao cabo, a maior alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física (27,5%) é a mesma que incide sobre salários da classe média e sobre rendimentos do empresário Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. Nas discussões sobre o futuro governo entra também o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo forte para a arrecadação e altamente regressivo: o preço da manteiga é o mesmo para o assalariado e para o grande empresário.

A alíquota de 27,5% do IRPF foi criada em caráter provisório em 1999, para que o governo Fernando Henrique Cardoso equilibrasse suas contas. Deveria voltar aos 25% em 2004, já no governo Lula da Silva. Como é da tradição brasileira, com a rara exceção do imposto do cheque, ela se tornou permanente. O PT namora com a alíquota de 35%, entre outras medidas pensadas para aumentar a arrecadação, como a criação do imposto sobre grandes fortunas. Trata-se de uma tarefa árdua. Basta ver o que acontece em São Paulo.

Na capital do maior Estado da Federação vige uma lei segundo a qual, a partir de 2013, é preciso fazer a planta genérica de valores (simplificadamente, a atualização do valor venal dos imóveis, sobre o qual incide o percentual para cobrança do imposto). A atualização sobre o valor venal não significa que o imposto será cobrado sobre o valor real do imóvel. Mas o imposto sobe ainda que se mantenha a alíquota anterior.

É uma determinação legal. Fernando Haddad, prefeito do PT, tomou o cuidado de fazer três áreas fiscais, o que isentou quase toda a periferia. Sobre imóveis situados em regiões com maior infraestrutura, na zona central, por exemplo, paga-se mais do que sobre um localizado em Guaianazes, no extremo da zona leste. Ainda assim Haddad está em maus lençóis. Tanto que já articula para que a planta genérica seja atualizada a cada quatro e não mais a cada dois anos, como prevê e lei.

Esse é um exemplo das discussões antecipadas que se faz na órbita do grupo precursor da campanha de Dilma. Outro é a autonomia do Banco Central, cujos contornos apareceram semana passada, quando Lula estimulou alguns senadores a votar um projeto, em tramitação no Senado, que na realidade trata da "independência" do BC. A rigor, o BC já dispõe de certa autonomia, conforme se reconhece nessas discussões. "O que algumas vez se quer é trocar a autonomia pela independência", diz a fonte do grupo que trata da reeleição da presidente Dilma.

O Banco Central, segundo a discussão em curso entre os que participam da elaboração da agenda do segundo mandato, tem que fazer a política monetária sem interferência do Executivo. Mas quem deve formular política econômica é "quem tem a delegação do voto popular, o Executivo e o Legislativo. Se não você vai diminuindo a política econômica por uma suposta isenção técnica que não existe. A técnica é um instrumento de implementação da política".

Além da reforma tributária e a discussão sobre a autonomia do Banco Central, o PT pretende fazer uma discussão geral sobre um conjunto de propostas que passa pela reforma política e chega às agências reguladoras. As agências criadas no governo Fernando Henrique Cardoso "supostamente", como se diz no PT, deveriam funcionar como órgãos neutros, preocupadas mais com os interesses dos usuários do que das empresas prestadoras do serviço. Hoje há dúvida se elas estão do lado do consumidor ou se foram capturadas pelas empresas. Pior ainda, do ponto de vista petista: estão querendo fazer políticas públicas. "Então tudo isso tem que ser revisto. Porque os caras vão pra lá, têm mandato, mas não têm essa neutralidade".

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