terça-feira, 13 de novembro de 2012

Cachorro-cabeça - Juliana Cunha


Cachorro-cabeça
Seu cão evoluiu só para conversar com você; ele compreende melhor os gestos humanos do que as espécies mais inteligentes, mostram experimentos científicos
JULIANA CUNHACOLABORAÇÃO PARA A FOLHACachorros conseguem interpretar gestos humanos que não fazem sentido para outros animais inteligentes como golfinhos, focas e cabras.
Um gesto aparentemente simples como o de apontar para um objeto escondido não é compreendido por seus ancestrais lobos e nem mesmo por chimpanzés, nossos parentes mais próximos.
Milhares de anos convivendo com pessoas -e dependendo de sua comida para sobreviver- fizeram dos cães especialistas em humanos, como mostram duas pesquisas publicadas neste ano.
Os estudos -um feito no Instituto de Psicologia da USP, outro no Instituto de Antropologia Evolutiva Max Planck, na Alemanha- chegaram a conclusões semelhantes e complementares.
A pesquisa alemã comparou a habilidade de cães e primatas em reconhecer pistas humanas para encontrar um alimento escondido. O experimento trabalhou com 20 chimpanzés e 32 cachorros de diferentes raças e idades.
A ideia era fazer com que eles achassem comida escondida sob uma caixa. Durante o teste, uma pessoa apontava insistentemente para a caixa, usando o indicador.
Resultado: enquanto os cachorros compreendiam a dica facilmente, primatas encaravam a pessoa com desprezo ou cara de interrogação.
"Não dá para saber se os macacos não entendem por terem menos capacidade de abstração para essa tarefa específica ou se a questão é que não confiam tanto nos humanos. Cachorros estão acostumados a serem beneficiados por homens, por isso dão mais valor às nossas sugestões", diz Juliane Kaminski, uma das autoras do estudo.
Mesmo filhotes de cães muito jovens e sem nenhum treinamento foram bem-sucedidos na tarefa. Mais bem-sucedidos do que crianças de até dois anos, para quem um objeto escondido simplesmente deixa de existir.
No Brasil, a psicóloga Maria Brandão, orientanda de César Ades (maior especialista em comportamento animal do país, morto em março), provou que, além de compreender o gesto indicativo de um ser humano, o cachorro consegue reter a informação por até quatro minutos. Uma capacidade de compreensão e retenção de conhecimento que não era esperada da espécie.
"Mesmo quando são distraídos com outras atividades, eles se lembram do objeto escondido e voltam para buscá-lo", conta Brandão, que testou sua teoria com 25 cães entre dois e oito anos, de diferentes raças.
Uma pensamento comum era o de que os cachorros aprendiam esse tipo de truque por meio de treinamento, hipótese que a pesquisadora nega: "Entender um gesto abstrato que o dono faz com as mãos é antes uma habilidade que os cães desenvolveram evolutivamente do que algo ensinado", explica.
As pesquisas de Kaminski e Brandão fazem coro com outros estudos feitos nos últimos anos destacando como humanos e cães criaram juntos mecanismos de comunicação entre suas espécies.
Cachorros desenvolveram o hábito de latir somente para se comunicar conosco. Deu certo: humanos entendem se um latido é de medo, alegria ou agressividade em 60% dos casos, segundo pesquisa da Universidade Eötvös Loránd, na Hungria, feita em 2005.
Em 2008, pesquisadores da University of London provaram que cães tendem a bocejar minutos depois de seus donos. O bocejo contagioso era visto como indicativo de empatia entre primatas.
Em alguns anos talvez acabem descobrindo que cães são mesmo primatas: só lhes falta o polegar opositor e alguns gramas de cérebro.

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