sábado, 29 de março de 2014

O espelho e o fantasma - Mariana Peixoto

O espelho e o fantasma
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 29/03/2014


Em Olhe para mim, de 2001, Jennifer Egan parece antecipar a moda das  celebridades   que tomaria conta do mundo (Pieter M. van Hattem/Divulgação)
Em Olhe para mim, de 2001, Jennifer Egan parece antecipar a moda das celebridades que tomaria conta do mundo

Não fosse o Pulitzer de ficção por A visita cruel do tempo (2011), dificilmente Olhe para mim (2001), segundo romance da norte-americana Jennifer Egan, chegaria ao Brasil. Dez anos separam os dois livros. E 13 separam o lançamento nos Estados Unidos de sua publicação no país. As duas questões devem ser levadas em conta, ainda que não interfiram na leitura. Mudam, no entanto, a perspectiva.

Assim como em A visita..., a autora entrelaça histórias de diferentes personagens numa narrativa que chega a um final surpreendente. Em Olhe para mim, há duas Charlotte. A primeira, a protagonista, é Charlotte Swenson, modelo de 35 anos que mente ter 28. De Rockford, cidade parada no tempo nas redondezas de Chicago, radicou-se em Nova York. A carreira promissora não chegou a lugar algum e Swenson, que buscou a vida inteira o reconhecimento, sofre um acidente de carro.

Oitenta parafusos de titânio depois, ela se recupera. Mas seu rosto, ainda que não aparente as sequelas, está irreconhecível. A mulher que sonhava com a sala espelhada (termo cunhado por ela) agora é um fantasma. Paralelamente a essa narrativa, é apresentada a adolescente Charlotte Metcalf. Moradora de Rockford, ela é filha da melhor amiga de infância da Charlotte modelo. Aos 16 anos, não se parece em nada com a mãe. Sem a beleza dela, vive escondida atrás de pesados óculos de grau. Não é vista até se relacionar com um homem mais velho, misterioso, que também se relacionou com a Charlotte mais velha.

A narrativa da protagonista é ambientada, em sua maior parte, em Nova York. A da adolescente é em Rockford. Mesmo que se encontrem rapidamente, em uma situação que aparenta não ter qualquer grande significado, as duas mulheres estão ligadas através de personagens secundários que serão definitivos para o rumo de suas vidas. Por meio de observações ácidas, as personagens enxergam sua própria invisibilidade perante o mundo.

A Charlotte mais velha, a despeito da tragédia, continua buscando imagem e dinheiro. Vive numa Nova York cínica como ela, que é capaz de cortar modelos e fazê-las sangrar em busca de “realidade”. A mais jovem tenta não se acomodar. Não quer ser diferente, e sim igual a outras tantas. Egan coloca essas personagens em cenários que marcaram a década passada e, ainda hoje, conduzem a sociedade contemporânea.

Primeiramente, antecipa as redes sociais, reality shows e ânsia pela celebridade. Vale lembrar que a autora levou seis anos para concluir a narrativa, que veio a cabo justamente no período em que as iniciativas estavam nascendo – o Big Brother original é de 2000, o Facebook de 2004 e o Twitter de 2006. Com a carreira de modelo arruinada, Charlotte cria sua própria identidade on-line. E o grande trauma americano, a ameaça terrorista, aquele que frequenta escolas e está presente no cotidiano, é traduzida na figura de um só homem, que se relaciona com as duas Charlottes.

 Diante desse cenário, fosse lido na época de seu lançamento, Olhe para mim teria uma força maior. Nos dias atuais, o romance se vale de suas próprias qualidades, da prosa fluida e dos personagens bem construídos. Não se presta a fazer o retrato de uma época, como o hoje um tanto datado Psicopata americano, de Bret Easton Ellis. Mas ainda consegue causar impacto.

OLHE PARA MIM

• De Jennifer Egan
• Editora Intrínseca, 432 páginas
• R$ 29,90 (impresso) e R$ 19,90 (e-book).

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