sábado, 3 de novembro de 2012

O sexo na poesia - Severino Francisco

Durval Checchinato investiga a obra de Fernando Pessoa sob o prisma da psicanálise. "O homoerotismo explicitado por ele me ensinou muita coisa", garante o autor 

Severino Francisco
ESTADO DE MINAS: 03/11/2012 
Há indicações e indícios de que o poeta Fernando Pessoa tinha consciência de sua identidade de homossexual. Para muitos, esse seria um aspecto tangencial e circunstancial de sua obra. Na opinião do psicanalista Durval Checchinato, esta questão é crucial. Tão importante que se tornou o centro de suas reflexões no livro Fernando Pessoa – Homoerotismo, psicanálise, sublimação (Cia. de Freud).


De acordo com o psicanalista, embora tivesse consciência de suas inclinações sexuais, o escritor português sempre se empenhou “em não permitir que essa tendência descesse ao corpo”. Integrante da Ecole Freudienne de Paris e cofundador do Centro de Estudos Freudianos, primeira sociedade lacaniana no Brasil, Checchinato se empreendeu a uma escuta do poeta no sentido psicanalítico, como se Pessoa estivesse no divã.

Ao ser indagado se interpretar os versos do autor português sob a perspectiva do homoerotismo não restringiria a dimensão universal de seu legado, Checchinato pondera: “Há múltiplas facetas em que as obras de Pessoa podem ser encaradas”. O psicanalista afirma tê-las escutado “para aprender com ele o que é sublimação e que o amor homo é Outro Amor – tem beleza própria, desde que vivido e testemunhado em sua integridade, sem imitar o amor hétero como no ‘casamento’ ou na adoção de filhos”.

Checchinato adverte: “É preciso inventar outros conceitos sobre a união homo. Xerocar o modelo da moral conjugal é fazer caricatura do Outro Amor”. De acordo com o psicanalista, cada sujeito merece respeito por sua identidade sexual. Na opinião dele, esse aspecto não é tangencial, mas de total importância para a subjetividade.

“Fernando Pessoa me possibilitou resgatar de alguma maneira uma parcela da humanidade discriminada e marginalizada. Além disso, ele prova que essa identidade não impede de encarar com dignidade a ‘terrível responsabilidade de existir’”, garante o psicanalista.

Leia a seguir algumas ideias do autor de Fernando Pessoa – Homoerotismo, psicanálise, sublimação.

O poeta e a identidade sexual


“Os textos explícitos de Fernando Pessoa revelam consciência plena de sua identidade sexual. Testemunham que ele não só tinha uma imagem dessa identidade como viveu conscientemente dentro dela e dela tirou proveito para sua grande produção literária. Embora a repressão a homossexuais fosse mais forte do que agora, ele tanto não fez segredo dessa identidade em seus escritos quanto a compartilhou em amizades respeitosas e cordiais como com Antônio Botto e sobretudo com Sá Carneiro. Mas sempre foi fiel ao seu propósito de vida: ‘Não permitir que essa tendência descesse ao corpo’.” 

Vida, obra e sublimação


“Não existe quem ele não toque com uma mensagem que calhe fundo. A universalidade de seu conhecimento da alma humana faculta-lhe miríades de ‘toques’ delicados em nosso espírito. A vida e a obra de Fernando Pessoa são de extrema coerência. Sua obra é testemunho de uma vida inteirinha entregue à sublimação de sua pulsão em verso e prosa para a elevação de Portugal e da humanidade. É um autor em que o conceito de sublimação, de Freud, encontra a mais alta explicitação. A vida de Pessoa é da mais alta grandeza moral. A ‘estética da renúncia’ fez dele o maior poeta da língua portuguesa.” 

A “escuta” e a literatura


“Faço uma leitura de Fernando Pessoa, ou melhor, uma ‘escuta’, um corte em sua múltipla obra, sem pretensão literária. Ora, o homoerotismo explicitado por ele me ensinou muita coisa, sobretudo que o amor homo é Outro Amor, cuja mensagem desaparece quando imita o amor heterossexual. Ambas, a literatura e a psicanálise, criam o novo e ‘a verdade é sempre o novo’, como diz Lacan. Não se pode ser analista e não se alimentar da literatura: ‘Não descobrimos nada de novo que a literatura não o disse’, afirmou Freud. Leio Pessoa, ‘escuto-o’ como escuto todo paciente. Suas palavras me são significantes cujos significados busco ao longo de sua obra. A psicanálise me permite escutá-lo no mundo de hoje; interrogo-me: como Fernando Pessoa deu conta de sua existência, como fez dela uma obra-prima para a humanidade? O homoerotismo está presente em toda sua obra, como em qualquer sujeito em tudo o que faz está presente sua identidade sexual. Seu homoerotismo lhe é fulcro de sua produção. Há poemas explícitos, como os sonetos do ‘Outro amor’: ‘Amem outros a graça feminina/ gozem sonhar seus lábios entre seus seios/ Outros e muitos... que meus cantos, dei-os/ À tua formosura peregrina/ Meu doce Apolo jovem’.”

As lições do Desassossego...

“O Livro do desassossego é o livro da angústia de Pessoa. Libera todos os seus estados de alma e seus sofrimentos, muitos e profundos. Sem esse livro – o conjunto de bilhetes que punha num baú –, ele não teria produzido sua obra. A libertação que a psicanálise produz na escuta de um paciente, a escrita de todos seus estados de alma, facultou-lhe a aquisição de sua subjetividade.”

O poeta e a depressão


“Fernando Pessoa me confirmou aquilo que descobri na minha clínica: a depressão é um benefício para o sujeito. Revela-lhe um momento fecundo: é preciso mudar de vida! Duas coisas: não se afastar do trabalho e ‘quebrar o encanto’ da depressão, como dizia ele, para a análise realizar o trabalho 
de libertação. Em momentos de extrema depressão, Pessoa soube tirar proveito dela para sua produção literária.”

FERNANDO PESSOA – HOMOEROTISMO, PSICANÁLISE, SUBLIMAÇÃO


De Durval Checchinato
Cia. de Freud, R$ 80

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