quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Tereza Cruvinel - Blefe ou crise‏

Blefe ou crise 
 
A rejeição do crime de quadrilha pela maioria do STF pode dar a Joaquim Barbosa um motivo para deixar a Corte em protesto 

 
Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 27/02/2014


Há quem veja na fervura da base governista apenas uma TPE, tensão pré-eleitoral, como a resume o senador petista Jorge Viana (AC). E há quem ouça nos movimentos recentes uma marchinha insolente, antecipando uma ruptura de consequências eleitorais na maior aliança partidária já construída na democracia contemporânea, marcada pelo nefasto e inescapável presidencialismo de coalizão. Até junho saberemos se o movimento é irrelevante ou se tem força para alterar de algum modo o fluxo das águas. Certo é que ontem, para dizer que não estão brincando, os rebeldes do chamado “blocão” fizeram farinha da vasta maioria governista: o PT ficou literalmente sozinho, garantindo apenas 80 votos na tentativa de retirar de pauta a proposta de criação de comissão especial para investigar denúncias contra a Petrobras.

É razoável supor que a oposição hoje tenha 100 votos, nela incluído o Solidariedade, que surgiu no ano passado como lasca da base. Restariam assim ao governo, teoricamente, 413 votos numa casa de 513. Tal maioria formou-se a partir da coligação de 10 partidos reunidos em 2010 pelo ex-presidente Lula para apoiar a candidatura Dilma. Coligação tão grande, nem ele teve. Mas há muito tempo o governo não desfruta, na Câmara, do conforto que tal maioria deveria propiciar. Raramente a Casa funciona com todos os deputados presentes, mas estas são as contas que permitem enxergar melhor a floresta do plenário. Na votação mencionada, por exemplo, o outro lado reuniu 261 votos, misturando oposição e “blocão”, um ajuntamento de governistas dispostos a votar contra o Planalto.

Quando inclui o blocão entre os eventos da TPÈ, Jorge Viana refere-se à angústia de partidos e parlamentares nesta época, forjada pela necessidade que têm de renovar seus mandatos para sobreviver politicamente. Para isso, precisam mostrar às bases que conseguiram levar obras e benefícios aos municípios. Dilma, entretanto, não os chama para a entrega de patrolas e retroescavadeiras. Querem ter seus nomes na lista dos que votaram a favor de projetos de apelo popular, mas aí o Planalto tranca a pauta porque tais propostas lhe trariam problema. A demora da presidente Dilma em concluir a reforma ministerial e os impasses para a formação das alianças nos estados também contribuíram, diz Viana, para esquentar o caldo de insatisfações. Logo que tudo isso for equacionado, diz ele, as coisas vão serenar: “O maior engenheiro que eu conheço é o sucesso. Nenhum aliado vai querer romper com um governo bem avaliado e uma presidente que tem elevadas chances de se reeleger, até mesmo no primeiro turno”.

Pode ser mesmo que tudo se dissipe mesmo quando o vento da campanha começar a soprar. Mas se no meio do caminho acontecer um grave fato imponderável, encontrará o governo com sua base de sustentação literalmente esfarelada. E o imponderável pode ser, inclusive, o surgimento de uma candidatura que empolgue o eleitorado. Embora hoje, segundo as pesquisas, os que estão colocados não venham conseguindo fazer isso, e boa parte dos que desejam mudanças prefiram que elas ocorram com o próprio PT no poder.

Agora já foram todos para a carnaval. Os rebeldes contentes com a malcriação cometida e os petistas reclamando de aliados tão ingratos. A sério, nas cercanias petistas muita gente já se pergunta se vale a pena manter a aliança com o PMDB, líder da rebelião.


Sem quadrilha
“Para mim tanto faz”, disse o ministro Joaquim Barbosa na semana passada. Mas ontem, não foi isso que ele demonstrou, quando ficou claro que o crime de quadrilha deve ser rejeitado pela maioria do STF no julgamento dos embargos infringentes dos réus da Ação Penal 470. Se tal resultado se confirmar, há quem pense que Barbosa pode valer-se do desfecho para antecipar sua saída, declarando-se decepcionado. Para ser ou não candidato a cargo eletivo.

O ministro José Roberto Barroso pode não ter ouvido ou talvez tenha preferido ignorar, para reduzir a celeuma, a mais grave acusação que lhe fez Barbosa ontem. Depois de classificar seu voto como político e não jurídico, acusou-o de já ter chegado ao Supremo com ele pronto. Que talvez já o tivesse preparado antes de lá chegar. Ou seja, que tenha sido indicado para dar um voto que reduzirá as penas e dará discurso ao PT e aos críticos do julgamento. Barroso, na réplica, passou ao largo.


Deveria ter futuro
O que há de nefasto no sistema brasileiro de reeleição – e foi o ponto mais criticado da emenda apresentada e aprovada pelos aliados do ex-presidente Fernando Henrique em 1997 – é a permissão para que os governantes, em todos os níveis da Federação, disputem o segundo mandato no cargo. Ou seja, desfrutando de todas as vantagens proporcionadas, que vão da maior exposição pública à execução do orçamento, sem falar no uso do aparato do poder, ampliando a desvantagem dos candidatos de oposição. Fora isso, a possibilidade de recondução de um governante bem avaliado tem aspectos positivos. Evita a descontinuidade, assegurando a conclusão ou aprofundamento das políticas públicas implantadas, que, muitas vezes, dependem de maior tempo de maturação e desenvolvimento para dar frutos.

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