terça-feira, 13 de novembro de 2012

Música ao longe - Maria Esther Maciel‏

Estado de Minas - 13/12/2012 

Hoje, ao ouvir uma ária de Mozart na voz leve e ágil da soprano americana Kathleen Battle, lembrei-me de um casal também americano que conheci há dois anos em Lisboa. Ele, de origem judaica, é maestro e professor de música. Ela, de ascendência grega, é cantora lírica e pintora. Moram em Nova York, mas estão sempre viajando pelo mundo, a passeio ou trabalho. 

Quando os vi pela primeira vez, estavam no restaurante da Casa do Alentejo, sentados à mesa ao lado da minha. Como demonstravam dificuldade para se comunicar com o garçom, que não falava quase nada de inglês, ofereci-me para ajudá-los no que fosse possível. Em retribuição, convidaram-me para sentar com eles. Foi o começo de uma amizade que ocupou boa parte de minha semana na cidade. Eles estavam hospedados num hotel próximo ao meu e isso facilitou nossos encontros seguintes. Num deles, fomos a uma tasca no Bairro Alto, onde o falante maestro me contou a história de amor dos dois. A essa altura, já tínhamos bebido uma garrafa inteira de vinho, o que talvez o tenha estimulado a me revelar as coisas que relatou nessa noite. Já a soprano, uma mulher ruiva de cabelos longos, não demonstrava incômodo com o entusiasmo amoroso do marido, embora se mostrasse meio encabulada. 

O que ouvi foi bem interessante. Ele me disse que ainda era casado com outra quando pôs um anúncio no jornal divulgando o processo de seleção de cantores líricos para a orquestra que dirigia. À vaga de soprano inscreveram-se oito candidatas qualificadas, e Martha (é o nome da mulher) foi a sexta a participar da audição. Quando ela entrou na sala, o maestro a achou tímida demais para ser uma solista. Por outro lado, ficou impressionado com seus cabelos vermelhos. Mesmo já tendo escolhido duas entre as candidatas anteriores, resolveu ir até o fim no processo de seleção e pediu que Martha interpretasse uma ária de sua preferência. “Quando ela soltou a voz, me arrepiei todo”, ele relatou. E antes de dizer que não teve dúvidas em contratá-la imediatamente, confessou: “Algo indescritível se passou comigo naquele instante: era como se eu ouvisse a voz de uma deusa; me apaixonei imediatamente por ela.” 

Logo depois, relatou o quanto foi difícil conquistá-la, já que Martha não admitia se relacionar com um homem que, além de casado, tinha lhe dado um emprego. Um ano se passou sem que nada acontecesse além do trabalho profissional. “Mas minha paixão só crescia”, ele disse. Até que um dia ele a chamou e lhe mostrou um documento: era seu atestado de divórcio, assinado dias antes. “Será que agora tenho chance?”, perguntou. Mas nem assim Martha cedeu. E, para o desconsolo do homem, ainda pediu demissão da orquestra. 

Três meses depois, entretanto, ela o procurou. Tinha conseguido o posto de solista num grande teatro e agora se sentia livre para um vínculo amoroso com o mestre. Os dois se casaram logo. E em um ano, já estavam trabalhando juntos de novo. Desde então, têm se apresentado em vários concertos  mundo afora. 

O maestro ainda brincou no fim do relato: “Um dia ela me perguntou se eu não tinha me apaixonado por ela só por causa da voz. E eu disse que não, que o motivo maior de minha paixão tinham sido seus cabelos de fogo.”

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