domingo, 18 de novembro de 2012

Entre a Corte e o matagal - Alvaro Costa e Silva


DIÁRIO DO RIO
O MAPA DA CULTURA
Entre a Corte e o matagal
Martins Pena vaga pelas roças do séc. 19
ALVARO COSTA E SILVAAlém do Campo de Santana, era tudo roça no Rio de Janeiro de 1838. Descendo a rua da Sentinela (atual Visconde do Rio Branco) dava-se, com sorte, no Estácio, ou no bairro velho de Mata-Porcos. Sorte para transpor, salvo dos assaltos, três pontes -toscos pedaços de madeira- apelidadas de "Aperta a Goela", "Cala a Boca" e "Não Te Importes".
Era por ali que ia o jovem aspirante a dramaturgo Martins Pena (1815-48) que, com sua peça "O Juiz de Paz na Roça", encenada naquele ano pela companhia de João Caetano no Teatro São Pedro, inaugurou no Brasil a comédia de costumes. Vale dizer: o humor, pela primeira vez com sotaque brasileiro, em nossos palcos.
Essa história está contada em detalhes no livro "Martins e Caetano" [Funarte, 300 págs., R$ 15], de Ivan Fernandes, lançado semana passada no Palácio Capanema, depois de ter recebido a bolsa de criação literária da Funarte em 2010.
Ficção histórica, o romance nos transporta para aquela outra cidade partida, entre a Corte e o matagal. É obra com incrível cor de época, uso de palavras retiradas do porão e expostas de novo na prateleira -godório, meganha, peralvilho, maçada- e descrições tão vívidas que nos sentimos, entre pilhas de fazenda envoltas na poeira, dentro do armarinho da rua 1º de Março (antiga Direita) onde trabalhou Martins Pena.
O SOM DOS TÍBURIS
Poucas ruas encapsularam esses anos mais antigos do passado tão fidedignamente quanto o trecho inicial da Rosário, fazendo esquina justamente com a 1º de Março. Ao cair da tarde, é o lugar para se esconder no Centro. Que o diga o Xico Sá, cronista das índias e negas, que, em sua recente temporada carioca, ouve em transe o barulho dos tílburis machadianos a caminho do Al-Farabi, um bar-restaurante-sebo no casarão nº 30.
Lá, todas as quartas, é dia de jazz, com o Charles Rio Trio (o próprio no piano, Pete O'Neill no saxofone e Cécile Taquoi no vocal). Para harmonizar, o cardápio de cervejas oferece holandesas, tchecas, belgas, alemãs, escocesas, americanas, mexicanas, argentinas e brasileiras artesanais, sob a supervisão de Maurício Nascentes, conhecido como "Abade", por seu "physique du rôle" e vasto conhecimento cervejeiro.
E TOME BAIÃO
Até parece que voltamos ao fim dos anos 40 e início dos 50, quando o baião estourou no Sul Maravilha. Desbancou a dor de corno do bolero e era tão ou mais executado que o samba. Agora como antes, na voz de Luiz Gonzaga, que se escuta sem parar na onda das comemorações de seu centenário.
Faz-nos lembrar o quanto o Rio é nordestino. Com a mistura, começou a nascer uma gente de cor diferente, sobretudo nas favelas. Aos daqui, de pele escura, juntaram-se os de lá de cima, de tez puxada ao amarelo também escuro. O resultado é um roxo, um roxinho dos mais bonitos que pode haver.
E tome sanfona. Além da cinebiografia arrasa-quarteirão "Gonzaga: de Pai para Filho", segue em cartaz no Sesc Ginástico até dezembro "Gonzagão: a Lenda", com texto e direção de João Falcão e Marcelo Mimoso, com Alfredo Del-Penho no elenco. O teaser do musical está em bit.ly/gonzagao.
Só falta agora reabrirem o Forró Forrado, no Catete, casa mítica com talco no chão do salão onde este escriba aprendeu a dançar xote, descalço, com João do Vale.
CHURRASCO NA ESQUINA
Ao contrário de Roma, cuja prefeitura proibiu a merenda dos turistas em frente à Fontana di Trevi, Coliseu, Panteão e outros pontos turísticos, no Rio a farra de comida e bebida nas ruas continua a vigorar.
Com a chegada do calor, intensifica-se, em fins de semana e feriados, o movimento do churrasco de esquina (não confundir com o churrasquinho de rua servido por ambulantes). Os melhores rolam nos subúrbios. Mas há apetitosos também na zona sul, como o da turma da rua Cândido Mendes, na Glória.
Um grupo de dez a 15 amigos cotiza-se para comprar a carne. No geral, contrafilé, linguiça e a indefectível asinha de frango; em dias nobres, pode ser uma picanha. Molho à campanha (em São Paulo, vinagrete) caprichado no vinagre e pão francês com pasta de maionese e alho na brasa. Os engradados de cerveja encomendam-se no botequim próximo.
Para refrescar, paga-se um "pingoso", ou seja, um banho de mangueira. Não provoca indigestão.

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