quinta-feira, 14 de março de 2013

O mestre entre nós -Carolina Braga

Lenda do butô, o japonês Yoshito Ohno encanta estudantes em Ouro Preto 


Carolina Braga

Estado de Minas: 14/03/2013 

Nas imediações do Cine Teatro Vila Rica, em Ouro Preto, um grupo de curiosos moradores acompanha a movimentação dentro do prédio histórico. Para tirar logo a dúvida, um deles procura saber: o que, afinal de contas, está acontecendo ali?. “É uma dança japonesa”, constata. Mas o agito na Rua São José, importante acesso ao Centro Histórico, tem outro motivo. Discretamente, lá está o único representante vivo da primeira geração do butô: Yoshito Ohno, filho de Kazuo Ohno (1906-2010) – o mestre do teatro-dança surgido no Japão.

Certas manifestações artísticas extrapolam limites de estilo e de gênero e até mesmo seus próprios métodos. Viram filosofia. O butô é exemplo disso: a prática japonesa que mescla teatro e dança surgiu em 1959, período do pós-guerra, como resposta dos derrotados orientais à dominação ocidental. Aos 21 anos, Yoshito Ohno era um dos intérpretes de Kinjiki – a coreografia de Tatsumi Hijikata considerada a origem do butô. Aos 75 anos, ele percorre o mundo compartilhando seus saberes.

Simplicidade e tranquilidade são palavras-chave para descrever o mestre japonês. A vinda a Minas Gerais – a convite do grupo de pesquisas Híbrida, ligado à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) – deve-se à parceria com produtores de São Paulo, onde Ohno se apresentará. Hoje, ele faz performance na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes.

Em Ouro Preto, Yoshito ministrou oficina para alunos de artes cênicas da Ufop, participou de debate e encenou Ventos do tempo. Nada é grandiloquente perto dele. A delicadeza impera, seja na maneira como fala, no jeito de andar e, principalmente, no modo como ensina. Nada indica que ali está uma figura mundialmente aclamada. Em seu primeiro encontro com os jovens brasileiros, o filho de Kazuo Ohno conta de onde veio. Sabe aquela coisa básica de passar o currículo? Pois é. Detalhe curioso: entre suas paixões relacionadas aos movimentos do corpo, a dança expressionista divide espaço com o futebol.

O mestre parece contar histórias para crianças ao iniciar sua palestra. “Vamos dançar a beleza de uma flor”, convida. Todos embarcam. Porém, a rosa não é simplesmente uma rosa. É corpo e, sobretudo, expressão de equilíbrio. Do mesmo modo que precisa da luz do sol para crescer, a raiz caminha para a escuridão. Com o corpo não é diferente. “Temos de sentir o conflito de duas forças e andar”, ensina Ohno.

Usando referências que vão do surrealismo de Salvador Dali à prática japonesa do origami, passando pela natureza e por muitas histórias sobre o pai, Yoshito Ohno mostra o quanto o corpo é maleável. E ressalta a importância de estarmos atentos aos distintos modos de ver. “Preste atenção nos pontos de vida. Precisamos ter olhos diferentes todos os dias”, recomenda.

Cerca de 100 estudantes da Ufop se inscreveram para a oficina de três horas ministrada por Yoshito Ohno. Apenas 25 puderam efetivamente desfrutar da prática, mas o auditório foi aberto para o público acompanhar as atividades. Para a estudante de artes cênicas Adriana Maciel, de 23 anos, a experiência foi extremamente leve. “Ele passou uma técnica, mas me pareceu muito mais do que isso. É algo que vem do interior, está ligado aos sentimentos do ser humano. Isso me tocou muito”, conta.

Terapeuta ocupacional e estudante de dança contemporânea, Carolina de Pinho Barroso Magalhães, de 28, teve a mesma impressão. “Já era encantada pelo butô, pesquisava muito em livros, raros por aqui. Então, na hora em que você ‘fisicaliza’, entende a potência dos opostos, do escuro e do claro, por meio das sutilezas dos objetos que ele trouxe. É o máximo no mínimo”, explica.

Vinda de São Paulo especialmente para o workshop, a criadora e intérprete em dança Luciana Bortoletto se encantou especialmente com a presença de Yoshito Ohno. “A relação do respeito pelo mestre faz com que entendamos a história desse homem, a sua forma de compartilhar conhecimento. Há generosidade nisso”, diz. Para ela, o butô de Yoshito Ohno extrapola técnicas. “O fundamento de tudo é não separar dança e vida”, conclui Luciana Bortoletto.

VENTOS DO TEMPO

Com Yoshito Ohno. Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Centro Histórico de Tiradentes. Amanhã, às 18h. Entrada franca mediante retirada antecipada de ingressos.


Saiba mais
Dança e teatro



Em japonês, bu significa dança; toh, passo. Butô combina dança e teatro. Frequentemente, seus intérpretes pintam o corpo de branco – símbolo do esvaziamento de referências culturais e de entrega a todos os tipos de metamorfose. O dançarino e coreógrafo Kazuo Ohno (1906-2010), mestre dessa arte (foto), visitou o Brasil várias vezes.

Quatro perguntas para...


Yoshito Ohno
Bailarino e coreógrafo

O que é dança?

É se libertar. Nada especial, a dança sou eu.

Como o butô tem se transformado ao longo dos anos?

Ele está mudando, pois butô é a conexão do que muda com o que não muda. E as coisas estão mudando muito rapidamente. Já vivi muito, experimentei a dança em suas formas tradicionais e consigo lidar melhor com a mudança. Isso é muito mais difícil para as pessoas mais novas. Gosto de transformar minha experiência. Quando éramos jovens, havia uma guerra estabelecida do lado de fora e, no teatro, havia uma espécie de caos. Agora, a guerra externa é mais teatral e estamos totalmente perdidos. Inclusive eu. Temos que pensar: o que é importante agora?

Se a sociedade se encontra tão perdida, a dança seria um caminho para ela se reencontrar?

Primeiro, temos que transformar os sentimentos, como fizemos hoje. Aprendemos sobre os olhos. Podemos encontrar olhares muito diferentes no teatro e temos também o corpo físico. A união disso será um poder para a vida.

Qual é o grande desafio para a nova geração de dançarinos?

A rápida mudança da vida é uma situação incontrolável. Não há como evitar. Precisamos encorajá-los a se recriar. Essa é a esperança de nosso futuro.

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