quinta-feira, 28 de março de 2013

Marina Colasanti-Nunca foi de outro modo‏


Estado de Minas: 28/03/2013 

 No Afeganistão, duas jovens irmãs se suicidam a poucas horas de distância uma da outra. Na China, “caçadoras do amor” procuram mulheres sob medida para casamentos milionários. Em Paris, 300 mil pessoas fazem manifestação, que acaba em confronto, contra o casamento gay. O que têm essas notícias em comum? Poderíamos dizer que os três fatos se ligam através da paixão. As irmãs se suicidam porque a mais moça estava apaixonada por um rapaz que não tinha a aprovação da família. A caçadora do amor busca uma esposa para um homem que, tendo dinheiro e não podendo parar de ganhar ainda mais, não encontra tempo para buscar a paixão que completaria a sua vida. E os 300 manifestantes não aceitam que a paixão homossexual seja igual à heterossexual, e como tal deva ser tratada.

Entretanto, o laço que faz das três notícias um mesmo fato é outro.

No hospital de Mazar-i-Sharif, no Afeganistão, dão entrada diariamente três ou quatro moças suicidas. Tomam veneno de rato, como as duas irmãs, ou fazem tentativas mal-sucedidas, mais como protesto ou pedido de socorro do que como busca da morte. A vida moderna chega a Mazar por meio da televisão e da internet, penetra nas casas e no imaginário das moças. Mas a sociedade em que elas vivem tem outros costumes, antigos, ditados por homens. Esmagadas entre o desejo natural de viver os novos tempos e a pressão extremamente repressora da família e do entorno social, as moças de Mazar encontraram no suicídio uma porta de saída.

No fim desta década, haverá na China 24 milhões de homens solteiros, sem mulher disponível. É, em grande parte, resultado da política governamental do filho único. O desequilíbrio, que já se faz sentir intensamente, provocou o surgimento de empresas matrimoniais de alto nível, e o multiplicar-se dos “mercados de casamento”, pontos de encontro urbanos, ao ar livre, onde pais ou parentes mais velhos tentam negociar casamento para seus filhos. A modernidade levou os homens do campo à cidade, apressou seus tempos, afastou-os da família e privou-os de mulher. A antiga tradição dos casamentos arranjados vem agora em seu socorro, sob nova roupagem.

A manifestação de Paris contraria o desejo da maioria. Não só o projeto “Matrimônio para todos” foi aprovado pela Assembleia Nacional francesa por 329 votos a 229, como, de acordo com as pesquisas, 51% dos franceses são favoráveis à medida. Ainda assim, os 49% restantes estão convencidos de que os tempos modernos são de desrespeito e que o casamento gay é uma ameaça à família.

Temos, nos três casos, um mesmo choque entre o novo e a tradição, entre a manutenção dos velhos costumes e a adoção do tipo de vida gerado pela modernidade. As vantagens – internet, redes sociais, telefoninho, cinema em 3D, acessórios, grifes – todos querem. As mudanças encontram sempre muros pela frente.

Ser conservador é acreditar que a própria identidade está amalgamada com os costumes e que perdê-los acarretaria o desmoronamento de todo o edifício identitário. O comportamento novo é visto como um ET que chega para sugar almas e apossar-se dos corpos. Combatê-lo torna-se uma questão de sobrevivência.

Alivia-nos saber que nunca foi de outro modo. E que, desde o tempo das cavernas até nossos dias, o novo sempre acabou vencendo
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