sábado, 30 de março de 2013

Anticoncepcional » Venda de pílula terá maior rigor - Julia Chaib‏

Anvisa cria equipe para traçar plano que garanta a venda de medicamento tarjado apenas com receita. As pílulas anticoncepcionais estão na mira 


Julia Chaib

Estado de Minas: 30/03/2013 

Brasília – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou uma força de trabalho para elaborar medidas que permitam o controle de venda para remédios de tarja vermelha. Medicamentos como anti-inflamatório e pílula anticoncepcional estão entre os produtos que devem passar a ser comercializados somente com receita médica, como já manda a norma, que não é cumprida. Os riscos de intoxicação estão entre os principais motivos apresentados pelos defensores de normas destinadas a frear o consumo desregrado de remédios. Entretanto, mesmo especialistas que concordam com a necessidade de elaboração de medidas de controle da venda de medicamentos afirmam que a discussão é complexa. Isso porque, alertam, obrigar pacientes a mostrar receitas nas farmácias pode levar a um aumento na demanda por consultas médicas que o sistema público de saúde não estaria preparado para suprir.

O grupo de trabalho foi formado depois de a agência reguladora ter promovido audiências públicas e debates no fim do ano passado em torno do assunto. Pelo menos 120 inscrições foram feitas. Entidades ligadas à indústria farmacêutica, aos varejistas e à área de pesquisa em saúde, representantes de órgãos de governo e da sociedade civil manifestaram interesse em participar da discussão. Um dos objetivos principais da força de trabalho criada pela Anvisa será pensar ações de comunicação direcionadas aos profissionais de saúde e aos consumidores para acabar com o uso de remédios sem a devida orientação médica "Não estamos falando de editar mais normas ou aumentar a fiscalização. Na verdade, a proposta é darmos um salto que traga mais segurança para a saúde da população e evite o uso incorreto de medicamentos", disse a Anvisa, por meio de nota.


Atualmente, segundo dados da agência, os produtos de tarja vermelha representam 65% do mercado de medicamentos. Para a maioria desses remédios, a legislação sanitária exige apenas a apresentação da receita médica no ato da compra. As farmácias não são obrigadas a reter o documento. A cor da faixa é relacionada aos riscos que o produto representa. Os medicamentos de tarja preta exigem a apresentação e retenção de receituário médico. Estão nesse grupo, por exemplo, remédios para controle de ansiedade e antidepressivos. Os produtos não tarjados têm menos contraindicações e risco menor de provocar efeitos colaterais.
Para o professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Sérgio Graff, a automedicação está diretamente relacionada à disponibilidade dos produtos e, por isso, ele concorda com a elaboração de medidas de controle. "O problema é que há uma banalização das medicações”, diz. “Há pessoas tomando anti-inflamatórios quando, às vezes, só um analgésico funcionaria”, exemplifica. Nesse caso, explica Graff, o consumidor estaria usando uma medicação com risco de reações adversas mais severas – como hemorragia gástrica e problemas digestivos – do que as potencialmente provocadas por analgésicos.


Para Graff, entretanto, a dificuldade de acesso à consulta médica frequente, principalmente na rede pública, é um obstáculo à exigência de receita. "Os remédios para pressão e para diabetes são de uso contínuo, por exemplo. E a pessoa não pode ir ao médico toda vez que necessitar comprá-los. Aí mora o problema. Na realidade, o ideal seria que o paciente hipertenso fosse todo mês ao médico para ser examinado, além de pegar a receita. Mas, com o sistema de saúde que temos hoje, penso que não há estrutura", pondera. Uma das soluções para o impasse, sugere Graff, seria permitir que as receitas tivessem validade prolongada.


Coordenadora do Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rosany Bochner ressalta que há medicamentos que colocam em risco a saúde da população, mas avalia que a exigência da prescrição médica pode dificultar o acesso de pacientes a medicamentos que eles realmente precisam tomar.


A Anvisa, entretanto, disse, em nota, que as questões relativas ao acesso à assistência médica não podem ser colocadas como obstáculo para o controle da venda de remédios. "O uso incorreto de medicamentos é um problema tão grande quanto a dificuldade de acesso à assistência", diz o texto da agência.



Riscos e benefícios em jogo

Publicação: 30/03/2013 04:00

A pílula anticoncepcional está entre os produtos na mira da Anvisa que já têm tarja vermelha e cuja venda deverá passar a exigir efetivamente a apresentação de receita médica. O controle mais rigoroso, entretanto, é visto como arriscado até por representantes da área de saúde. Para a presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Marta Curado, o ideal é ter a venda do contraceptivo com receita, mas esse ideal ainda está muito longe da realidade brasileira. "Se forem colocados muitos entraves à venda da pílula, o que deve acontecer é o aumento no número de gravidezes não planejadas e crescimento na quantidade de abortos provocados, sob risco de as pacientes ficarem inférteis ou até morrerem", analisa.

Na opinião do médico toxicologista Sérgio Graff, uma das medidas que a agência reguladora poderia tomar seria exigir a receita médica apenas na primeira compra do contraceptivo. "Não é um medicamento banal. Deve ser tomado com acompanhamento. Para isso, o médico tem de fazer exames antes de prescrever a pílula, para verificar se ela é contraindicada para a paciente ", explica. Para ele, outra solução seria dar às pacientes receitas com validade prolongada.


Os contraceptivos foram tema de grandes debates no fim de janeiro, depois de a Agência de Segurança Nacional de Medicamentos e Produtos de Saúde da França suspender naquele país a venda da pílula Diane 35 e seus genéricos. A justificativa foi que o produto causou a morte de quatro pessoas nos últimos 25 anos por trombose, coágulo sanguíneo, que geralmente ocorre na perna.


Esse tipo de complicação ocorreu com Marina Moreira Terra de Souza, de 27 anos, bacharel em direito. Ela tomou a pílula anticoncepcional pela primeira vez aos 16 anos, para tratar os ovários policísticos, e teve trombose rapidamente. "Um mês depois de começar a tomar a pílula comecei a sentir muita dor e minha perna inchou de uma hora para outra. Eu estava com trombose. O tratamento demorou bastante e eu nunca mais tomei o anticoncepcional", conta.


A especialista em anticoncepção Marta Furtado, entretanto, é enfática ao dizer que não há necessidade de as pacientes interromperem o uso da pílula, a menos que o médico recomende a suspensão. "Todas as mulheres estão sujeitas a esses riscos, que não são tão frequentes. Mas considero que os riscos oferecidos pela pílula são menores do que os de gravidez não planejada", argumenta.

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