sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A causa secreta

FOLHA DE SÃO PAULO

"O Mestre", novo filme do diretor de "Sangue Negro", estuda a origem de um culto nos moldes da cientologia
RODRIGO SALEMDE SÃO PAULOAos 30 anos, Paul Thomas Anderson já carregava um Urso de Ouro do Festival de Berlim por "Magnólia" (1998) e duas indicações ao Oscar -pelo mesmo filme e por "Boogie Nights" (1999).
Com "Sangue Negro" (2007), parábola sombria sobre obsessão e capitalismo indicada a oito Oscar, foi chamado de "o maior cineasta americano de sua geração".
Ou seja: Paul Thomas Anderson, 42, não teria mais nada a provar desde então.
Mas ao rodar "O Mestre", que estreia hoje, o cineasta decidiu entrar no terreno pantanoso da cientologia, doutrina religiosa que tem seu núcleo de marketing fincado em Hollywood.
No último Festival de Veneza, quando foi lançado mundialmente, a sessão para a imprensa não tinha uma cadeira livre. A expectativa era de que o diretor, obcecado por detalhes e subtextos, destrinchasse a religião que tem Tom Cruise como seu maior garoto-propaganda.
"Não sou burro, mas fui inocente ao achar que a curiosidade [sobre a cientologia] seria menor", confessou Anderson à Folha, dias antes de ganhar o Leão de Prata de direção no festival.
"Era frustrante ouvir as pessoas falando sobre o longa antes de vê-lo. Precisei me desligar porque o roteiro não é sobre cientologia. A última coisa que eu queria era fazer um filme provocador."
"O Mestre" decepcionará quem espera uma radiografia da misteriosa doutrina que tem uma crença baseada em alienígenas e é contra a utilização de remédios para tratar de doenças mentais.
A trama sobre a origem de uma seita chamada "A Causa", na década de 1950, tem, no entanto, similaridades com as raízes da religião. A começar por seu "guru", o físico e filósofo Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), inspirado no criador da cientologia, o escritor de ficção científica L. Ron Hubbard (1911-1986).
"Hubbard é um grande personagem. Não queria especular sobre ele, e sim ultrapassar as histórias sobre sua vida para alcançar o núcleo do homem", diz Anderson.
No contraponto do líder frio que promete resolver traumas com uma espécie de regressão hipnótica, há Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um explosivo ex-soldado americano que volta para casa após o fim da Segunda Guerra Mundial e mergulha em álcool e sexo.
"Militares gostam de ter comando e, quando retornam das missões, procuram uma direção. Só que não há ninguém apontando o caminho", explica o cineasta.
Quell, quando vira devoto da Causa, representa o lado mais intimidador da seita, perseguindo críticos e ameaçando quem se coloca entre Dodd e o avanço da doutrina.
Desde os anos 1960, a cientologia é acusada de impor seus métodos e hoje há vários sites e livros escritos por seus ex-membros que revelam ações brutais de controle, além da perseguição de detratores da religião.
O teor do roteiro fez com que Tom Cruise, indicado ao Oscar de ator coadjuvante por "Magnólia", se indispusesse com o amigo diretor.
"Mostrei o filme para ele, mas o resto da história vai ficar apenas entre nós dois", desconversa o cineasta.
Lucia Winther, representante da cientologia no Brasil, diz que não há orientação de boicote do longa e afirma, mesmo sem ter visto o filme, que a representação de Hubbard "é uma fraude".
"Não baseei meu personagem em Hubbard. Todas as religiões são baseadas em maluquices", tergiversa Hoffman, indicado ao Oscar pelo papel, assim como Amy Adams, que faz a esposa de Dodd, e Phoenix.
"Perguntei para Philip qual seria o ator ideal para fazer Freddie", revela Anderson. "Ele me respondeu: 'Joaquin Phoenix. Ele é o único ator que me assusta'."

    Livro usa diretor oscarizado para revelar segredos
    DE SÃO PAULOO jornalista Lawrence Wright escreveu, há dois anos, uma reportagem para a revista "The New Yorker" sobre os segredos da cientologia, usando como fonte o diretor Paul Haggis, ganhador do Oscar por "Crash" (2004).
    Haggis era do alto escalão da igreja e largou tudo porque a cúpula da cientologia não apoiou a causa do casamento gay -ele tem duas filhas homossexuais.
    O texto era o pontapé do que viraria o livro "Going Clear: Scientology, Hollywood, and the Prison of Belief", lançado na semana passada nos EUA -a Cia. das Letras deve lançar a obra no Brasil em junho.
    Wright entrega histórias suculentas de astros (do casamento de Tom Cruise ao interesse de Jerry Seinfeld na religião) e se dedica a entender a atração exercida pela cientologia e por seu criador, L. Ron Hubbard.
    A igreja contesta trechos do livro no site lawrencewrightgoingclear.com. (RS)

      CRÍTICA DRAMA
      Fotografia e batalha de atuações são pontos altos do longa
      ANDRÉ BARCINSKICRÍTICO DA FOLHA"O Mestre", sexto longa de Paul Thomas Anderson, confirma o cineasta como o mais instigante e surpreendente de Hollywood hoje.
      O filme tem tema semelhante ao da obra-prima "Sangue Negro" (2007): a obsessão de uma personagem para tentar trazer sentido para sua vida em um mundo que não a entende.
      Em "O Mestre", são duas personagens: Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um veterano da Segunda Guerra paranoico e alcoólatra, que vaga de emprego em emprego, e Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder da seita "A Causa". Quell e Dodd se encontram num navio, onde Dodd reúne seguidores da doutrina.
      O filme é inspirado, em parte, na vida de L. Ron Hubbard, o fundador da cientologia, religião preferida de astros de Hollywood. Mas o filme não é uma "denúncia" da cientologia. Anderson parece mais interessado em explorar as causas do messianismo de Dodd e da fidelidade de Quell a seu novo "líder".
      "O Mestre" é rodado em 65 mm -formato de alta definição. As imagens são lindas, com cores marcantes e definição impressionante, na contramão das imagens digitais que vêm aproximando o cinema perigosamente da TV.
      A fotografia do filme, aliada à trilha de Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead), implora que "O Mestre" seja assistido numa tela grande e com som de qualidade.
      A exemplo do magnata do petróleo de Daniel Day-Lewis em "Sangue Negro", Anderson criou em Quell e Dodd personagens fascinantes. E a batalha de atuações de Phoenix e Hoffman é um dos pontos altos do cinema nos últimos anos.
      O MESTRE
      DIREÇÃO Paul Thomas Anderson
      PRODUÇÃO EUA, 2012
      ONDE Kinoplex Itaim e circuito
      CLASSIFICAÇÃO 14 anos
      AVALIAÇÃO ótimo

        "Meus personagens são eu", diz Phoenix
        Indicado ao Oscar de melhor ator por "O Mestre", americano afirma que é "tapado demais" para discussões filosóficas
        No filme que estreia hoje no Brasil, ele vive um homem paranoico que busca sua redenção em uma seita religiosa
        CATHERINE SHOARDDO “GUARDIAN”Joaquin Phoenix não é alguém que se imaginaria que se sentisse animado pela manhã. São 9h na Califórnia, a linha está ruim e o telefone do ator apresenta um defeito. Mesmo assim, este é um homem feliz, até em êxtase.
        "Pelo som, parece que você está no mar", digo eu, entre ruídos diversos. "Que legal! Ainda bem que não sou só eu!'' A impressão é a de que ele está realmente nas nuvens. Seria menos surpreendente se ele simplesmente grunhisse qualquer coisa.
        Para um entrevistador, Joaquin Phoenix é imprevisível. Será que ele vai resmungar? Vai contar piadas? Vai ser o Joaquin Phoenix de "I'm Still Here", o pseudodocumentário que supostamente o mostrou desistindo de ser ator em favor de uma carreira no hip-hop?
        Ou será o sujeito que fumou em silêncio durante toda a entrevista coletiva realizada sobre o filme "O Mestre" no Festival de Veneza, para depois participar de discussões acirradas e não comparecer à entrega dos prêmios?
        Phoenix -ao telefone, pelo menos- soa despreocupado. Não me parece que seja representação. Mas as melhores representações nunca parecem que o são.
        "Guardian" - "O Mestre" foi muito aclamado, mas também deixou as pessoas um pouco perplexas. Por que, em sua opinião, as pessoas estão tão ansiosas por respostas?
        Joaquin Phoenix - Você está falando a sério?
        Sim.
        Sei lá! Vou dizer alguma coisa que provavelmente vai ofender alguém.
        Até que ponto há algo de você em Freddie Quell, seu personagem em "O Mestre"?
        Não sei. É difícil. Mas é claro que há elementos meus em cada personagem que faço. Acho que os personagens são simplesmente eu, realmente.
        Sinto muito. Sinceramente, não reflito tanto assim sobre as coisas.
        Sobre o que você pensa?
        Hahahahaha! Não, não, não, não. Quem se importa com isso?
        Eu me importo.
        Muita gentileza de sua parte. Vamos tomar um chá algum dia e então poderemos conversar sobre isso.
        Você se sente como "Mestre", alguma vez?
        Não. Acho que às vezes me sinto como Papai Noel no shopping, quando as crianças querem tirar uma foto com ele.
        Crianças tentam fotografar você?
        Não, estou pensando na outra noite. Fui assistir a uma banda, e um sujeito me abordou dizendo "Posso fazer uma foto? Sou um fã de verdade". E eu falei: "Olha, cara, acabei de chegar. Não leve a mal, não quero simplesmente chegar aqui e fazer uma foto -eu ficaria sem jeito". E ele simplesmente me deu as costas e foi embora, furioso.
        Não pareceu que eu era alguém que ele venerava -era mais como se eu fosse uma rã de três cabeças que ele queria fotografar.
        Há uma fala no filme: "Você se desviou do caminho correto". Existe um caminho correto?
        Acho que "caminho correto" é subjetivo. Não acredito realmente em verdades absolutas.
        Não existe um só caminho correto. Mas, se existir e você descobrir qual é, me avise.
        Ok. Há alguma coisa que você queira dizer?
        Não há nada de especial que eu queira dizer, e, quando tenho, geralmente resolvo o problema telefonando para um de meus amigos.
        Sinto muito, sou tapado demais para ter algum tipo de discussão filosófica. Deveríamos discutir molho Tabasco ou alguma coisa assim.

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