sábado, 16 de fevereiro de 2013

PATRIMÔNIO PEDE SOCORRO-Gustavo Werneck‏

Setenta por cento das igrejas, capelas e conventos de Minas apresentam graves problemas de segurança e conservação, segundo o Ministério Público, que vai distribuir manual com medidas de proteção 

Gustavo Werneck
Estado de Minas: 16/02/2013 
Uma árvore cresce na torre esquerda, o mato se alastra pelo telhado e a umidade toma conta da fachada. Do lado de dentro, há gambiarras na fiação, paredes sujas, imagens quebradas e um indiscreto ar de abandono. Assim está a Igreja de São Francisco de Assis, no Largo de São Francisco, uma das joias do patrimônio barroco de Sabará, na Grande BH. A deterioração se arrasta há anos e deixa tristes os devotos do santo, desapontados os visitantes e envergonhado quem se encanta com a arquitetura da cidade. Em Minas, levantamento do Ministério Público, feito pela Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), mostra o tamanho da degradação no estado: 70% das igrejas, capelas e conventos apresentam problemas, como buracos no telhado a emaranhado de cabos, passando pelo furto de peças e risco de incêndio. Em Ouro Preto, na Região Central, a capela-mor e nave do Santuário Arquidiocesano de Nossa Senhora da Conceição foi fechada na segunda-feira, por falta de segurança, depois de vistoria feita por engenheiros. 

Enquanto isso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, anunciado em 2009 pelo governo federal, segue engatinhando. Oito municípios mineiros estão na fila para receber recursos que vão garantir a preservação do patrimônio. A estimativa é de que haja cerca de 5 mil igrejas, capelas, ermidas, conventos e outros templos de vários estilos, localizados nas áreas urbanas, distritos e regiões rurais do estado. No mês que vem, a CPPC lançará o Manual básico de segurança e conservação do patrimônio cultural sacro, que demandou um ano de trabalho e se torna o primeiro do país na modalidade. Dirigido especialmente a administradores das paróquias, padres, zeladores, sacristãos e demais envolvidos na preservação e segurança dos templos, o manual tem tiragem de 2 mil exemplares, com linguagem didática e de fácil entendimento sobre segurança e conservação.

O manual será apresentado à direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), universidades, Corpo de Bombeiros e outros órgãos públicos. Norteado pelo mote “prevenir é o melhor remédio”, o manual com os problemas e as soluções práticas ficará também nas mãos dos 297 promotores de Justiça do patrimônio cultural do estado – futuramente, estará disponível na internet, no site www.mp.mg.gov.br/cppc. “O nosso alvo maior são as dioceses. Nos últimos 10 anos, desde que começou no estado a campanha de recuperação dos bens desaparecidos, com cerca de 600 peças apreendidas, tivemos furtos, incêndios etc. e exemplos de degradação causada pela chuva, cupins e demais fatores de alto risco). “Não se pode deixar o bem cultural ir para o CTI, se há a possibilidade do pronto-socorro”, afirma o coordenador do CPPC, promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, que alerta: “Uma telha que se troca a tempo é a restauração que se evita”.

Nas 38 páginas do manual estão relacionadas questões como controle das chaves da igreja, gestão adequada do templo, iluminação, alarme, circuito fechado de TV, incêndios e perigo das descargas atmoféricas, principais ameaças e outros aspectos. Há também espaço para a lista de órgãos de proteção, com telefones, endereços, e-mail e site, modelos de placa de sinalização (avisos de proibição de filmar ou fotografar, sem autorização; e de fumar) e ficha de inventário. 

Esse documento contém dados básicos, como o nome do templo, município, designação da peça, material, medidas, localização da peça dentro do templo, estado de conservação etc e ser acompanhado de amplo levantamento fotográfico. O promotor comandou a equipe técnica formada pela arquiteta urbanista Andréa Lanna Mendes Novais, assessor jurídico Frederico Bianchini Joviano dos Santos e historiadora Paula Carolina Miranda Novais.

Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Matias Cardoso - Rachaduras no forro, pintura feita com gemas de ovos desaparecendo (LUCIENE LICYA REIS GUEDES/DIVULGAÇÃO %u2013 29/10/2012
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Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Matias Cardoso - Rachaduras no forro, pintura feita com gemas de ovos desaparecendo
 

PRECARIEDADE Um dos conselheiros do patrimônio de Ouro Preto, Alex Fernandes Bohrer, professor de história da arte e iconografia do Instituto Federal de Minas Gerais, está catalogando, como parte da sua tese de doutorado, os retábulos – toda a composição do altar – de estilo nacional português das igrejas mineiras. Desde o início da pesquisa, mais de 20 templos religiosos construídos no fim do século 17 e início do 18 foram visitados em toda a Bacia do Rio das Velhas e a situação da grande maioria é gravíssima. “O estado de conservação da maioria das igrejas é precário. O principal problema são infiltrações e cupins. E, quando o retábulo chega nessa situação, é porque a maioria das partes da estrutura está comprometida”, lamenta. (Colaborou Flávia Ayer)

Igreja Nossa Senhora das Dores em Cachoeira do Campo, Ouro Preto - Obras de arte sem conservação, forro da capela-mor com problemas (RODRIGO GOMES/DIVULGAÇÃO %u2013 4/3/2011
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Igreja Nossa Senhora das Dores em Cachoeira do Campo, Ouro Preto - Obras de arte sem conservação, forro da capela-mor com problemas
 

Saiba mais

Instalação
de alarmes

Um item importante na segurança das igrejas é o alarme. Em Minas, muitos templos ficam sem o importante equipamento por falta de informação. Segundo o presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), Fernando Cabral, já foram ativados 40 alarmes em edificações e poderão ser instalados até 100. “Basta que os párocos entrem em contato conosco, com o Iphan ou o município”, explica Cabral. Em fevereiro do ano passado, o EM fez uma série de reportagens, a partir de denúncias do Ministério Público, revelando a falta de alarmes em 40 igrejas e capelas, uma das quais a Matriz de Santo Antônio em Itacambira, na Região Norte. O templo teve cinco imagens roubadas e estava com o equipamento desligado por falta de renovação com a empresa responsável pelo serviço.
 
 
Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Sabará - Lonas cobrem o telhado do templo para conter infiltrações  (GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Sabará - Lonas cobrem o telhado do templo para conter infiltrações


Conservação a conta-gotas 
Oito cidades mineiras receberão verbas do PAC das Cidades Históricas, mas o valor ainda será definido. Até agora houve ações de preservação apenas em Ouro Preto e Diamantina
 


Flávia Ayer e Gustavo Werneck

Datado de 1778, Santuário de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Grande BH, tem equipamentos de segurança dentro e fora da construção e medidas preventivas permanentes (FOTOS GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Datado de 1778, Santuário de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Grande BH, tem equipamentos de segurança dentro e fora da construção e medidas preventivas permanentes
 (FOTOS GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Depois de quatro anos de expectativas frustradas e demora, o Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas, mais conhecido como PAC Cidades Históricas, promete, até 2015, investir R$ 1,3 bilhão na conservação de bens tombados em 44 municípios do país, sendo R$ 300 milhões previstos para este ano. Com oito municípios na lista, Minas conta com o maior número de cidades contempladas com recursos federais, mas o número ainda é distante das 20 que seriam inicialmente beneficiadas. Na terça-feira, termina o prazo para que as prefeituras enviem ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que coordena o PAC, os planos de ação indicando as obras prioritárias.

Além de mais enxuto, o PAC Cidades Históricas inicia esta nova fase carregado de desconfiança. Lançado em 2009, o programa chegou a Minas no ano seguinte com a promessa de investir R$ 254 milhões até este ano em 322 ações de recuperação e valorização do patrimônio. “Foram feitas ações pontuais em Ouro Preto e Diamantina, mas o PAC não teve o destaque que a parceria com a união visava cumprir”, afirma a secretária-executiva da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACH-MG), Ana Alcântara, que acompanha o programa desde o início.

Ressalvas ao PAC também partem do Ministério Público (MP) estadual. “Até o momento, houve só promessas e nada de efetivo”, ressalta o coordenador de Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MG), Marcos Paulo de Souza Miranda. O Iphan reconhece que grande parte do planejamento não foi cumprido. Mas, sem detalhar a aplicação dos recursos nem qual parcela é de verbas federais, o órgão aponta que entre 2009 e 2012 R$ 61 milhões foram investidos em 24 ações em seis municípios mineiros.

Em Minas, poderão participar do PAC Ouro Preto, Congonhas e Diamantina, por serem declaradas pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, além de Belo Horizonte, Mariana, Sabará, São João del-Rei e Serro. Os critérios levam em conta bens tombados em nível federal, conjuntos urbanos em situação de risco e marcos no processo de ocupação do território. “As cidades selecionadas deverão definir obras prioritárias até dia 19 e é o PAC quem vai definir o investimentos para cada cidade”, explica Ana.

A nova fase é uma esperança para a Igreja de São Francisco de Assis, de Sabará, que será incluída no plano de ação. Por enquanto, o olhar dos fiéis para o templo, vinculado à Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, é de pura desolação. Responsável pela parte de som, Lélio dos Santos mostra que a igreja demanda obras urgentes. Num canto, estão fios soltos; em outro, o mofo se propaga pelas paredes, perto da imagem de Nossa Senhora da Boa Morte; e, na torre, a borda do sino está quebrada. “Estamos muito preocupados, pois até o olho esquerdo da imagem de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, localizada na parte superior do altar, está sendo devorado pelos cupins”, diz.

BOM EXEMPLO Em Minas, há exemplos importantes de igrejas mostrando que preservação e segurança são fundamentais. Datado de 1778, o Santuário de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Grande BH, tem equipamentos de última geração, nas partes interna e externa do prédio, para monitorar o rico acervo barroco. O templo, na Praça da Matriz, é tombado pelo município e Iepha e recebe cuidados permanentes para evitar goteiras, infiltrações e outras ações que possam destruir estrutura e imagens. 

Com dinheiro do dízimo e de promoções, o padre Danil Marcelo dos Santos restaurou 16 imagens e agora vai mandar para o ateliê de conservação/restauração mais três – as de Nossa Senhora da Boa Morte, Santa Rita e Nossa Senhora da Soledade, da Capela do Bonfim (século 18). 


  COMO PRESERVAR

Soluções para os velhos problemas do patrimônio histórico 

  SEGURANÇA

 Manter portas e janelas com dobradiças e ferragens e em bom estado de conservação

 Restringir o acesso de visitantes, de preferência, à porta principal 

 Fechar bem, à noite, todas as portas externas. O acesso pelas torres do sino também é comum, o que exige reforço de atenção e medidas de prevenção

 Fazer ronda nos espaços internos, antes do fechamento do templo, para ver se há pessoas escondidas 

 Fazer segurança na parte externa da edificação. É fundamental uma boa iluminação externa 
  
ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO

 Manter um responsável pelas chaves (pároco ou paroquianos)

 Guardar e proteger objetos de valor durante atividades de conservação. Identificar operários e reforçar todas as medidas de segurança

 Fazer o controle de visitantes via identificação em livro (nome, RG etc)

 Oferecer guarda-volume aos visitantes para que deixem casacos e bolsas 

 Não permitir filmagem ou fotografia no interior das igrejas (muitos ladrões se passam por turistas e fotografam as peças a fim de oferecê-las a receptadores) 
 
 CONSERVAÇÃO


 Não construir, reformar ou ampliar a edificação nem fazer qualquer construção anexa sem autorização do órgão municipal de preservação

 Evitar a umidade, impedindo acúmulo de água na base da construção, vazamentos, crescimento de vegetação.

 Verificar nos alicerces e fundações se há apodrecimento de madeiras, existência de cupins e recalques (afundamento)

 Verificar se há telhas quebradas ou fora do lugar, apodrecimento de partes da estrutura, entupimento de calhas e vazamento no reservatório de água

Contratar projeto de prevenção e combate a incêndio.

FONTE: CPPC/MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS


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