sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Biografia retrata gênio político de Abraham Lincoln

FOLHA DE SÃO PAULO

Publicada em edição resumida no Brasil, obra de Doris Kearns Goodwin foi base de filme de Steven Spielberg
Segundo historiadora, humor e mania de contar histórias eram escudo de americano contra a melancolia
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA"Acabei de ler seu livro. Precisamos conversar", disse Barack Obama à historiadora Doris Kearns Goodwin. Era 2008, e ele ainda concorria à Presidência dos EUA quando a localizou ao celular.
Obama se referia a "Team of Rivals" (time de rivais), biografia de Abraham Lincoln que Goodwin publicara em 2005 e que, naquele ano de eleições, mais do que nunca, era febre no meio político.
A conversa, a primeira de muitas, restringiu-se naquele momento ao gênio político do homem que ocupara a Casa Branca de 1860 a 1865. Meses depois, eleito, Obama utilizaria truques que aprendeu no livro de Goodwin.
Assim como Lincoln, que montou seu gabinete com ex-rivais políticos -história esmiuçada por Goodwin ao longo das 944 páginas da obra-, Obama se aproximou de ex-concorrentes, como Joe Biden, que se tornou o vice-presidente, e Hillary Clinton, secretária de Estado.
Àquela altura os direitos da biografia já estavam comprados para o cinema por Steven Spielberg. O resultado, "Lincoln", estreia hoje em circuito nacional.
"Lincoln" é também o nome da edição resumida -autorizada por Goodwin, com o texto da versão em audiolivro-, de 322 páginas, que a editora Record lança hoje.
14 MIL
Para se diferenciar dos 14 mil títulos já escritos sobre Lincoln -a conta é da autora-, Goodwin pensou em partir da relação dele com a mulher, Mary, tal como fizera com Franklin e Eleanor Roosevelt em "No Ordinary Time", biografia que lhe rendeu o Pulitzer em 1995.
Mas percebeu que Lincoln era "mais casado" com os membros de seu gabinete. "Comecei a ler diários e cartas deles. Entendi que tinham sido seus rivais e encontrei a história que queria contar", disse Goodwin, 70, à Folha.
Spielberg e o roteirista Tony Kushner centraram a história na luta pela aprovação da 13ª Emenda, que acabou com a escravidão nos EUA -a passagem, que ocupa poucas páginas ao final da versão original da biografia, não aparece na edição brasileira.
Mas o filme aproveitou uma variedade de falas e situações descritas pela autora ao longo das quase mil páginas. "Quis mostrar o quanto o humor e mania de contar histórias eram centrais para Lincoln. Eu repetia a Kushner: 'Você tem de colocá-lo para contar histórias no filme'."
E Kushner o fez. A certa altura do longa, Lincoln (Daniel Day-Lewis) conta uma história do herói de guerra americano Ethan Allen, uma das anedotas preferidas de Lincoln, segundo a biografia.
Em viagem à Inglaterra, Allen viu à sua frente, na latrina, um quadro do ex-presidente dos EUA George Washington, colocado lá como provocação. Questionado pelos ingleses sobre a localização do quadro, disse achar apropriado. "Nada como um retrato de Washington para fazer os ingleses se cagarem todos."
Não tão pródiga em detalhes, a edição da Record, na boa tradução de Waldéa Barcellos, serve como complemento para quem viu o filme.
LINCOLN
AUTORA Doris Kearns Goodwin
TRADUÇÃO Waldéa Barcellos
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (322 págs.)

    CRÍTICA DRAMA
    Personagem de Spielberg diz para Obama fazer a coisa certa
    RICARDO CALILCRÍTICO DA FOLHAUma parcela considerável dos filmes recentes de Steven Spielberg pode ser interpretada como uma série de metáforas sobre a política americana. Seja nas obras históricas ou nas ficções futuristas, há quase sempre uma mensagem para o presente.
    Em "Lincoln", a tendência se aprofunda, a metáfora nunca foi tão direta. Estamos em janeiro de 1865, com um país destruído pela guerra civil, radicalmente dividido em torno da questão da escravatura e Abraham Lincoln reeleito para a presidência.
    Mas também estamos em janeiro de 2013, com o país abalado pela crise econômica, rachado politicamente e Barack Obama empossado para seu segundo mandato.
    De distinção mais relevante entre um tempo e outro, há uma inversão de papéis partidários: no passado, os republicanos carregavam a bandeira progressista, a favor da abolição; e os democratas eram, grosso modo, o Tea Party do momento.
    Nesse cenário, Lincoln (Daniel Day-Lewis) surge como o único homem capaz de liderar o país para abolir a escravidão e acabar com a guerra. É um recado claro ao presente, mas um recado sóbrio: o cinema de Spielberg nunca foi tão falado e tão pouco espetacular; tão clássico e, em certos momentos, tão solene.
    O melhor do cineasta seguem sendo suas peças de "divertissement" ("Tubarão", o primeiro "Indiana Jones"). Mas "Lincoln" junta-se ao núcleo de seus filmes "adultos", logo abaixo de "Munique".
    Para tanto, o trabalho de Day-Lewis é essencial. Seu Lincoln é por vezes humano e por vezes monumental.
    Mas ele é, acima de tudo, um fantasma moral, vagando pela Casa Branca, sussurrando para seus contemporâneos, mas também para um longínquo sucessor: "Obama, faça a coisa certa".
    LINCOLN
    DIREÇÃO Steven Spielberg
    PRODUÇÃO EUA, 2012
    ONDE Reserva Cultural, Cidade Jardim e circuito
    CLASSIFICAÇÃO 10 anos
    AVALIAÇÃO bom

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