quinta-feira, 14 de março de 2013

Fiéis recebem papa jesuíta e sul-americano com surpresa

folha de são paulo

O NOVO PAPA
Francisco terá de lidar com perda de católicos e escândalos de pedofilia
Discreto, Bergoglio sempre recusou cargos na Cúria; ele deve se encontrar em breve com antecessor, Bento 16
BERNARDO MELLO FRANCOFELIPE SELIGMANFABIANO MAISONNAVEENVIADOS ESPECIAIS A ROMANum conclave que durou menos de 26 horas e surpreendeu todo o mundo, a Igreja Católica elegeu ontem o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, 76, para ser o seu 266º papa.
Arcebispo de Buenos Aires, ele adotou o nome inédito de Francisco, mas sem um numeral -ele só será "Francisco 1º" se houver um segundo.
Será o primeiro latino-americano e o primeiro jesuíta a liderar os católicos em mais de 2.000 anos de história.
Em suas primeiras palavras, no balcão da Basílica de São Pedro, o novo papa pediu que os fiéis rezem por ele e disse que os cardeais foram buscá-lo quase no "fim do mundo" para comandar a igreja.
"Vós sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo buscá-lo." Durante o discurso, ficou a seu lado o brasileiro Cláudio Hummes, o que sugere proximidade com o novo papa.
O novo pontífice pediu orações pelo papa emérito Bento 16, que anunciou sua renúncia em 11 de fevereiro. Os dois conversaram por telefone ontem à noite.
Bergoglio não aparecia nas listas de favoritos para a sucessão papal. Depois de cinco votações, ultrapassou os 77 votos, ou seja, ganhou apoio de ao menos dois terços dos 115 cardeais que participaram da eleição secreta.
Ele teria sido o segundo colocado no último conclave, de 2005. No fim dessa disputa, teria dito aos colegas que não se sentia pronto para o pontificado, abrindo caminho para a escolha do cardeal alemão Joseph Ratzinger.
O papa Francisco assumirá uma igreja em crise, que sofre com a perda de fiéis e tenta recuperar sua imagem, manchada por disputas de poder e escândalos de pedofilia e corrupção.
Discreto, ele sempre recusou cargos na Cúria Romana e só ia ao Vaticano quando necessário. Essas características o credenciam como um possível reformador, que poderá mudar os rumos da igreja e desalojar seu status quo.
O porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, classificou a escolha como uma resposta "radical" a "especulações" sobre a guerra entre alas da igreja.
Segundo um porta-voz do Vaticano, ele homenageou são Francisco de Assis com a escolha, mas pode ter sido também referência a são Francisco Xavier, um dos fundadores da ordem jesuíta.
Até ontem, os mais cotados para a eleição eram o italiano Angelo Scola, visto como reformador, e o brasileiro Odilo Scherer, apontado como o candidato da Cúria. A notícia frustrou a torcida por d. Odilo entre os brasileiros na praça de São Pedro.
Hoje, Bergoglio reza missa com os cardeais na Capela Sistina. No sábado, dará uma entrevista coletiva e no dia seguinte, a primeira bênção dominical, o "Angelus".
Na terça-feira haverá a missa inaugural do papado.
FUMAÇA BRANCA
Quando a fumaça branca começou a sair da chaminé da Capela Sistina, às 19h06 (15h06 em Brasília), a praça de São Pedro parecia um mar de guarda-chuvas.
Os fiéis enfrentavam mau tempo desde o início da manhã e já haviam visto a fumaça preta às 11h38.
Quando a fumaça clara foi avistada, a alegria tomou o ambiente. Fiéis e curiosos se abraçavam e gritavam, em italiano: "Viva il papa!". Uma correria começou em direção à basílica. O povo queria chegar o mais perto possível para ver o cardeal, ainda desconhecido, que em minutos passaria a chefiar a igreja.
Por volta das 20h10, o cardeal francês Jean-Louis Tauran apareceu no balcão e pronunciou as duas palavras mágicas: "Habemus papam!" (temos um papa, em latim).
Bandeiras de todos os países tremulavam. Dezenas de brasileiras, pouquíssimas argentinas. Quando o nome de Bergoglio foi anunciado, muitos fiéis silenciaram.
Uma exceção foi o padre argentino Sebastián Vivas, 31, que esperava o anúncio a poucos metros da grade. "No lo creo, no lo creo!", repetia, atônito. "Bergoglio fez muitas reformas, levou a igreja para a favela. Mas é ele mesmo? Ai, meu Deus!", disse à reportagem, emocionado.
Era ele mesmo. E os fiéis argentinos, pouco a pouco, apareceram.
"Moro em Roma há 20 anos e só vim por casualidade, nunca imaginei que seria um argentino", disse o arquiteto Marcelo Rossi, 47, com bandeirinha do país.
"Ele é muito sério, humilde, pacificador. Tudo o que a igreja precisa", emendou Juliana Gargiulo, estudante de relações internacionais.
Um grupo em volta dela começou a gritar: "Argentina, Argentina!". Rapidamente, brasileiros se uniram à festa.
"Somos todos latino-americanos", disse o padre Wagner de Souza, abraçando os vizinhos.
"Não estou frustrado, estou feliz. O Brasil terá uma grande importância."


SAIBA MAIS
Nome pode ser referência a dois santos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHABoas razões não faltam para que o novo papa tenha sido o primeiro a escolher o nome de Francisco.
Segundo o Vaticano, é uma referência a são Francisco de Assis, mas provavelmente não é a única.
"A grande maioria dos católicos vai pensar imediatamente em são Francisco de Assis", diz Rodrigo Coppe Caldeira, historiador do catolicismo da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais).
Algumas pistas explicam a razão da predileção pelo santo fundador dos franciscanos, morto no ano 1226.
Como arcebispo, Jorge Bergoglio tentou se mostrar próximo dos pobres e adotou um estilo de vida modesto, em linha com o jovem medieval que buscou a santidade na pobreza. São Francisco de Assis também é o padroeiro da Itália, o que ajudaria o papa a indicar que ele não descuidará de seu rebanho italiano.
Como se trata do primeiro papa vindo da Companhia de Jesus, no entanto, é impossível não pensar em são Francisco Xavier (1506-1552), membro do núcleo dos primeiros jesuítas e missionário intrépido que pregou na Índia, em Bornéu e no Japão.
"Ambos os nomes são muito ricos de significado. Se houver referência a são Francisco Xavier, há um grande sentido de missão, de uma igreja missionária", afirma Moisés Sbardelotto, pesquisador da Unisinos (RS) que estuda a inserção do catolicismo nas mídias digitais.
Nesse caso, um papa de ascendência europeia, mas nascido fora dos centros históricos de poder da Igreja Católica, estaria sinalizando sua disposição para enfrentar a "conquista espiritual" do Oriente, como tentaram fazer seus predecessores jesuítas.
É claro que a referência pode ser dupla (ou até tripla; Rodrigo Caldeira lembra outro jesuíta famoso, são Francisco de Borja, também do século 16).
A ambiguidade também estava presente no nome escolhido por Bento 16, referência a são Bento, monge do século 6 que criou a regra dos beneditinos, e ao papa Bento 15 (1854-1922), que tentou fomentar a paz na Primeira Guerra Mundial.

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