domingo, 8 de dezembro de 2013

Nilton Santos, o último grande herói‏

Nilton Santos, o último grande herói 
 
José Osvaldo de Souza - Advogado aposentado, ex-fiscal de
tributos da Fazenda estadual

Estado de Minas: 08/12/2013


Em sua trajetória terrena, o homem sempre teve necessidade de criar um ser a quem temesse, um líder para conduzi-lo e um herói que o empolgasse. Na última hipótese, o pai frequentemente encarna os valores dessa figura particularmente especial, inspiradora de respeito, admiração e afeto. Assim, o verdadeiro herói não é mais aquele vergado em batalha (felizmente nem mais encontradiço), nem quem tenha recebido laurel a tal título com a dúvida inerente, muito menos o campeão de qualquer modalidade esportiva, supervalorizado pela consagração popular. O herói fica fora desses padrões. Ele tem a imagem pura do homem simples, honesto, cujos valores são calcados no trabalho, na família e na boa conduta; suas proezas são as do cidadão comum – digno, trabalhador, honrado, que enfrenta as dificuldades variadas como o salário, a carestia, o desmazelo dos governos, a corrupção, e, ao final de uma existência dura, mas proveitosa, orgulha-se por deixar nome limpo e filhos bem constituídos, na linha prosaica dos rigorismos morais do pai. Esses, sim, os grandes heróis.

É certo, contudo, que se pode localizar além dos limites do lar alguém com os contornos do herói idealizado. De minha parte, quando há muitos anos perdi meu pai, atinei com três personagens que, frutos da minha admiração, poderiam, cada qual a seu modo, compor minha galeria particular de heróis: Mário Lago, Chico Xavier e Nilton Santos. Não percebera, para constatar depois, que figuras tão díspares formavam um grupo homogeneizado por um ponto comum: o amor. Sim, o amor a causas distintas, praticado de maneiras diferentes, mas essencialmente amor, qualificado pela coerência pessoal, a plena doação e a dignidade profissional, virtudes referenciais de cada um.

Mário Lago: ator, escritor, poeta, compositor e, no reverso, militante político. Permanecem aí, para os de bom gosto, preciosidades como Amélia, Atire a primeira pedra, Nada além, entre outras. Seu posicionamento político foi marcado pela coragem e a coerência na luta pela primazia do povo, ainda que passando pela indignação. Aliás, coerência foi virtude aviltada por alguns que vieram daquela época.

Já são anos sem Chico Xavier. Mesmo os que ignoravam ou até renegavam a doutrina espírita não deixam de reconhecer em Chico uma das expressões supremas de realização do amor em sua mais elevada e sublime concepção: a doação integral. Sua máxima, de formulação mínima – “amar por amar” –, encerra o ideal do amor pleno, espontâneo, desprendido. A exposição ampliada da sua vida e a maior divulgação do espiritismo, em razão dos livros e filmes neles inspirados, foram conquistas de grande proveito para o povo. Chico, o missionário desenquadrado do profissional da fé, continuou operando o bem.

Foi-se Nilton Santos: pobre, recolhido, vítima de doença insidiosa. A carreira mais respeitada de um jogador de futebol, o maior na posição em todo o planeta, como sacramentado pela Fifa. Quatro copas, campeão em duas. O que mais o enalteceu foi o amor ao seu clube, sua paixão e razão de ser. Renovava contratos sucessivos sem exigências. Afinal, não jogaria por nada em outra equipe. Hoje, descontadas as exceções de justiça, avulta a impressão de que prevalece um triste e frio mercenarismo, expresso na ausência de apego à camisa do clube, na fácil e constante mudança de compromisso, tudo entremeado por atitudes e declarações que muitas vezes não sugerem sinceridade. Pode ser que por tudo isso, ao lado de problemas outros como a violência e as arruaças, o futebol venha perdendo o seu encanto como o esporte mais querido e popular e um derivativo saudável. Por justiça inquestionável, o antigo estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro, ostenta em seu pórtico o nome Estádio Nilton Santos – um monumento à dignidade profissional desse talvez derradeiro herói!

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