quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Hoje é dia de Adélia - Carlos Herculano Lopes

Hoje é dia de Adélia 
 
Quem for ao lançamento do livro de poemas Miserere, no Teatro Sesiminas, terá a chance de ouvir Adélia Prado lendo versos que falam das miudezas, mistérios e encantos da vida 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 27/02/2014


 (Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Já em contagem regressiva para comemorar seus 80 anos, que serão completados em 2015, Adélia Prado está entre os grandes poetas vivos deste país, ao lado de Manoel de Barros, Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant’Anna. Miserere, seu último livro, só vem confirmar uma certeza: sua poesia, que continua a dialogar com o religioso e a passagem do tempo, está mais madura – e um pouco mais triste. Com maior desprendimento, a autora discorre sobre lembranças familiares e a inevitável presença da morte.

“Nasci melancólica, antes do baile já vejo os dançarinos chegando em casa cansados com os sapatos nas mãos. Poeta já nasce velho. Sou chegada a lágrimas no meio da maior alegria”, diz a escritora mineira em depoimento que é pura poesia – assim como será ouvi-la hoje à noite, no Teatro Sesiminas, onde lançará Miserere a convite do projeto Sempre um papo.

Esses sentimentos, provavelmente, acompanham Adélia desde a infância em Divinópolis, onde nasceu em 13 de dezembro de 1935. A escritora só sai de lá de vez em quando – mesmo assim, muito rapidamente – para falar de sua obra pelo Brasil. “Sou espantada com a vida, com suas miudezas, com seus altiplanos, seu mistério, seu infinito encanto”, confessa ela.

O livro de estreia, Bagagem, considerado um clássico da literatura brasileira, foi lançado em 1976, depois de a autora ter sido descoberta por Affonso Romano de Sant’Anna. Ele a apresentou a Carlos Drummond de Andrade, que apadrinhou a novata no mundo literário. Dois anos depois de Bagagem, Coração disparado foi agraciado com o Prêmio Jabuti. Em 1987, a atriz Fernanda Montenegro encantou o Brasil com a encenação do espetáculo Dona Doida, baseado em textos da mineira.

Adélia escreveu romances como Solte os cachorros, Cacos para um vitral e Terra de Santa Cruz, entre outros. Destacou-se na literatura infantojuvenil com Quero minha mãe e Carmela vai à escola.

Letícia Malard, professora emérita de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que Adélia Prado está entre os maiores poetas brasileiros da atualidade. De acordo com a especialista, a autora consegue, de uma forma que encanta os mais diferentes leitores, “articular o modernismo com o pós-modernismo em seus versos”.

Antes do alvorecer


O morto não morre,
não há colo nem cruz
onde repouse o que palpita cego
e lancinante pervaga.
Sei que me olha de uma fenda quântica,
mas eu o queria aqui junto comigo,
delirante, fraco, mas comigo,
junto comigo, o meu querido irmão.
Numa carta longínqua me escreveu
“Somos de Deus, irmã”.
Uma bela antífona ao choro desta noite
até que chegue a manhã.


. Poema de Miserere, livro de Adélia Prado

SEMPRE UM PAPO

Teatro Sesiminas. Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia. Hoje, às 19h30. Lançamento do livro de poemas Miserere (Editora Record), de Adélia Prado. Informações: (31) 3261-1501 e www.sempreumpapo.com.br

Três perguntas para...
Adélia Prado - Poeta


Como você vê a evolução da sua poesia desde Bagagem? Ficou mais triste, mais amadurecida? Como situar Miserere no conjunto de sua obra?
Mais triste, no sentido de que mais próxima de realidades que em Bagagem eu ainda não sentia na própria carne. Contudo, Miserere é uma poesia possível por causa da esperança que, graças a Deus, ainda me acompanha.

Como é fazer poesia nestes tempos tão complicados para o Brasil? Ela é uma espécie de alento?
Nos tempos cinzentos e complicados que vivemos atualmente, se não tivermos um canal de transcendência e significado como a poesia, a fé, o buraco da cratera pode aumentar a níveis insuportáveis e tragar todo mundo. Precisamos de uma ação política. Vamos procurar o que podemos agir e fazer.

Você continua acreditando no país, no nosso povo?
Acreditar significa esperança de uma saída. As nuvens estão pesadas e escuras. Espero o sinal que nos ponha em marcha para o caminho novo. Copa do Mundo, eleições? Deve haver algo além de queimarmos ônibus, matar pessoas e mentir a respeito de rigorosas providências: 12 anos de cadeia para mascarados. Então é assim? Somos obrigados a votar? Votemos. Somos obrigados a escolher? Vamos rezar, rezar muito e aguardar acordados a ordem para a batalha. 

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