sábado, 2 de novembro de 2013

Virgildásio Senna: 90 anos de dignidade - JC Teixeira Gomes

A Tarde 02/11/2013

Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com


Pela determinação com que se lançou à retomada da sua vocação política, após a perda traumática do cargo de prefeito em 1964, merece todas as honrarias


Amanhã, dia três, estará completando 90 anos de idade Virgildásio Senna, ex-prefeito de Salvador e deputado federal constituinte. Dignidade: eis a palavra que lhe define a trajetória. Dignidade como homem, como político e como cidadão.

Em 1964, foi deposto pelos militares do cargo de prefeito eleito de Salvador. Tendo notado que sua residência no Campo Grande estava sitiada por uma operação militar, resolveu comparecer pessoalmente ao quartel da VI Região Militar, onde o general Mendes Pereira o deteve. Foi levado, então, para a Base Naval, e contra ele os golpistas iniciaram um dos habituais processos por subversão, do qual nada resultou, tendo sido, muitos anos depois, sustado pelo advogado Raul Chaves.

Ninguém tinha dúvidas de que Virgildásio seria o mais eficiente prefeito da capital baiana, pois, engenheiro de profissão, era também um planejador meticuloso, que já ocupara cargos de relevo na gestão Heitor Dias, quando iniciou a dinamizar o sistema viário da cidade. Esse trabalho credenciou-o a eleger- se prefeito pelo
PTB em 1962. Empossando-se em abril de 63, somente ficou no cargo até abril de 64. Já antes, trabalhara com Anísio Teixeira na gestão Octávio Mangabeira, ajudando inclusive a construir a Escola Parque.

Cidade de topografia acidentada, intermitência de morros e vales, nossa capital foi concebida pelos portugueses como uma fortaleza contra índios e invasores estrangeiros. A escarpa sobre uma montanha, recheada de vielas, becos, ruas estreitas e caminhos de problemático acesso, traduzia uma cidadela defensiva, preparada para repelir ou dificultar a vida de agressores.

Essa realidade, responsável pelo encanto de Salvador, mas também geradora de empecilhos para sua modernização, exigia um planejador com competência e conhecimentos específicos da fisionomia característica da nossa capital. Era o que Vigildásio Senna já revelara no primeiro ano da sua administração, eleito que fora com expressivo apoio popular. Sua retirada compulsória do cargo estancou um projeto que não mais foi retomado pois a desfiguração progressiva da capital baiana resultou, substancialmente, do despreparo, das improvisações e dos interesses de muitos dos prefeitos que o sucederam, sobretudo da chusma dos biônicos impostos pelos militares. Mas não apenas deles, pois manda a verdade que se diga que os dois piores foram eleitos: referimo-nos a Fernando José e João Henrique, este último apelidado de “prefeito-tsunami”, pois ajudou a devastar Salvador com sua política de solo, disseminando espigões e ajudando a conflagrar o tráfego, além de ter sucessivas contas reprovadas. Nunca tanto atraso em tão poucos anos.


Tendo ido residir no Rio após a deposição e de ter sido cassado pelo Ato Institucional nº 5, Virgildásio Senna, após a anistia, voltou a Salvador e candidatou- se a prefeito em 1988, com o apoio de Waldir Pires, perdendo o pleito para Fernando José, que usou as suas facilidades de radialista. Mas antes, em 1982 e 1986, obtivera duas importantes vitórias políticas: elegeu-se, respectivamente, deputado federal e deputado federal constituinte. Coerente com a linha das suas convicções, em 1988 ajudou a fundar o PSDB, tendo sido um dos dissidentes do PMDB, criado para fazer oposição ao golpe de 64 e que, progressivamente, se desfigurara, causando a rebelião partidária.


Eis aqui, em poucas linhas, a vida política de um dos homens públicos mais competentes e estimados da Bahia, que chega a uma idade rara, na esteira de uma trajetória de lutas e realizações. Pela determinação com que se lançou à retomada da sua vocação política, após a perda traumática do cargo de prefeito, merece todas as honrarias. Em abril de 1964, tendo ido comprar jornais na praça Tomé de Souza, fui testemunha involuntária do cerco da prefeitura pelos militares para depor Virgildásio. Era um domingo e ele não se encontrava no prédio. A violência se consumou por outros meios, em outro local. Mas, pela sua dedicação como administrador e pela sua coerência como político,
será sempre para os baianos “o prefeito que nunca será esquecido”.

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