terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Mais um ano - Maria Esther Maciel‏

Mais um ano 
 
Maria Esther Maciel
Estado de Minas: 31/12/2013


Para quem é um sobrevivente (seja de que espécie for), cada ano que chega é, ao mesmo tempo, uma dádiva e um enigma. Assim pensa Zenóbia, minha mestra e amiga de tantos anos, que tive a alegria de reencontrar no último fim de semana.

Há muito tempo não a via. Com cabelos brancos, óculos de aros finos e elegância sem artifícios, ela continua sábia e arguta. E como sei de seu apreço por chás, convidei-a para vir tomar, em minha casa, um muito especial: o chá dos poetas solitários, que comprei numa viagem à França. É a mistura de vários tipos de ervas, cultivadas em áreas montanhosas da China. Tem traços florais, próprios de alguns chás do Himalaia. Seu sabor é suave. Pelo que consta, sua infusão deve ser feita por cinco minutos em água com temperatura de 95°C. Mas o melhor dessa bebida é o estado criativo que pode provocar em quem a toma antes de escrever um poema. Foi isso, aliás, que deixou Zenóbia mais interessada em prová-lo.

Ao som do CD Sequencia, com músicas de Hildegard von Bingen (a santa-artista alemã da Idade Média), conversamos sobre o ano de 2014 e fizemos – cada uma à sua maneira – a lista de planos a serem (ou não) realizados. A de Zenóbia foi, sem dúvida, bem mais criativa. Sendo bióloga, estudiosa do mundo vegetal e animal, disse-me que pretende retomar sua pesquisa – iniciada há mais de seis anos e interrompida por vários motivos – sobre o mundo ofídico. “Estudar as serpentes é tão relevante quanto estudar as orquídeas”, ela disse, bem-humorada. Pelo que contou, já chegou a escrever textos sobre os hábitos das jiboias, das muçuranas e das cobras corais. E mencionou casos preciosos sobre elas, evocando não apenas as descobertas da zoologia contemporânea, mas também as dos naturalistas antigos – como Plínio, o Velho, do século 5, autor de monumental enciclopédia da natureza. Zenóbia, agora, quer se dedicar às jararacas, víboras e caninanas, para aprender mais sobre os ardis e os perigos da vida. Dei a maior força para ela nessa pesquisa, que considero instigante e muito bem-vinda.

Outro de seus planos é começar a escrever contos de detetive, o que me deixou surpresa. Zenóbia, se bem a conheço, sempre foi afeita a uma literatura mais poética e erudita. Mas está a fim de incursionar, no próximo ano, nesse campo da investigação de crimes. Falou-me que sempre foi fascinada pelas deduções lógicas capazes de esclarecer os enigmas mais difíceis. Por isso, sempre leu Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle, Patricia Highsmith e Agatha Christie. “O gosto pelo gênero policial é o meu lado B”, disse. E completou: “O que me consola é que um autor como Borges também gostava do gênero”. Foi aí que tive uma verdadeira aula sobre o que esse escritor pensava sobre o assunto. Segundo Zenóbia, Borges evitou cenas explícitas de violência e preferiu se concentrar na discussão e na resolução abstrata de um crime, valendo-se de pistas, em geral, labirínticas. Um desafio para a imaginação e a inteligência de quem investiga algo.

Já os meus planos para 2014, não dá para resumi-los nestas últimas linhas. Mas cito pelo menos um: ficar mais atenta a tudo o que me cerca.

Aproveito para desejar a todos os meus leitores um ano bem melhor do que este que termina.

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