sábado, 6 de setembro de 2014

ARNALDO VIANA » O massacre da serra elétrica‏

Estado de Minas: 06/09/2014 




Meados dos anos 1980. O barco com três pescadores amadores sobe e desce o São Francisco, nos costados da cidade de Januária. No leme, Chiquinho, um nativo tostado pelo sol. Conhecia cada curva do rio e sabia de cor e salteado onde estavam os bancos de areia, invisíveis aos olhos dos passageiros. Era fim de inverno, mas o calor castigava. A água corria mansa, barrenta, serpenteando o assoreamento e já infestada de dejetos e despejos humanos. O Velho Chico ainda justificava a fama de caudaloso. Poderoso.

Se as armadilhas do rio, expostas ao instinto de sobrevivência dos ribeirinhos, escapavam aos olhos dos forasteiros, as marcas da degradação em andamento não. Nos anzóis, nada. Os peixes já rareavam. O piloteiro sugeriu uma chegada à chamada Curva da Laranjinha. “Lá, pelos menos belisca.” Não beliscou. A isca ia e voltava impune. Barco poitado, Chiquinho se sentou à proa e, quase em letargia, vagava os olhos silenciosos pela imensidão do leito d’água. Parecia alheio à falta de emoção dos pescadores. Uma fr1ase o despertou:

– Chiquinho, este rio vai morrer. Está morrendo…

 – Vai não, moço. Vai não. Tem muita água.

Chiquinho tirava do rio o pescado para complementar a alimentação da família. Nas margens, bem longe da curiosidade alheia, cultivava milho, moranga e melancia. Quando não havia clientes para descer e subir o rio, fazia bicos na construção civil. Januária andava em crescimento. O cultivo de frutas irrigadas no vale era um aceno de esperança. Um paraíso que o humilde misto de piloteiro, agricultor e pedreiro não admitia perder.

Naquele tempo, era preciso encarar muita poeira e buracos nos quase 170 quilômetros que separam Januária de Montes Claros. À noite, uma viagem gostosa. O céu do cerrado é generoso em brilho de estrelas, se não há nuvens. Aquela estrada de chão nem tão batido corria como alameda entre árvores retorcidas. De uma ultrapassagem a outra, caminhões carregados de sacos cheios de carvão. Em Pedras de Maria da Cruz, o fim do caminho. A balsa esperava para a travessia.

Dez anos depois, um dos três pescadores volta a Januária para tentar reviver aventuras no curso do Velho Chico. Em vez de balsa, ponte. E nem precisava. Dava para atravessar o rio a pé. Chiquinho estava lá, nem tão curtido pelo sol. E não se anima a entrar no rio. Já admitia, de certa forma, a agonia do rio.

– Acabou o peixe, moço. O barco? Está sem motor. Há muito não é alugado. Ninguém vem mais pescar. Vivo parte do ano aqui, com a família, e outra parte trabalhando como pedreiro em São Paulo.

 O São Francisco, o Doce, o Mucuri, o Grande, o Pará, o Paraopeba, o Velhas, o Paraíba do Sul, os afluentes, as lagoas naturais, as represas. Tudo à míngua. Só para ficar em Minas. Jogam a culpa na chuva, que não chega aqui nem acolá. Por que não? Uma das respostas está no desmatamento. A porção mineira da mata atlântica já se foi e aquelas árvores retorcidas do cerrado migraram para as cidades em forma de carvão. Cedem lugar às florestas de eucaliptos.

No Sul, no Sudeste e no Nordeste não há mais o que serrar. As serras elétricas avançam agora sobre o Centro-Oeste e o Norte. A ganância pela valiosa madeira de lei ganhou um aliado forte, o agronegócio. Só entre agosto de 2013 e julho deste ano, a Amazônia Legal perdeu mais de 3 mil quilômetros quadrados de mata. Um massacre. Saibam que há influência da floresta tropical do Norte na ocorrência de chuvas nas demais regiões. O agronegócio gera um terço do empregos no país e contribui com 20% do PIB, mas precisa estabelecer fronteira entre o bem e o mal.

O pior é que nunca houve e não há projeto político de recuperação das matas ciliares, das bacias hidrográficas do tamanho que a necessidade pede. Não há pulso forte contra os desmatadores. Não se vê nos noticiários condenação de quem andou depenando florestas. E a campanha eleitoral está aí.

Observação do Negão: A lei eleitoral proíbe a instalação de placas de propaganda política em jardins e de forma que dificultem a passagem de pedestres em espaços públicos. Os canteiros centrais da Afonso Pena, avenida que atravessa o coração de BH, estão repletos de placas. Os folgados que as espalham comprometem até mesmo os candidatos que já governaram a cidade.

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