segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Minha História Carlos Alfredo Claret,64

FOLHA DE SÃO PAULO

Cercado por ditaduras
Argentino foi preso e torturado no Rio Grande do Sul, em possível ação da Operação Condor em 1978
FELIPE BÄCHTOLDDE PORTO ALEGRERESUMO O engenheiro argentino Carlos Alfredo Claret, 64, vivia no Rio Grande do Sul em 1978, quando foi preso. Com militância peronista, ele migrou após o golpe militar na Argentina, em 1976. Na cadeia, sofreu tortura e foi interrogado por pessoas que identificou como militares argentinos, em uma possível ação da Operação Condor, a aliança entre ditaduras do Cone Sul.
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Na ditadura da Argentina, diziam: "Primeiro, vão matar os militantes, depois os simpatizantes e, ao final, serão os indiferentes".
Saí do país por uma questão política. Era dirigente da universidade de Río Cuarto, em Córdoba. Um colega foi encarcerado em 1976 e apareceu no outro dia enforcado. Eu não podia mais ficar.
Vim ao Brasil e fui trabalhar em uma fábrica em Passo Fundo (RS). Mas me procuravam na Argentina pela militância na universidade.
Um dia, um amigo veio me avisar que a polícia estava na fábrica procurando documentos de estrangeiros.
Pouco depois, o Exército me apanhou. Estava perto de uma praça, dirigindo, e dois carros militares na frente trancaram o meu Fiat. Eles me apontaram um fuzil e diziam: "Fica quieto". Ninguém falava nenhuma palavra.
Dias antes, eu tinha solicitado um certificado de bons antecedentes para poder trabalhar regularmente.
Fui levado a um regimento do Exército em Passo Fundo. Fui encapuzado, algemado e deitado no banco de trás de um Fusca.
Viajamos e chegamos à Polícia Federal em Porto Alegre umas 3h. Tentava saber onde estava. Diziam: "Temos todo o tempo do mundo, ninguém sabe onde você está. Temos a tua mulher, os filhos". Não me diziam a acusação, nada.
Fui levado para uma salinha de interrogatório, isolada. Não davam porrada, mas vinha um grandão que me pegava pelos cabelos e falava: "Vamos te matar".
Eles me mandaram escrever toda a minha história, as pessoas que eu conhecia na Argentina, tudo. Passei um tempo longo nessa sala.
Vinha um cara mau, ameaçava. Apareceu até um que se dizia padre, falando para confiar na igreja e relatar meus "contatos".
Fui deixado lá dias, sem água ou comida. Escrevi toda a história da minha vida. Se eu deitava, tocava uma campainha, acendia uma lâmpada muito forte. Não sei quanto tempo foi. O cérebro já não sabe o que está fazendo.
Foram dois períodos disso. No segundo, puseram fios [elétricos] nas mãos e nos pés. Davam choques e diziam que teria mais se não escrevesse.
O último interrogatório tinha gente da Argentina. Estavam vestidos como civis, mas dava para ver que eles eram militares.
O que eu mais sofria era não saber o que ocorria com as crianças e a minha mulher.
De uma hora para outra, parou tudo. O chefe da polícia disse: virá aqui o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.
Achei que era outra estratégia para me fazer falar, como a do padre. Fecham a porta e entra um rapazinho, bem vestido. Era Guy Prim, do Alto Comissariado, que trabalhava com dom Paulo Evaristo Arns em São Paulo. Falou que meus amigos em São Paulo o tinham contatado.
Ele disse: "Podem te levar à Argentina a qualquer momento, tens que confiar em mim". Ele mostrou seu passaporte e pediu para preencher um formulário das Nações Unidas [para solicitar refúgio]. Escrevi o que ocorreu.
Guy Prim me disse para tentar ir para a Holanda ou a Suécia porque responderiam rápido. Falou: "Se não responderem logo, vão te mandar para a Argentina".
Colocamos Suécia e, em 24 horas, concederam a autorização para viver lá. Levaram-me algemado até o avião. Moro na Suécia hoje, criei uma companhia de consultoria.
Fiquei um mês preso. Foi por milímetros, uma coisa terrível. Se me mandassem para a Argentina em vez de Porto Alegre, desapareceria e ninguém saberia.

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