terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sancionada por Obama, a Lei de Defesa do Casamento é alvo de críticas nos EUA‏

The New York Times
Frank Bruni

  • Pichi Chuang/Reuters
Que ano você teve, o tipo que realmente lustra uma lenda. Na Convenção Nacional Democrata, na campanha presidencial, nos muitos discursos e durante as abundantes entrevistas, você falou de modo eloquente sobre o que os Estados Unidos deveriam valorizar, assim como falou de modo inequívoco sobre a direção que deveria seguir. Tanta riqueza de convicções, tamanha fartura de palavras, exceto por duas que deveriam ter sido ditas há muito tempo: me desculpem.

Qual é sua desculpa para ter sancionado a Lei de Defesa do Casamento?

E por que, em meio a todas as batalhas da qual participou, e com toda a energia que conseguiu reunir, você não fez uma defesa mais vigorosa do casamento de mesmo sexo, especialmente diante de sua história nessa questão?

Você se preocupa com seu legado, como qualquer presidente faria. Por fazer vista grossa ao massacre em Ruanda, você apresentou uma espécie de mea culpa, e depois que Barack Obama pareceu tecer maiores elogios a Ronald Reagan do que a você, você se irritou.

Bem, a Lei de Defesa do Casamento, que diz que o governo federal reconhece apenas o casamento entre um homem e uma mulher, é uma das manchas mais feias em seu histórico, um ato incontestado de discriminação que transformou em lei o tratamento desigual a gays e lésbicas e, ao fazê-lo, validou o ponto de vista dos americanos que os veem como pessoas com menos direitos. Se nossos relacionamentos mais sinceros e comprometidos não correspondem, então nós também não. Se a forma como amamos é suspeita, então nós também somos. Não há dois modos de interpretar. Não há outra conclusão a ser tirada.

Em 1996, com uma preocupação exagerada com sua reeleição e o desejo de não ser visto como liberal demais, você colocou seu nome em um decreto execrável. E nunca assumiu plenamente isso e nem fez as correções adequadas. Já passou da hora, e é quase hora de Hillary, que está prestes a deixar o cargo de secretária de Estado, se reunir com outros membros do Gabinete e com Obama para dar seu apoio explícito ao casamento de mesmo sexo, o que ela nunca fez.

O papel dela como principal diplomata do país a desencoraja a se meter em assuntos políticos domésticos: essa é a tradição e a etiqueta. Mas a restrição em breve será retirada e eu argumentaria que ela é irrelevante; a igualdade no casamento é um assunto de direitos humanos, não de política; e ela é poderosa e amada o bastante para dizer o que quiser, pelo menos assim que deixar seu posto.

De qualquer modo ela, assim como você, se manteve de lado durante este capítulo vital da marcha de nosso país rumo a uma maior justiça social. Que vergonha, dado que nenhum outro casal foi maior dentro do Partido Democrata no último quarto de século e dado o orgulho merecido do partido em seu apoio ao casamento de mesmo sexo. Vocês dois deveriam ser uma parte mais integral desse orgulho. Vocês deveriam ser o próprio epicentro disso. É estranho e triste que não sejam.

A Lei de Defesa do Casamento é suja, em termos práticos e simbólicos. Ela nega pensão federal, atendimento de saúde e benefícios de licença médica –entre muitas outras proteções e considerações– aos casais de mesmo sexo que estão legalmente casados no crescente número de Estados que o permitem. Aos olhos da Receita Federal, esses casais são solteiros e quando um morre, o outro tem que pagar imposto sobre imóvel, por exemplo, algo que viúvos e viúvas heterossexuais não precisam.

O tratamento desigual está de modo acertado sendo contestado legalmente, e muitos tribunais federais decidiram que ele viola a cláusula de proteção igual da Constituição. A Suprema Corte pesou no final da semana passada quais desses casos pegaria, se é que o faria. Um anúncio deve ser esperado para breve. Com sorte, o mais alto tribunal do país derrubará a Lei de Defesa do Casamento, uma decisão que não criaria igualdade de casamento de costa a costa, mas mudaria o tom do debate nos Estados que estão considerando a legalização do casamento de mesmo sexo. Após sua sanção da Lei de Defesa do Casamento –que a grande maioria dos democratas no Congresso também apoiou, é preciso ser dito– sua postura defensiva frequentemente impede qualquer sugestão de arrependimento. Em 2008, você alegou que significa reescrever a história “deixar implícito que isso é de algum modo antigay”. Você evitou o assunto em seu livro de memórias de 2004, “Minha Vida”, cujas 957 páginas não incluíram qualquer menção à Lei de Defesa do Casamento, como Frank Rich notou na revista “New York” em fevereiro.

Em 2009, você finalmente disse que a Lei de Defesa do Casamento deveria ser eliminada e que apoiava o casamento de mesmo sexo, saindo à frente de muitos democratas que ainda tinham eleições com as quais se preocuparem e que ainda não viam, nas pesquisas, tanto apoio ao casamento de mesmo sexo quanto queriam ver. Mas seus comentários de lá para cá foram esparsos e sucintos: não mais do que uma declaração por escrito a favor do projeto de lei de 2011 legalizando o casamento de mesmo sexo em Nova York, seu lar desde que deixou a Casa Branca, e a mensagem de telefone gravada pedindo à população da Carolina do Norte para não aceitar a inclusão da proibição ao casamento de mesmo sexo na Constituição estadual, que acabaram aceitando.

Na convenção em Charlotte há três meses, em comentários que duraram 48 minutos, você pareceu encontrar espaço para falar sobre tudo, exceto o casamento de mesmo sexo. Obama mencionou a questão em seu discurso. Assim como Michelle Obama no dela. Mas nada de sua parte, e nenhuma defesa em particular ou evento para arrecadação de fundos para os referendos de igualdade de casamento que foram votados em 6 de novembro e eram considerados cruciais para a causa. Você representou um contraste pouco claro, indireto, para a próxima geração de porta-bandeiras democratas, como Andrew Cuomo, o governador de Nova York, e Martin O’Malley, o governador de Maryland, cujos apelos pela igualdade no casamento ressaltam uma nova realidade: nenhum democrata, nem mesmo Hillary, conseguirá uma candidatura crível à indicação presidencial do partido sem apoiá-la.

Não se deve esperar que um líder saia em defesa de toda questão importante. Ele ou ela tem que escolher. Mas sua escassez de palavras sobre o casamento de mesmo sexo neste ano é digna de nota no contexto de quanto você disse sobre muitos outros assuntos, sobre quão onipresente você esteve: capa da “Time”, capa da “Esquire”, “CNBC”, “Golf Channel”.

Também é digno de nota porque você cometeu um erro que precisa ser consertado. Eu digo isso mais com pesar do que com revolta, e com gratidão por todas as coisas que realizou durante sua presidência, que foi bem-sucedida. Você tem um gosto por política que o atual presidente não tem, poderes enormes de persuasão e um instinto para o centro. Talvez a Lei de Defesa do Casamento fosse o centro em 1996. Não é mais.

Sob o comando de Hillary, o Departamento de Estado foi mais progressista em seu tratamento aos funcionários GLS do que antes, um desenvolvimento em sincronia com sua proclamação em Genebra, no final do ano passado, que “direitos dos gays são direitos humanos” e que esses direitos são uma prioridade na diplomacia americana. Ela se dirigiu a muitos desses funcionários na quarta-feira, em um evento marcando o 20º aniversário de uma organização chamada Gays e Lésbicas nas Agências de Relações Exteriores, e ela implorou à sua plateia que “saiam dessa celebração pensando no que mais cada um de vocês pode fazer” para promover um tratamento melhor e mais justo dos gays.

Bem, ela pode fazer mais. Assim como você, presidente Clinton.

Eu fui descuidado no início. O que eu e muitos outros mais queremos de você não é exatamente um pedido de desculpas. É uma participação plena –e, melhor ainda, liderança– em um movimento que segue inexoravelmente na direção certa, com ou sem você.
Tradutor: George El Khouri Andolfato      

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