sexta-feira, 22 de agosto de 2014

História viva

Congonhas celebra Semana Aleijadinho com concertos, teatro e lançamento de livro. Público poderá acompanhar ao vivo o trabalho de Carlos Bracher a partir de obras do artista barroco


Walter Sebastião
Estado de Minas: 22/08/2014



Carlos Bracher vem se dedicando a pintar a contribuição de Aleijadinho para a cultura de Minas. Na segunda-feira, ele estará em Congonhas, onde terá como tema o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos (Sérgio R. Reis/Divulgação
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Carlos Bracher vem se dedicando a pintar a contribuição de Aleijadinho para a cultura de Minas. Na segunda-feira, ele estará em Congonhas, onde terá como tema o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos


Com um concerto do coro Cidade dos Profetas, sob regência do maestro Herculano Amâncio, dedicado aos clássicos da música barroca, começa amanhã em Congonhas a Semana Aleijadinho. A programação vai até dia 29 e prevê apresentações de peças teatrais e lançamentos de livros. O grupo vocal apresenta na Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos composições de Lobo de Mesquita, padre João de Deus Castro Lobo, Manoel Dias de Oliveira, Vivaldi, Bach e Verdi. O coral faz apresentação com orquestra de câmara formada por músicos convidados, dirigida pelo violinista Elias Barros.

“A músico do período colonial é o grande patrimônio imaterial de Minas Gerais”, afirma Herculano Amâncio, regente do Cidade dos Profetas. Ele informa que na Minas Gerais dos séculos 18 e 19 estiveram em atividade cerca de 5 mil compositores e 15 mil músicos vivendo profissionalmente do ofício. Movendo tal atividade, explica o maestro, está a importância concedida à música nas celebrações católicas. Peças escritas para cada ocasião, que muitas vezes não eram repetidas, já que as irmandades patrocinadoras queriam novidades anuais, o que resultou em número enorme de composições.

O maestro chama a atenção para Magnificat, de Manoel Dias(1734/5-1813). “É obra bonita, grandiosa, empolgante, que apresentada na basílica revela toda a pompa que tinham as celebrações religiosas na época”, explica. “Mas não dá para esquecer que o concerto tem também peças de João de Deus e Lobo de Mesquisa”, observa. De grande beleza, na avaliação do regente, é também a peça Tota pulchra es, Maria, de autor desconhecido. Amâncio conta que, diferentemente do Barroco europeu, na antiga Minas Gerais o importante era participar das celebrações, mais até do que ser conhecido como o autor da obra. E é esta convicção por parte dos compositores que explica o fato de haver muitas obras sem autor conhecido.

Espírito

No dia 25, o artista Carlos Bracher estará trabalhando em Congonhas, tendo como tema a Basílica de Bom Jesus do Matosinhos. “É provavelmente o primeiro grande e real santuário do Brasil”, afirma. “Se, no geral, as fotos de lugares assim são mais bonitas do que o real, em Congonhas a situação se inverte: o real, quando você vê com seus olhos, é maior, mais comovente do que foto do local”, acrescenta. O conjunto de Congonhas, para o pintor, até por ser a obra final de Aleijadinho, integra “os vetores anímicos” que movem o artista: arte e espiritualidade. “Ver as obras de Aleijadinho, feitas para Congonhas, in loco, traz misticismo tátil, uma transcendência misteriosa, que muda a percepção que temos do que ele fez”, observa.

Aleijadinho, para Bracher, é artista que nasce das mesmas forças com que ele trabalha. “Ele tem sentido do abismo que é o estético e o mistério religioso. É semelhante a Michelangelo, homem que tem este mesmo tônus”, argumenta. “São artistas que até as incoerências se tornam concernentes, são procedentes”, observa. “Aleijadinho é filosoficamente não um, mas o artista. Como Bach. Criadores em que há correspondência entre o homem e a vida, a arte e o absoluto.” Extraordinário, para o pintor, é a obra do escultor não ter momento de declínio, mas se configurar como processo de contínuo crescimento, de expansão, “o que é raro inclusive em grandes artistas”, completa Bracher.

A pintura que Carlos Bracher vai fazer em Congonhas integra série alusiva ao bicentenário de morte de Aleijadinho, elaborada a partir de acervos do escultor existentes em Congonhas, Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei, Tiradentes e outras localidades, que vai dar origem a exposição e livro.

O homem e o mito


“Meu livro é simples como foi Aleijadinho, não grandioso como é a obra dele”, observa Marcos Paulo de Souza Miranda, autor de O Aleijadinho revelado (Editora Fino Traço). O volume, produto de pesquisas no Brasil e em Lisboa, traz biografia de Antônio Francisco Lisboa. Desde as origens da família até as principais obras, detalhando formação artística e profissional. Traz ainda trabalhos de um tio de Aleijadinho, o padre Félix Antônio Lisboa, autor de esculturas que são confundidas com as da criador dos profetas de Congonhas.

“Aleijadinho foi perfeccionista, muito dedicado à arte e tinha consciência da qualidade do que fazia. Recusou trabalho porque não queriam pagar o que ele cobrou: uma oitava de ouro por dia”, conta Marcos Paulo. O artista tinha informações sobre a arte de seu tempo, não viveu às ocultas, sendo homem integrado socialmente, conta o pesquisador. Com relação ao retrato oficial, uma pintura de Euclásio Pena Ventura, do século 19, hoje no Museu Mineiro, Marcos Paulo explica que não é possível afirmar que seja mesmo a face do artista, ainda que existam indícios neste sentido.

“Dediquei-me à biografia porque considero que é importante entender o homem para compreender a obra”, explica Marcos Paulo. A família do artista barroco era de São José de Odivelas, um distrito de Lisboa, tinha ligações profundas e antigas com os ofícios de entalhe e carpintaria. O avô de Aleijadinho e três filhos, entre eles Manuel Francisco Lisboa, o pai do escultor, teriam chegado a Minas Gerais em data anterior a 1720, momento em que a região vivia o auge da efervescência artística. O que revela que Antônio Francisco Lisboa “nasceu e foi criado” em família ligada às artes, tendo sido formado neste ambiente, independentemente de mestres que possa ter tido posteriormente.

O pesquisador considera difícil afirmar que doença acometeu Antônio Francisco Lisboa. A curiosidade pelo tema, conta Marcos Paulo, levou a três autópsias no corpo do escultor (em 1930, 1970 e 1998), e uma quarta, clandestina, descoberta agora, feita pelo inglês John Bernard Bury. Durante as duas décadas de pesquisa, que estão na origem do volume, também não foi localizado nada que indique a participação de Antônio Francisco Lisboa na Inconfidência Mineira.

Apesar dos indícios, nada garante que a imagem oficial de Aleijadinho, do acervo do Museu Mineiro, corresponde ao personagem histórico
 (Museu Mineiro/Divulgação)
Apesar dos indícios, nada garante que a imagem oficial de Aleijadinho, do acervo do Museu Mineiro, corresponde ao personagem histórico


Semana  Aleijadinho
Programação


. Dia 24, às 19h45
A vida é inadiável, com o Grupo Palco Tablado. Cine Teatro Leon
. Dia 25, às 15h
Aleijadinho. Pintura ao vivo por Carlos Bracher. Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
. Dia 26, às 19h45
Lançamento do livro Cirurgias espirituais de José Arigó, de Leida Lúcia de Oliveira. Romaria
. Dia 27, às 19h45
Ai, meu Zeus – Os deuses na indústria, com o Grupo Circo Sesi. Romaria
. Dia 28, às 19h45
Lançamento do livro O Aleijadinho revelado – Estudos históricos sobre Antônio Francisco Lisboa, de Marcos Paulo de Souza Miranda. Romaria
. Dia 29, às 19h45
Apresentação do projeto da visita virtual ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Romaria

Coral Cidade dos Profetas

Amanhã, às 11h, na Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas. Regência do maestro Herculano Amâncio. Composições de Lobo de Mesquita, padre João de Deus Castro Lobo, Manoel Dias de Oliveira, Vivaldi, Bach e Verdi. Entrada franca.

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