sábado, 30 de março de 2013

Fábrica de verdades (O BRASIL . De Mino Carta) Ângela Faria‏

Estado de Minas - 30/03/2013

O Brasil foi escrito para quem gosta de política. O jornalista Mino Carta embaralha autobiografia, memórias e romance para conduzir o leitor por bastidores de momentos decisivos da história do país, sobretudo a partir da ditadura civil-militar imposta em 1964. Ao fundo dessa trama, quase se ouve a sinfonia das máquinas de escrever. A história de Mino Carta se desvela a partir das redações de jornal.

O ficcionista nos faz confidentes de seu personagem Abukir, o menino de 8 anos que acompanha o pai, um professor de história e geografia, ao prédio do jornal O Estado de S. Paulo no dia do suicídio de Getúlio Vargas. Naqueles tempos sem internet e TV, Waldir decide visitar o amigo linotipista em busca de algo precioso: informação. Quer saber a verdade. O Brasil é um romance sobre a fabricação de verdades.

Abukir se transforma em jornalista famoso. Graças a algum talento e ao empenho em, digamos, adaptar os fatos às regras do andar de cima, vira “príncipe dos colunistas”. Sonha com a Academia Brasileira de Letras. Mino Carta o faz conviver com mandachuvas – reais – da grande imprensa paulista e carioca. Usa seu arrivista Abukir como metáfora do quarto poder tupiniquim. “Salvo ralas exceções” – fustiga –, a imprensa brasileira “é o boletim da casa-grande”.

A trajetória do personagem é intercalada com entreatos em que Mino registra sua própria vida. Somos, então, confidentes desse “anti-Abukir”: fundador da revista Quatro Rodas; diretor do Jornal da Tarde; criador da Veja, da Isto é e do Jornal da República; diretor de redação da Carta Capital. Imodesto (de acordo com os amigos), poço de vaidade e megalômano (segundo detratores), descreve como foi perseguido e censurado durante o governo militar.

Mino Carta faz de O Brasil outro acerto de contas com desafetos. Mira novamente o clã Civita e Armando Falcão, ministro da Justiça do governo Ernesto Geisel. Homenageia seus heróis, o jornalista Cláudio Abramo e o jurista Raymundo Faoro. Com direito a posfácio do crítico literário Alfredo Bosi, seu novo livro segue a trilha mezzo ficção, mezzo autobiografia de O castelo de âmbar (2000) e A sombra do silêncio (2003) – ambos sobre a saga de outro repórter, Mercúcio Parla.

 Mino escreve com o fígado. Abukir sempre nos sugere alguém (ou o somatório de alguéns) com quem seu criador conviveu. Vendetta? Só os iniciados guardam a chave do roman à clef. O melhor desse Brasil, no entanto, não está na ficção, em adivinhar quem é o quê. Bacana – mesmo – é a história, aquela para valer. Os momentos em que o repórter (e não Abukir) está diante de Golbery do Couto e Silva, hábil articulador da distensão no governo Ernesto Geisel, e presencia bastidores da redemocratização. Ou, ainda, quando intui que Luiz Inácio Lula da Silva será muito mais do que peão de fábrica.

Testemunha da agonia de dona Marisa diante da lambança do mensalão, o memorialista Mino Carta – 62 anos de jornalismo, quase 80 de idade –, certamente, tem muito mais a nos dizer sobre o Brasil contemporâneo do que o faz em seu novo livro. A verve esgrimida em A sombra do silêncio, O castelo de âmbar e mesmo nas polêmicas com aqueles que o acusam de comandar a “Veja do Lula” cairia bem à versão “cartiana” de Os donos do poder.

Corajoso, rancoroso, egocêntrico, visionário, cabotino ou destemido, não importa: o velho repórter ainda nos deve suas memórias “puro-sangue”. Espera-se dele o dedo na ferida – dessa vez, sem clefs, Abukires e Mercúcios.

O BRASIL
. De Mino Carta
. Editora Record
. 355 páginas, R$ 44,90

Nenhum comentário:

Postar um comentário