sábado, 30 de março de 2013

O paradoxo do emprego em alta - Anselmo Santos‏

Estado de Minas - 30/03/2013

Em outros anos, o Produto Interno Bruto (PIB) de 0,9%, como o registrado em 2012, seria carimbar o Brasil como um país de economia praticamente estagnada. Porém, há algo de novo no ar. Para surpresa dos economistas, o PIB fraco de 2012 não veio acompanhado do desemprego, o que fatalmente teria ocorrido no passado. Pelo contrário, o país está próximo do pleno emprego, algo de fazer inveja aos países europeus. O economista Anselmo Santos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisa as razões desse inusitado cenário e traça um retrato do  que pode ocorrer nos próximos meses.

Dentre as questões colocadas pelo baixo ritmo de crescimento econômico dos últimos dois anos, a contínua queda da taxa de desemprego apresenta-se como uma das que mais vêm demandando explicações. Mesmo nesse contexto, a taxa média de desemprego metropolitana, medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE), caiu, passando de 5,7% para 4,9%, entre o último trimestre de 2010 e o mesmo período de 2012. Esse desempenho foi resultado da queda do número de desocupados nas regiões metropolitanas de Salvador (-30,5%), Belo Horizonte (-21%) e Recife (-19,6%); nas de São Paulo (2,3%) e Porto Alegre (1,5%) o número médio de desocupados era maior no último trimestre de 2012. Em todas as metrópoles, a taxa de desemprego era menor (ou igual) no último trimestre de 2012 – relativamente a 2010 –, mas as menores taxas foram observadas em Porto Alegre (3,5%), Belo Horizonte (3,8%) e Rio de Janeiro (4,2%).

O crescimento mais lento da população em idade ativa – expressão das profundas transformações demográficas por que passa o país – tem sido um aspecto favorável nessa evolução. O número de jovens de 10 a 24 anos tem diminuído nas metrópoles investigadas. A queda foi de 2,8% somente nos últimos dois anos. Além disso, uma proporção menor tem entrado no mercado de trabalho metropolitano, de forma que a população economicamente ativa nessa faixa etária apresentou uma redução de 1,7%, entre o último trimestre de 2010 e o de 2012.

Desde meados da década passada vem caindo a participação dos jovens no mercado de trabalho, movimento que contribui para um crescimento mais moderado da população economicamente ativa (PEA), ou seja, da parte da população que participa do mercado de trabalho (ocupados + desocupados). Contribuíram para isso, por um lado, o aumento do número de membros na família que se encontram ocupados, a expressiva elevação dos salários de base e do piso previdenciário, o menor tamanho médio das famílias, que elevaram de forma expressiva a renda média familiar, reduzindo a pressão que a pobreza provoca na taxa de atividade de jovens (e crianças).

Por outro lado, o Bolsa Família, o Prouni, a expansão das vagas nas universidades federais e nas escolas técnicas foram importantes fatores para os jovens continuarem estudando. No entanto, mesmo com redução do estoque da população jovem que participa do mercado de trabalho, a população economicamente ativa ainda cresceu 3,8% nos últimos dois anos – ritmo bem maior do que o crescimento da população em idade ativa (2,4%) –, refletindo o aumento de 4,9% entre a população economicamente ativa de 25 anos ou mais. Se, por um lado, o mercado de trabalho metropolitano não sofre mais a pressão histórica da forte e crescente entrada de jovens, o aumento da PEA de quase 4% em dois anos mostra que, sem a geração de um número expressivo de ocupações, o desemprego teria aumentado. Ou seja, um ritmo menor de crescimento da população que participa do mercado de trabalho tem sido um aspecto favorável para o comportamento recente do mercado de trabalho brasileiro, mas não haveria queda do desemprego sem aumento da ocupação.

Assim, deve-se considerar que o principal determinante da recente redução do desemprego está associado ao aumento nesse períododo número de ocupados, que cresceu 4,6% nesse período. Vale dizer, mesmo com o baixo crescimento do PIB, houve uma expressiva geração de postos de trabalho, aspecto mais importante para a compreensão da redução recente do desemprego metropolitano.

A questão, portanto, refere-se às razões da significativa expansão da ocupação metropolitana, de 2,3% ao ano, diante de uma taxa média anual de crescimento do PIB de apenas 1,8%, em 2011 e 2012. Pelo menos nas metrópoles investigadas pela PME/IBGE, observa-se que a desaceleração do ritmo de crescimento apresentou fortes impactos negativos – entre as ocupações das empresas – apenas na ocupação do setor industrial, cujo estoque foi reduzido em 0,9%, entre o último trimestre de 2010 e de 2012.

A elevada queda do emprego em "serviços domésticos" expressa mais os aspectos positivos do comportamento geral do mercado de trabalho brasileiro – recuperação dos salários, formalização, reduzido desemprego e maiores oportunidades de ocupação no setor empresarial – do que os impactos da desaceleração econômica. Nesse contexto, a relativa escassez de trabalhadores e a elevação da remuneração nos serviços domésticos têm contribuído para reduzir relativamente os traços históricos de uma sociedade extremamente desigual e de um mercado de trabalho marcado pela imensa presença de "serviçais".

A redução do desemprego, num contexto de baixo crescimento econômico, esteve fortemente associada ao excelente desempenho da ocupação no setor da construção civil e de diversas atividades dos serviços – especialmente as financeiras, imobiliárias, serviços prestados às empresas, administração pública e serviços sociais - fortemente geradoras de emprego, que apresentam coeficientes mais elevados de geração de ocupação por unidade de produção.

No caso da construção, cabe destacar a importância do programa Minha casa, minha vida, implementado no contexto da adoção de um conjunto de políticas anti-cíclicas voltadas para o enfrentamento dos efeitos da grave crise internacional de 2008-2009, e turbinado no governo Dilma, assim como a redução dos juros, de impostos sobre material de construção e diversas medidas governamentais para melhorar o acesso ao financiamento habitacional.

 No caso do setor de serviços, além da forte capacidade de geração de emprego, o PIB cresceu 4,4%, no acumulado de 2011 e 2012; ao contrário da indústria, que apresentou um crescimento bem menor, de 0,8%.  Nesse período, também foi mantido um ritmo expressivo de expansão do crédito, dos serviços ligados às atividades financeiras e aos seguros. A importância dos estímulos ao setor da construção civil também se observa na expansão da ocupação nos serviços ligados às atividades imobiliárias.

Principalmente no caso das diversas atividades sociais, mas também da administração pública e dos serviços em geral, deve-se destacar o fato de que a expansão dessas atividades passa principalmente pela necessidade da intervenção humana, pela atividade que é de difícil mecanização ou substituição do trabalho humano, e nas quais a expansão dos serviços e a melhoria da qualidade passam necessariamente pela maior contratação de trabalhadores. Em várias dessas atividades, não somente a qualidade dos serviços prestados no Brasil ainda é muito baixa, como também é menor a proporção de trabalhadores do setor público em relação ao total de ocupados, se comparados aos países desenvolvidos, que apresentam sistemas sociais de mais amplo acesso e de melhor qualidade.

Nos últimos anos, a melhoria de algumas políticas sociais, assim como o crescimento da renda e a crescente procura pelos sistemas de saúde, educação e previdência social ofertados pelo setor privado, contribuiu de forma significativa para a geração de ocupações, no setor público, no setor privado e no chamado terceiro setor. A ampliação do gasto e o avanço das políticas públicas na área social, assim como foi nos países desenvolvidos, podem se tornar grandes aliados na geração de mais e melhores empregos no Brasil.

Outras atividades de serviços e também o comércio apresentaram significativas taxas de expansão do número de ocupados, em metrópoles que concentram maior parcela da população com elevados rendimentos, com estruturas de consumo mais diversificadas e sofisticadas, regiões que concentram parte de atividades que se apropriam de renda gerada em cidades menores – com setor de serviços menos desenvolvido. Vale dizer, em parte, esses efeitos de expansão do emprego são específicos das estruturas produtivas e sociais metropolitanas, que não devem estar sendo reproduzidos em cidades menores.

Por fim, não se pode esperar que o desempenho da ocupação no setor de serviços mantenha-se favorável numa situação de fraco crescimento e de perda de importância da indústria na estrutura produtiva nacional. Tanto a demanda industrial gerada para inúmeras atividades de serviços, como a renda do setor industrial são decisivas para que no médio e longo prazo o mercado de trabalho brasileiro possa continuar melhorando. Os dados do quadro ao lado mostram uma expressiva recuperação do emprego metropolitano e industrial em janeiro, cuja manutenção é fundamental para que o país possa efetivamente superar os enormes problemas históricos e estruturais de seu mercado de trabalho. O comportamento demográfico estará contribuindo nesse sentido.

Anselmo Luis dos Santos, doutor em economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho CESIT/IE/Unicamp.Coordenador da área de economia social e do trabalho do programa de pós-graduação em desenvolvimento econômico do Instituto de Economia da Unicamp

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