sábado, 8 de dezembro de 2012

Ciência - Habilidade diante do predador - Pedro Cerqueira‏

Bióloga mineira mostra que macacos guigós têm comunicação bastante elaborada. Dependendo de onde está a ameaça - em terra ou no ar -, eles emitem sons totalmente diferentes 

Pedro Cerqueira
Estado de Minas: 08/12/2012 
Durante quatro anos, de 2007 a 2011, a bióloga Cristiane Cäsar estudou a comunicação entre grupos de macacos guigós (Callicedus nigrifrons), concluindo que a espécie tem habilidade da comunicação referencial bastante elaborada. Trata-se da primeira pesquisa do gênero realizada com a espécie. De acordo com a pesquisadora, atualmente pós-doutoranda na PUC Minas, em Belo Horizonte, a comunicação referencial é a capacidade de o animal produzir uma vocalização específica como uma resposta para determinadas situações e os outros indivíduos da mesma espécie entenderem essas vocalizações. No caso desse estudo, foi identificada a vocalização emitida pelos guigós quando em contato com diferentes predadores.
O estudo indica que esse macaco produz uma vocalização específica para alertar seu grupo quanto à ameaça de um predador aéreo (como uma águia) e uma outra vocalização caso o predador seja terrestre. “Além de avaliar a capacidade cognitiva do animal, esses resultados mostram que alguns aspectos da linguagem humana – como, por exemplo, a produção e percepção vocal – ocorrem em outro espécime e podem aumentar o entendimento sobre a evolução da nossa linguagem”, avalia Cristiane, que realizou a pesquisa para conclusão de seu doutorado pela Universidade de Saint Andrews, na Escócia.
A primeira parte do estudo foi a livre observação e coleta de dados dos animais e suas respostas naturais aos estímulos de sua rotina. A segunda parte foram os experimentos. A bióloga levou a campo vários predadores naturais dos guigós (gavião, onça, gato-do-mato etc.) empalhados a fim de testar sua reação. A pesquisadora deixava o animal empalhado numa rota em que possivelmente os macacos passariam e ficava dentro de uma tenda camuflada com microfone e gravador a postos.
Depois da coleta das vocalizações em campo, sua análise foi feita em um laboratório de bioacústica em Saint Andrews. Um software foi usado para obter gráficos (espectrogramas) de cada vocalização, o que tornou possível aferir as diferenças e semelhanças dos sons captados.
Cristiane explica que, para uma pesquisa científica, não basta confiar no ouvido humano. A partir disso foi identificada uma estrutura padrão entre as vocalizações de todos os grupos. Assim, foi obtido um gráfico padrão a partir da resposta aos predadores aéreos e outro gráfico padrão para a reação aos predadores terrestres.

FILMAGEM Apesar de os gráficos obtidos entre os diferentes grupos serem semelhantes, eles não são idênticos, revelando que existe um tipo de sotaque (ou individualidade) entre esses grupos. E, para confirmar se as vocalizações captadas são “entendidas” pelos indivíduos de todos os grupos, a bióloga reproduziu as vocalizações gravadas para seu próprio grupo e também os outros grupos, filmando as respostas. O resultado obtido foi que um grupo reage de forma adaptativa à vocalização do outro. Além disso, um grupo reage mais rapidamente à gravação de sua própria vocalização, sugerindo que existe uma maior identificação e confiança ao alerta do próprio grupo.

Códigos usados são bastante específicos 
Quando reproduziam a vocalização alertando a presença do gavião, os indivíduos olhavam imediatamente para cima e os que estavam nas partes mais altas das árvores desciam logo. Já a vocalização referente a predadores terrestres fazia com que os indivíduos olhassem em direção à caixa de som, procurando pelo predador.
Na presença de um predador terrestre, enquanto um indivíduo vocaliza os outros integrantes do grupo se agrupam. Dependendo do predador eles arqueiam o corpo, ficam com o pelo eriçado (para parecer maiores) e balançam a cauda para intimidar o predador. Para não se mostrar para o predador, os macacos guigós começam os alarmes com vocalizações mais baixas e curtas, já que o objetivo é alertar o grupo. No final, as vocalizações são mais altas, longas é graves, mais direcionadas para o predador.
Foram detectadas variações dentro das vocalizações destinadas ao alerta de predadores terrestres em função de qual era o espécime escolhido pela pesquisadora (cobra ou onça, por exemplo). A hipótese levantada pela bióloga Cristiane Cäsar é que existe a possibilidade de os guigós terem a capacidade de diferenciar por vocalização, além de identificar simplesmente se o predador é aéreo ou terrestre, qual é o predador terrestre que está ameaçando o grupo. Mas ainda não foi testado se os grupos entendem essas variações e esse é um projeto para o futuro.
O ESTUDO 
A pesquisa de campo foi realizada no Santuário do Caraça, a 120 quilômetros de Belo Horizonte. A região foi escolhida porque ali a bióloga já havia realizado em 2003 outra pesquisa com a mesma espécie em uma área de 50 hectares onde quatro grupos de guigós já estavam habituados à presença humana. Para este novo estudo, outra nova área, próxima a uma cascata, foi agregada, com o acréscimo de mais dois grupos da espécie. Os grupos familiares de guigós encontrados dentro desses fragmentos de florestas têm de dois a seis indivíduos, sendo um casal e os filhos.
 
A cientista explica que o método da habituação consiste em conviver com os animais para que eles se acostumem e não associem o homem a um predador, tornando possível observá-los em seu hábitat. Ela conta que o método foi escolhido para não ter que capturar os animais e observá-los em cativeiro e nem ter que segui-los a partir do sinal de um radiocolar, ou seja, o objetivo era interferir o mínimo possível no comportamento dos animais. 
 
O tempo de habituação pode variar de um mês a um ano, dependendo do tempo corrido em que o pesquisador fica em campo e das experiências que os animais já tiveram com pessoas. A bióloga conta que os grupos que vivem em áreas com ocorrência de caça são muito mais difíceis de habituar, já que tiveram péssimas experiências com pessoas. Já os grupos que vivem próximos a trilhas (utilizadas para passeio, por exemplo) tendem a levar menos tempo para acostumar com a presença do pesquisador, mas, mesmo assim, na mata fechada, eles os estranham.

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