quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Marina Colasanti - Como uma carta de despedida‏

Como uma carta de despedida
 
Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com

Estado de Minas: 27/02/2014


Arduino Colasanti em cena de Como era gostoso o meu francês (Condor Filmes/divulgação)
Arduino Colasanti em cena de Como era gostoso o meu francês

Morreu Arduino Colasanti, meu irmão. Para os outros, era o galã de cinema, ator fetiche de Nelson Pereira dos Santos, o jovem lindo de O justiceiro, ou o prisioneiro dos índios tupinambás de Como era gostoso o meu francês, que em plena nudez espera ser devorado. Ou, para quem tem boa memória, a personagem em Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr., duelando com nosso pai – o também ator Manfredo Colasanti –, armado um com um gigantesco garfo, e o outro com uma imensa faca de mesa. Era o ator que, invejado por tantos, namorava Leila Diniz em Fome de amor.

Para mim, foi o cúmplice de tantas aventuras de infância, metidos juntos em trigais mais altos que nossas cabeças, ou indo buscar cogumelos no bosque para dar à nossa mãe de aniversário. Era o poderoso guerreiro Olhos de Águia, chefe e fundador da tribo de índios pele- vermelha da qual eu era a única menina, autonomeada Sole Ridente. E também Tarzan, nas explorações iniciais da selva tropical que compõe o Parque Lage, cuja mansão foi nossa primeira casa no Brasil. Andamos muito de cipó, soltando o chamado característico do homem-macaco, sem nenhum reconhecimento por parte dos micos. E construímos cabanas estupendas, tão benfeitas que uma delas foi aproveitada no filme Jangada, rodado no parque, e destruído num incêndio antes de qualquer exibição.

Para os outros, Arduino era o homem do mar que fabricou – e usou – a primeira prancha de surfe no Brasil, o mergulhador da equipe brasileira no campeonato de caça submarina em Malta, o professor de mergulho que formou tantos profissionais, o homem que virou acidente geográfico, para sempre preservado na Laje Arduino, entre duas ilhas no canal da Barra. Homem tão do mar que pediu fossem suas cinzas jogadas junto às Ilhas Cagarras, ao largo de Ipanema.

Para mim, foi o instrutor particular que me ensinou a mergulhar e me levava para pescar, naquele tempo em que praticamente não havia mulheres no esporte. Eu morria de medo porque não tinha o mesmo traquejo dele, nem o mesmo talento aquático. E morria de frio porque era adolescente magrinha e ainda não existiam roupas de neoprene, meu maxilar doía de tanto apertar o bocal do respirador para evitar o tremor dos dentes. Mas era muito bom! Mergulhamos juntos na Gruta da Imprensa, entre espumas de onde temia ver surgir um cação a qualquer momento. Mergulhamos no navio afundado da Barra, eu sabendo que se o mar virasse ia ser dificílimo voltar porque não sabia pegar jacaré. E mergulhamos na Laje Santo Antônio, em mar aberto. Hoje, olho a laje do alto do meu terraço, lá longe, marcada por ondas, e ouço a voz dele me dizendo com orgulho de irmão e professor: “Você foi a primeira mulher a mergulhar na Laje Santo Antônio!”.

Para todo mundo, Arduino era sobretudo o belo por excelência, o louro de perfeito perfil e olhos azuis, um grego florentino em plena Ipanema. E era o conquistador ou o conquistado de tantas mulheres, as mais bonitas e desejadas.

Para mim, era meu desdobramento, oposto e complementar indispensável, único no mundo a partilhar as lembranças de nossa infância na África e na Itália, nossa chegada ao Brasil.

Perguntei-lhe recentemente como se sentia, se italiano, brasileiro ou dividido. Respondeu enfático: “Eu sou um mulato brasileiro!”. 

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