sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Maioria dos novos médicos é inapta, mas poderá atuar

folha de são paulo
Exame reprova 54% dos futuros médicos de SP
Obrigatória pela 1ª vez, prova do Cremesp avaliou alunos que se formam neste ano
Em saúde mental e pediatria, média de acerto não atingiu 56%; para o conselho, índice é 'muito preocupante'
JAIRO MARQUESDE SÃO PAULOMais da metade dos quase 2.500 estudantes de medicina que se formam neste ano no Estado de São Paulo não possui condições mínimas para atender a população.
A avaliação é do conselho paulista de médicos, que reprovou 54,5% dos alunos no exame da entidade deste ano, o primeiro obrigatório para tirar o registro profissional.
Não ser aprovado no exame não é impeditivo para o exercício da profissão.
A prova teve a maior participação desde 2005, quando passou a ser aplicada. Em 2011, quando não era obrigatória, 418 alunos a fizeram.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) considera reprovado quem acerta menos de 60% da prova, de 120 questões. "Esses profissionais terão grandes problemas ao atender a população", afirma Renato Azevedo Júnior, presidente do Cremesp.
Apesar da ameaça de boicote por recém-formados, apenas 119 provas foram desconsideradas no resultado final porque estão sob análise. Dessas, 86 foram classificadas como protesto, pois nelas foi marcada somente a alternativa "B" das questões.
Não haverá a divulgação de ranking de universidades com os melhores resultados, mas as instituições e o Ministério da Educação vão ter acesso aos resultados.
As notas individuais também não serão de acesso público -só quem fez o exame vai conhecer sua nota.
As restrições à divulgação dos resultados, segundo o conselho, fazem parte do acordo com as 28 instituições de ensino paulistas. Para o Cremesp, não cabe a ele avaliar faculdades, mas contribuir para a formação dos alunos.
Egressos de escolas públicas tiveram acertos superiores aos de escolas privadas. Apesar de não divulgar o percentual, o conselho informou que a maioria dos aprovados é de sete escolas públicas.
Marina Helena Teixeira, 24, formou-se agora pela Faculdade de Medicina de Itajubá (MG) e fez a prova do Cremesp, pois pretende tirar o seu registro em São Paulo.
"Serve para saber se você está preparado para fazer prova e não para dizer se fez um bom curso. As questões eram sobre detalhes. É mais para quem fez cursinho para residência, mais 'decoreba'."
Em cinco das nove áreas, como saúde mental e pediatria, a média de acertos ficou abaixo de 56%, o que foi considerado "muito preocupante".
O Cremesp atribui parte da qualidade ruim dos estudantes ao grande número de escolas de medicina e defende uma lei que controle a abertura de mais instituições.

    OPINIÃO PROVA DO CREMESP
    O que surpreende é a omissão do poder público sobre o tema
    O que intriga é não haver mobilização do governo para melhorar esse cenário
    CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULO
    Há algo de muito errado em um país quando mais da metade dos alunos que estão concluindo o curso de medicina, no Estado mais rico e populoso da nação, não tem domínio de áreas básicas para exercer a profissão.
    Não que os resultados divulgados ontem pelo Cremesp sejam surpreendentes. Desde que a prova foi criada, há sete anos, os índices de reprovação estiveram entre 32% (2005) e 61% (2008).
    Agora, porém, o impacto é maior porque todos os formandos foram avaliados.
    Ainda que se pesem as críticas em relação à metodologia do exame, intriga o fato de não haver nenhuma mobilização dos ministérios da Saúde e da Educação para melhorar esse cenário.
    Aferir a competência técnica dos futuros médicos antes de soltá-los no mercado deveria ser uma questão de Estado, de interesse público.
    Isso se torna evidente quando os resultados do "provão" revelam que as áreas de maior reprovação são as de saúde mental (41% de acertos) e pública (46%).
    Em um país em que 90% da população é usuária de alguma forma do SUS, o Estado deveria tomar para si a responsabilidade de um modelo de avaliação que conferisse a qualificação ao médico antes que ele chegasse ao mercado, a exemplo do que fazem os EUA e o Canadá.
    A Inglaterra deu um passo além. Neste mês, o governo britânico instituiu um sistema que obrigará todos os médicos já formados a passarem por avaliações periódicas.
    Os testes serão feitos por entidades médicas, mas tudo supervisionado pelo Ministério da Saúde britânico.
    Os médicos terão de comprovar (por meio de cursos, por exemplo) que estão aptos para continuar na profissão. A palavra do paciente também contará pontos.
    Levando em conta que o SUS foi inspirado no modelo britânico, é uma boa hora para o governo brasileiro aprender algumas lições de como oferecer uma saúde de melhor qualidade à população.

    A FAVOR
    Resultado nos deixa temerosos, afirma professor
    DE SÃO PAULOCoordenador do exame do Cremesp, o médico Bráulio Luna Filho, que também é professor na Unifesp, defende a prova e diz que o resultado retrata a qualidade do profissional que vai para o mercado de trabalho, principalmente para a periferia.
    -
    Folha - Pode-se dizer que o resultado foi muito ruim?
    Bráulio Luna Filho - Sim. Uma prova de avaliação ao final do curso de medicina no Canadá, nos EUA, tem, em média, 95% de aprovação. Imaginei que nosso resultado seria de 70% e foi de 44,5%. Isso nos deixa temerosos sobre o exercício profissional futuro desses colegas.
    Como o cidadão pode se defender de um médico mal qualificado?
    Infelizmente, a população não tem como saber se o indivíduo foi bem treinado. O problema é maior nas camadas mais pobres, porque o médico recém-formado vai atender nas unidades mais periféricas.
    O boicote dos alunos não foi legítimo?
    O conselho se ressente quando alunos formados em universidades de ponta, principalmente, protestam. O cidadão teve o ensino pago pelo contribuinte, teve boas condições de aprendizado e ainda é contra uma avaliação?

      CONTRA
      Prova deveria ser teórica e prática, diz formando
      DE SÃO PAULOJosué Augusto do Amaral Rocha, da Unicamp, um dos líderes do movimento que defendia o boicote à prova do Cremesp, diz que a avaliação deveria ser teórica e prática.
      -
      Folha - O resultado ruim é reflexo da prova ou do ensino de medicina?
      Josué Augusto do Amaral Rocha - Quando se fala da prova, é preciso falar da qualidade dela. Para ser adequada, não poderia ser só teórica. Tinha de ter uma parte prática. É preciso fazer uma avaliação global dos estudantes, ao longo de todos os anos do curso e não apenas no final. A avaliação precisa envolver a infraestrutura da escola, o corpo docente e o aprendizado do estudante. Prova de múltipla escolha, como faz o Cremesp, qualquer cursinho ajuda a passar.
      A adesão ao boicote não ficou abaixo do esperado?
      O movimento lançou a discussão sobre o ensino médico no Brasil.
      Quem mais aderiu não vem de boas escolas e tem mais chances de emprego?
      Isso mostra a mobilização das escolas públicas. Vou trabalhar na periferia de Campinas. O movimento é para discutir a qualidade de saúde pública e nosso interesse é total na população.

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