sábado, 2 de fevereiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Muito além do alvará
Tragédia de Santa Maria pôs a nu a complexa e inoperante burocracia contra incêndios, cuja prevenção daria um salto com a ajuda de seguradoras
Tragédias como a da boate Kiss, em Santa Maria (RS), nunca se podem atribuir a uma causa única. Natural, portanto, que as acusações apontem para vários lados, o que não torna menos importante a responsabilização final de todos quantos forem os envolvidos. Há fortes indícios, por exemplo, de que houve superlotação. Noticia-se que a banda encarregada do show havia comprado fogos de artifício impróprios para ambientes fechados. O revestimento antirruído da casa de espetáculos, indicado por "técnicos" não identificados, era inflamável e fora instalado pouco depois da última vistoria.
Por outro lado, alega-se que o Corpo de Bombeiros se omitiu de realizar as fiscalizações necessárias; que a autorização de funcionamento do local, embora vencida, já chancelara algumas das irregularidades apontadas agora.
O destaque inicial à questão do alvará chama a atenção para o quanto se tornou "mera questão documental", como disse o advogado de um dos donos da boate, a emissão desse tipo de autorizações. Os paulistanos, por exemplo, tomam conhecimento de que 600 boates da cidade estão à espera de alvará. Mesmo assim, funcionam.
O mesmo deve valer para hotéis, cinemas, teatros, restaurantes. O prefeito Fernando Haddad (PT) mostrou bastante senso de oportunidade ao convocar proprietários de casas noturnas para um debate. As soluções que prometeu apresentar esbarram, entretanto, na lentidão e na falta de confiabilidade crônica da máquina pública.
É óbvio que nenhum empresário do setor de divertimentos deseja que ocorra uma tragédia; entende-se, por outro lado, que pondere a seu modo os custos da prevenção. O papel de uma entidade externa, capaz de fiscalizar com rigor as consequências coletivas desse tipo de "cálculo racional" do agente privado, cabe tradicionalmente ao poder governamental, falível e corrupto no Brasil.
Não são apenas, nem principalmente, os supostos vícios culturais brasileiros -descuido, otimismo, protelação- que servem para explicar uma situação em que o Estado não dá conta de suas atribuições nem as divide racionalmente.
É de se perguntar se, além de uma legislação federal enxuta, capaz de eliminar a complicação e a ambiguidade presentes nas atuais normas de prevenção, não caberia a agentes privados -como as empresas de seguros- papel mais ativo na função fiscalizadora.
Com a atribuição de um preço ao risco oferecido por tais locais de reunião, segurados e seguradores passam a ter um interesse comum na redução de um e de outro. Tal estímulo econômico para a adoção de procedimentos de segurança pode ser uma poderosa força suplementar à indispensável, mas tantas vezes precária, ação do poder público nessa área.

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    Motociclistas fora da lei
    Centenas de motoboys fecharam ontem a avenida Paulista com o intuito de protestar contra o início da fiscalização do cumprimento das novas regras estabelecidas para o exercício de sua profissão.
    Mais uma vez, o cidadão paulistano sofreu transtornos e foi prejudicado por uma categoria que coloca interesses corporativos muito acima dos da coletividade.
    No caso, tratou-se de mais uma investida para adiar a adoção das medidas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que regulamentam a lei n° 12.009, de julho de 2009.
    O diploma, sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê regras para o exercício das funções de mototáxi e motofretista, como o uso de equipamentos de segurança e coletes com faixas que refletem a luz.
    Aqueles que não cumprirem as determinações estarão sujeitos a multa de R$ 191,54 e poderão ter a moto apreendida.
    O principal problema alegado pelos motoboys é a dificuldade de frequentar um curso especializado, tornado obrigatório. Sem o certificado, não poderão obter a licença para o exercício da profissão.
    Em resolução de junho de 2010, o Contran definiu que o curso seria ministrado pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) e órgãos por eles autorizados, com 25 horas dedicadas a lições teóricas, e cinco, à prática de condução.
    Desde então, a data de início da fiscalização sofreu três adiamentos causados por dificuldades verificadas em especial em São Paulo, que concentra a maior parte dos profissionais -são cerca de 250 mil em todo o Estado.
    As reclamações dos motoboys paulistas quanto à dificuldade de acesso aos cursos são, até certo ponto, pertinentes. Foi a oferta aquém das necessidades que justificou as mudanças de prazo. Muitos, contudo, parecem ter apostado que a nova legislação cairia no vazio -ou "não pegaria", como muitas vezes acontece no Brasil.
    Desta vez, todavia, apesar dos protestos, as autoridades recusaram uma nova prorrogação. Com efeito, isso representaria, de fato, uma desmoralização irreversível.
    Não obstante, é de se considerar a hipótese, lançada por especialistas, de escalonar o cumprimento dos requisitos. Um cronograma poderia ser estabelecido de acordo com os números finais das placas. Com isso, a adequação -sem dúvida necessária e tardia- poderia ocorrer de maneira paulatina e com menos atropelos.

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