sábado, 30 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

O certo e o duvidoso
Plano de cem metas de Haddad é mais focalizado que o de Kassab, mas falta priorizar o que pode ser feito com verbas já asseguradas
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), apresentou o programa de metas para sua gestão, como dele exige a legislação municipal. Se comparado com o de Gilberto Kassab (PSD), trata-se de um programa bem mais enxuto -o que não o torna facilmente executável, entretanto.
Um dos maiores desafios de Haddad consiste em obter os recursos necessários para atingir as metas fixadas. De acordo com o prefeito, o plano sairá do papel por nada menos do que R$ 23 bilhões, ou seja, quase R$ 6 bilhões a cada ano de sua administração.
O montante, embora não seja impraticável, representa quase o dobro da capacidade atual de investimento da prefeitura. Para alcançá-lo, Haddad precisará contar com fundos de programas do governo federal, além de parcerias com o governo do Estado e com a iniciativa privada. Também será fundamental renegociar a asfixiante dívida do município.
Talvez pela dificuldade financeira, o petista pareceu preocupado em vacinar-se contra cobranças futuras. Afirmou que o cumprimento parcial de alguma meta deve ser considerado, e não descartado como fracasso.
Kassab, ao final de seu mandato, fez raciocínio análogo. O ex-prefeito, que cumpriu de modo integral apenas 55% (123) de suas 223 metas, anunciou um "índice de eficiência" de 81%. Para tanto, ponderou percentuais de execução; como 25% de seus objetivos foram totalmente descumpridos, o cálculo soou duvidoso.
Rescaldado pela experiência do antecessor, Haddad listou apenas cem objetivos em seu plano. Na campanha eleitoral, prodigalizara 728 promessas.
Um programa de metas não precisa -aliás, não deve- incluir tudo o que será feito pela prefeitura. Seu papel é indicar prioridades para acompanhamento. Além disso, alguns objetivos de Haddad são mais ousados que os de Kassab -por exemplo, 150 km de corredores de ônibus contra 66 km.
Fica, porém, a sensação de que o petista se preocupa em demasia com cobranças futuras e de que prometeu muito mais do que pensa poder cumprir. Note-se que ficaram de fora da lista promessas de campanha importantes para a cidade, como repasses ao Metrô e reforma de corredores de ônibus.
O plano de metas constitui um avanço em matéria de acompanhamento e controle da gestão, que se tornou lei só em 2008. Para merecer tal nome, o prefeito deveria ter hierarquizado e separado aquilo que pode realizar com os recursos disponíveis do que depende de verbas e receitas incertas. Essa inovação Haddad, o "homem novo", fica devendo para São Paulo.


A conta de US$ 4 bilhões
Nada parece mais distante do cidadão que as agruras vividas pelo agronegócio brasileiro, com os vários gargalos de infraestrutura que prejudicam sua rentabilidade. Eles são tão graves, contudo, que seus efeitos já transbordam das fronteiras agrícolas e invadem o cotidiano das cidades.
O paulista que se dirige para as praias do Guarujá, de Bertioga e redondezas, por exemplo, passou a enfrentar enormes congestionamentos na rodovia Cônego Domênico Rangoni, principal via de ligação entre esse balneário e as cidades de Cubatão e Santos. Na raiz do problema estão os cerca de 3.200 caminhões carregados de soja que descem a serra do Mar, todos os dias, para embarque nos terminais de exportação do porto de Santos.
Saturada e ineficiente, essa que é a maior instalação do gênero no Brasil não dá conta de escoar a parte que lhe cabe na safra recorde de grãos deste ano. Os caminhões entram em fila e esperam dias a fio, no acostamento da estrada, pelo momento de descarga.
Outra fila se forma no mar: no começo da semana, 45 navios aguardavam a vez para embarcar 2,6 milhões de toneladas de grãos. É o suficiente para encher 54 mil caminhões, que chegam a percorrer milhares de quilômetros de rodovias esburacadas entre as regiões produtoras no Centro-Oeste e portos como Santos e Paranaguá (PR) -neste, a fila de navios ultrapassava a centena.
Com tantos percalços, a soja brasileira sofre acréscimo de US$ 70 por tonelada só para transitar da fazenda às docas, na comparação com o custo do frete para produtores argentinos e americanos.
Como a exportação neste ano deve alcançar 40 milhões de toneladas de soja e mais 18 milhões de milho, o prejuízo estimado pela Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) monta a mais US$ 4 bilhões. Segundo cálculos da entidade, tal valor permitiria construir mais de uma hidrovia, modalidade de transporte preferida por vários especialistas em logística agrícola.
Entre as prioridades despontam os corredores dos rios Teles Pires-Tapajós e Araguaia-Tocantins, que facilitariam o escoamento da safra do Centro-Oeste pelo rio Amazonas e sua foz no Atlântico. Encontra-se disponível, hoje, unicamente a hidrovia do rio Madeira, a partir de Porto Velho (RO).
A perda anual equivalente a cerca de R$ 8 bilhões, mesmo que não pudesse ser inteiramente revertida em favor do Brasil, parece mais do que suficiente para financiar -e justificar- esse investimento. É pura aritmética.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário