terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Mais perto dos pais e longe da obesidade - Marcela Ulhoa‏

Estudo indica que crianças que passam tempo maior com a família têm menor chance de ficarem acima do peso nos 10 primeiros anos de vida. Refeições escolares merecem atenção 
 

Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 04/12/2012


A importância do acompanhamento direto da mãe e do pai nos primeiros anos de vida de uma criança é inquestionável. São inúmeros os benefícios do cuidado atento e carinhoso, que perpassa o bem-estar físico e psicológico, incluindo a relação com a balança. Um estudo realizado na Universidade de Montreal, no Canadá, debruçou-se por 10 anos sobre a relação entre o tipo de cuidado que uma criança recebe e a prevalência de obesidade na infância, e encontrou um resultado diferente da expectativa inicial. Meninos e meninas que frequentam creche regularmente são 50% mais propensos ao excesso de peso do que aqueles que passam o dia em casa com os pais. O estudo foi publicado na revista Journal of Pediatrics.

Os autores da pesquisa ainda não sabem explicar bem as causas de tal diferença, mas o fato é que, das mais de 2 mil crianças analisadas, as que passavam mais horas por semana com os pais mostraram uma menor tendência à obesidade até os 10 anos de idade do que as inscritas em creches, criadas por babás e até mesmo parentes. E mais do que isso: para cada aumento de cinco horas gastas em qualquer centro infantil ou sob o cuidado de terceiros, os autores descobriram que há um aumento em 9% nas chances de sobrepeso na primeira década de vida. Alimentação, exercício físico e aspectos psicológicos e afetivos podem ser explicações válidas para a diferença, mas, como tais fatores ainda não foram incorporados ao estudo, não há como assegurar a relação de causa e efeito. 
 
Em entrevista ao Estado de Minas, a médica canadense Marie-Claude Geoffroy, autora principal do estudo, explica que, para chegar ao resultado, sua equipe acompanhou por 10 anos 1.649 famílias de todos os estratos sociais e com filhos nascidos entre 1997 e 1998, em Quebec. A metodologia da pesquisa envolveu um questionário enviado às mães com perguntas relativas ao tipo de cuidado oferecido aos filhos quando eles tinham 1 ano e meio, 2 anos e meio, 3 anos e meio e 4 anos. “As mulheres tinham então de dizer quantas horas por semana seus filhos passavam em creches ou sob o cuidado de outras pessoas, se elas fumaram durante a gravidez, se trabalharam ou tiveram depressão, qual era o peso do filho no nascimento, entre outros tópicos”, detalha. 
 
As crianças foram classificadas em cinco grupos de acordo com o tipo de atendimento predominante na semana. O primeiro grupo foi formado por aqueles que passaram mais tempo em creches, situação de 30% das crianças analisadas. O segundo por quem recebeu os cuidados de algum parente, como avós e tios, o que totalizou 11%. No terceiro, ficaram as crianças que iam para as chamadas creches familiares – locais que não era nem a casa delas nem uma instituição regularizada (35%). 
 
O quarto grupo, por sua vez, englobou aqueles que ficavam em seu lar, mas sob os cuidados de alguém fora da família, como uma babá (5%). As crianças que passaram mais tempo sob o cuidado de seus pais formaram o quinto grupo (19%). Durante seis anos, os pesquisadores mediram o peso e a altura dos garotos e das garotas.

 Novos hábitos Para Marie-Claude, o resultado de uma prevalência de obesidade 50% maior em crianças de até 10 anos criadas em centros infantis foi uma surpresa. “Em um estudo de caso anterior a esse que realizei em Quebec, observei que crianças de famílias de baixa renda que frequentavam creches chegavam mais preparadas à escola e obtinham resultados melhores na escrita e na leitura do que aquelas que ficavam em casa com os pais”. Ela revela que esperava encontrar a mesma associação positiva entre a creche e o sobrepeso. Isso porque, para ela, a instituição tem o potencial para reduzir problemas de obesidade em crianças possivelmente por meio da promoção do exercício físico e da alimentação saudável. 
 
Por mais que a preocupação com uma dieta balanceada tenha crescido nos últimos anos, a pediatra Silvana Fahel, do Laboratório Sabin, revela que, no atendimento ambulatorial, ela observa com frequência que os cardápios das escolas têm refeições muito ricas em carboidratos. “Também verificamos que alguns cuidadores são mais permissivos e deixam a criança comer muito lanche e guloseima. Talvez para substituir a ausência dos pais ou porque não têm paciência, terminam cedendo à solicitação da criança em comer besteira todo o tempo e não insistem com as refeições regulares, como o almoço e o jantar”, avalia. 
 
Com a mulher inserida cada vez mais no mercado de trabalho, a estrutura familiar em que a mãe fica em casa cuidando dos filhos mudou radicalmente na maior parte do mundo e, principalmente, nos centros urbanos. Com isso, muitas crianças começaram a passar grande parte do dia em creches ou na companhia de cuidadores. Entretanto, mesmo longe fisicamente, muitos pais e mães conseguem estar presentes no dia a dia dos filhos. É o caso da professora Polyanna Macoski Leite. Aos 30 anos e mãe de duas meninas, Ágata Leite Saraiva, de 5 anos, e Iris Leite Saraiva, de 3, ela faz questão de levantar todos os dias cedo, arrumar o café da manhã das pequenas e pensar com cuidado no lanche da tarde que levarão para a creche, onde passam todo o dia. 
 
“Eu sempre coloco fruta, iogurte ou pão com geleia caseira. Vou variando e, a cada 15 dias, ponho uma ‘porcaria’ na sexta-feira. Não dá para ser a ferro e fogo porque elas são crianças, é normal que queiram um chocolate de vez em quando. Mas não deixo virar hábito”, explica Polyanna. Segundo ela, a preocupação em manter uma dieta saudável é compartilhada com o marido, já que os dois têm tendência para engordar e há casos de diabetes e infarto na família. “Sabemos que alimentação saudável e prática de exercício evitam (esses problemas) e, por isso, procuramos dar o exemplo em casa. Não tomamos refrigerante e comemos bastante fruta e legumes para passar para as duas que isso também é gostoso.” 

Detalhes Apesar dos resultados mostrados pela pesquisa canadense, a professora da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB) Marilucia Picanço pondera não ser correto, a partir daí, dizer que quem coloca a criança em creche vai ter maior chance de ter um filho com sobrepeso. 
 
“O que eles mostram é que os cuidados dos pais é o fator mais importante de proteção, mas ainda precisamos aprofundar a análise para ver o que está por trás desse resultado. Podemos imaginar que é a alimentação, o exercício físico, mas também que o afastamento da família pode levar a criança a ser mais ansiosa.” 
 
Segundo a especialista, só a partir de um estudo mais aprofundado pode-se ter certeza dos fatores envolvidos. Entretanto, por experiência própria, a médica diz acreditar que a criança que passa a maior parte do dia longe dos pais tende a ser mais ansiosa. “Minha filha foi criada em creche e, quando ela era pequena, só de ouvir o barulho do meu sapato chegando à sala para buscá-la, ela pulava da cadeira. Acho que gera um tipo de sofrimento para a criança, aquele é um ambiente estranho para ela”, argumenta. 
 
Sobre os próximos passos da pesquisa, Marie-Claude Geoffroy afirma que olhará para alguns fatores que podem explicar a associação do sobrepeso em crianças de creche, mas ela manda uma mensagem de conforto para pais e mães. “Ainda não sabemos por que isso ocorre, não quer dizer que a creche engorde. Só precisamos ter na cabeça que os pais têm que ter certeza que seus filhos comem bem em casa, mas também nas creches. E que estão fazendo atividade física em todos os contextos.”

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