sábado, 16 de fevereiro de 2013

O projeto Nova Luz deve ser repensado? [Tendências/Debates]

folha de são paulo

FERNANDO DE MELLO FRANCO

SIM
Rever para realizar
A requalificação do centro é uma das ações prioritárias da gestão Haddad. Como tal, a transformação de Santa Ifigênia deve receber todo o seu apoio. Mas, para viabilizá-la, será necessário traçar uma nova estratégia. Uma proposta existe e prioriza a promoção de moradias por meio de uma parceria entre os governos municipal e estadual.
O Nova Luz é um projeto iniciado em 2005. Desde então, enfrenta o questionamento do modelo jurídico de concessão urbanística no qual se estrutura. Soma-se a insatisfação dos agentes locais quanto à forma de participação na sua elaboração e à ausência de uma modelagem econômico-financeira que precise o montante dos investimentos públicos a ser aportados. A revisão do processo é pertinente. Algumas questões se destacam no território complexo de Santa Ifigênia.
i) A questão do crack é, sem dúvida, a mais dramática. Porém, o seu enfrentamento transcende às questões puramente urbanísticas. Isto é, não pode ser reduzido ou confundido com as ações da transformação espacial e deve ser debatido no âmbito de um conjunto de políticas públicas mais abrangente.
ii) A modernização das linhas da CPTM, em conjunto com a inauguração da linha amarela do Metrô, caracterizou a Luz como o maior nó de articulação dos transportes metropolitanos em São Paulo. O impacto não se fez sentir na renovação urbana local, pois o complexo de estações se configura como um local de transbordo e não de destino ou origem dos passageiros. Sem a integração entre as políticas de transportes e de uso do solo, a área não se aproveita da alta acessibilidade ofertada.
iii) Os equipamentos culturais localizados na Luz -Pinacoteca, Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa, entre outros- são reconhecidos pela excelência da arquitetura dos seus edifícios, das instituições que abrigam e da programação que promovem. Mas a aposta de transformação da área por meio da construção de âncoras culturais se mostrou insuficiente, pois seus eventos e público pouca interação estabelecem com o contexto urbano que os circundam.
iv) A rede de comércio especializado é um dos principais motores das dinâmicas da área central. Os setores automotivo e de eletroeletrônicos se localizam em Santa Ifigênia. No Bom Retiro, do outro lado dos trilhos e fora dos limites dos perímetros da Operação Urbana Centro, o comércio se sofistica e o espaço se renova de forma veloz e autônoma dos incentivos públicos. Tal como no Bom Retiro, na região de Santa Ifigênia não parece haver falta de recursos privados para a melhoria das estruturas de comércio, mas sim de um projeto traçado com os setores produtivos em condições de empreendê-la, em consonância com o interesse público.
v) A questão da moradia é a questão principal. O repovoamento do centro é um movimento claramente detectado pelo Censo 2010. A população que a ele retorna se soma aos que lutam por permanecer em proximidade aos bens, serviços e empregos que a área oferece. Reconhecem o centro como um valor a ser conquistado, preservado e usado no cotidiano. É o impulso necessário para a requalificação da área.
Tudo indica ser estratégico que se inicie a transformação de Santa Ifigênia pela promoção de novas moradias populares. A proposta de habitação social na área estrutura-se pela articulação entre fundos municipais reservados à habitação, fundos federais do Minha Casa, Minha Vida e fundos estaduais do programa Casa Paulista em torno de um modelo de PPP (parceria público-privada), recentemente anunciado pelo Estado e município.
O modelo urbanístico adotado busca garantir a habitação inserida em um contexto de diversidade de usos e, sobretudo, de coexistência de diversos grupos sociais, onde cada empreendimento estabeleça uma relação ativa no uso dos espaços públicos por eles conformados.
Para garantir o seu sucesso é necessário estabelecer canais de diálogo e fortalecer um processo participativo legítimo por parte de todos os agentes interessados na transformação do centro.


MIGUEL BUCALEM
O projeto Nova Luz deve ser repensado?
NÃO
Manter acesa a Nova Luz
É natural e oportuno que, ao se iniciar uma nova gestão municipal, os projetos de longo prazo da anterior sejam avaliados e que se proponha mudanças e aperfeiçoamentos. Mas é essencial que se considerem os estudos que os subsidiaram na plenitude para que se possa efetivamente avançar.
Este artigo tem como objetivo colaborar para a reflexão sobre o projeto da Nova Luz. As 45 quadras que definem sua área são das mais bem servidas por transporte público de alta capacidade da região metropolitana: três linhas de metrô e quatro de trem. A área é circundada por equipamentos culturais emblemáticos e espaços abertos notáveis. Possui um comércio vibrante, cujos principais eixos são as ruas Santa Ifigênia e General Osório.
Mas a área tem uma série de problemas. Apesar de agitada durante o dia, fica sem movimento à noite, após o comércio fechar suas portas, tornando-se insegura. É uma ilha de calor, com espaços abertos quase inexistentes no seu interior, pouca arborização e calçadas inadequadas e estreitas. Tem uso aquém do que a sua infraestrutura permite, com terrenos subutilizados. A cidade tem a oportunidade de corrigir esses desequilíbrios e tornar a região exemplar, como objetiva o projeto em pauta.
Uma nova perspectiva para intervir na área abriu-se com a aprovação, em 2009, das leis da concessão urbanística. Segundo elas, cabe ao poder público desenvolver um projeto urbanístico e, por meio de licitação, delegar a um concessionário a implementação do projeto. Convém enfatizar que é o poder público quem determina o que deve ocorrer, quais os imóveis que devem ser transformados e sob quais regras.
A partir dessas leis, a gestão passada elaborou o projeto cumprindo diversas etapas. Propôs 50 diretrizes para a transformação da área. Contratou, por meio de licitação internacional, um consórcio de empresas para apoiar seu desenvolvimento. Realizou mais de cem reuniões públicas e cerca de 2.000 atendimentos. E contou com a liderança de excelentes técnicos da prefeitura. O processo permitiu que quem ocupa a área participe da implementação futura do projeto. O licenciamento foi efetuado em diversos órgãos, com a presença da sociedade civil e precedido de audiências públicas.
Como resultado, mais de 5.000 moradias serão construídas, sendo cerca de 2.500 de interesse social, que o município receberá sem ônus para a sua política habitacional.
A vocação comercial da região será potencializada: cerca de 20 mil novos empregos serão gerados, o patrimônio histórico, restaurado e a mescla de usos garantirá atividades de dia, de noite e nos finais de semana. O projeto prevê 11 novos equipamentos públicos, três novos espaços abertos, calçadas largas, ciclovias, entre outras melhorias.
Parte dos investimentos necessários é financiada pela captura da valorização imobiliária dos terrenos. Mas os estudos indicaram a necessidade de aporte do poder público de R$ 162,4 milhões a R$ 384,3 milhões, dependendo do cenário adotado, o que poderia ocorrer de forma parcelada.
O valor é inferior ao noticiado e da mesma ordem de grandeza do montante que a prefeitura precisaria gastar apenas para construir as 2.500 moradias de interesse social. Ou seja, seria como se a cidade ganhasse todas as melhorias e equipamentos urbanos a custo zero.
A Nova Luz é um projeto urbano pioneiro. Garante a transformação da área como um todo, dando-lhe as características desejáveis segundo as melhores práticas urbanas para regiões centrais de grandes cidades. Obviamente, o projeto pode ser melhorado e ajustado, mas não deveria ser descartado.

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