sábado, 8 de dezembro de 2012

O farol (Mário de Andrade) - Ângela Faria‏

Estado de Minas - 08/12/2012

Cultuado entre intelectuais e acadêmicos, Mário de Andrade (1893-1945) ainda está longe de seu povo. Poeta, romancista, contista, cronista, fotógrafo, colecionador, pianista, professor, ensaísta e – sobretudo – pensador, esse paulistano transcende seus breves 51 anos de vida. Nunca é demais lembrar: todo prosa de sua performance no mundo globalizado, o Brasil do século 21 deve a Mário boa parte de sua autoestima.

Escrito pelo cientista social André Botelho, o oportuno De olho em Mário de Andrade – Uma descoberta intelectual e sentimental do Brasil, lançado pelo selo Claro Enigma, “apresenta” o autor do clássico Macunaíma ao cidadão pouco afeito ao universo acadêmico.

Ainda não foi desta vez que Mário ganhou sua merecidíssima (e aguardada) “alentada biografia” – como aquelas dedicadas a Nelson Rodrigues e a Carmen Miranda por Ruy Castro, ou a Olga Benário e Assis Chateaubriand por Fernando Morais. Mas o pequeno livro de André Botelho cumpre com louvor a missão de introduzir o leigo no multifacetado universo de Mário, um dos “pais” da brasilidade.

De olho em... funciona quase como guia informativo: fácil de ler, oferece um voo panorâmico sobre a trajetória do farol que iluminou tanto a Semana de Arte Moderna de 1922 quanto as mais recentes experimentações de Caetano, Gil e Chico Science. Traz indicações de leituras e questões úteis para o trabalho dos professores.

Graças a Mário, aprendemos a nos orgulhar do barroco das cidades históricas mineiras e a proteger o patrimônio histórico nacional. Ele nos instiga a valorizar o nosso DNA, sem aquela inveja quase atávica do chamado Primeiro Mundo. Quase sete décadas depois de sua morte, ainda ouvimos o provocador Mário: “Orgulhe-se de sua língua falada”; “valorize as lições do povo”, “pare de macaquear a Europa”. 

Turista aprendiz, o autor de Macunaíma mergulhou com gosto na cultura popular, seja ela vinda do Nordeste, do Norte, do sertão, dos índios ou dos caipiras. Fez isso na marra, enquanto elites e intelectuais davam as costas ao país, mirando-se na Europa. O homem nos ensinou a não ter vergonha do Brasil brasileiro. Vacinado contra a xenofobia, sabia “compartilhar” com o mundo já na primeira metade do século 20 – época de Picasso, Dalí, Stravinsky, Lévi-Strauss e tantos outros. 

“Brasilidade não é sinônimo de nacionalismo ingênuo e tampouco de patriotismo. As tensões e ambiguidades de Mário de Andrade e sua relação com o Brasil são constitutivas de seu pensamento e de sua ação, como muitas delas são constitutivas do próprio Brasil”, escreve André Botelho. Ele mostra como o líder modernista e sua geração – Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Hollanda, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Rodrigo de Mello Franco, Villa-Lobos, Portinari e Gilberto Freyre, entre tantos outros – redescobriram o próprio país para reinventá-lo à luz do século 20.

No livro da coleção Claro Enigma, o leitor toma contato tanto com ideias caras a Mário quanto com a trajetória do intelectual paulistano: a família; os estudos; as viagens reveladoras (destaca-se a “expedição” a Minas Gerais, em 1924); a militância modernista; os embates, as vitórias e frustrações no serviço público; o frutífero diálogo epistolar com companheiros e jovens admiradores.

Para André Botelho, os modernistas, sobretudo Mário, cumpriram a missão de “desgeograficar” o nosso país, amalgamando não apenas as regiões, “como também o espaço social em sua complexidade, aproximando as gentes, as práticas culturais, a língua escrita das faladas, o erudito do popular”.

Mário de Andrade se propôs a dar uma alma ao Brasil. Noventa anos depois da Semana de 1922, ele ainda serve de farol à sua gente.

DE OLHO EM MÁRIO DE ANDRADE
. Uma descoberta intelectual e sentimental do Brasil
. De André Botelho
. Claro Enigma, 141 páginas, R$ 26,50 

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