quinta-feira, 28 de março de 2013

O peso da afinidade-Paloma Oliveto‏

Estudo indica que bebês simpatizam com vilões que maltratam personagens com os quais não se identificam. Resultado reforça a importância do processo de socialização, dizem cientistas


Paloma Oliveto

Estado de Minas: 28/03/2013 

Bebês são fofos e engraçadinhos, mas, por trás das bochechas gorduchas e dos olhos inocentes, há um comportamento surpreendente. Ainda no berço, crianças preferem indivíduos que punem personagens diferentes delas e fazem cara feia para os que, no lugar, oferecem ajuda aos estranhos. A descoberta é de pesquisadores das universidades de Yale e British Columbia e foi publicada em um artigo da revista Plos. De acordo com os cientistas envolvidos, o resultado reforça a importância da socialização ao longo da vida, processo que impede essa característica de se transformar em condutas extremas.
Kiley Hamlin, psicóloga da Universidade de British Columbia que iniciou a pesquisa como aluna de graduação de Yale, esclarece que as conclusões não significam que os seres humanos sejam sádicos por natureza. Na realidade, essa seria uma estratégia de autopreservação. Para os bebês, o mundo é um lugar completamente desconhecido, e agarrar-se aos iguais representa segurança. Da mesma forma, os diferentes podem parecer uma ameaça, o que justificaria o instinto de apoiar indivíduos que punam aqueles que parecem estranhos.
Ao longo da vida, as pessoas continuam com a tendência de preferir os semelhantes. Na prática, o ditado de que “os opostos se atraem” não parece ser verdadeiro, já que a afinidade é o que une os seres humanos. No meio social, sempre se buscam aqueles que compartilham alguma característica ou gosto, como estilo musical, opiniões políticas ou mesmo nacionalidade. Ao mesmo tempo em que cria laços, esse traço inato pode ser perigoso. Quando extremado, se traduz em xenofobia, homofobia e racismo, por exemplo.
Não à toa, Adolf Hitler apelou para a identidade germânica na sua perseguição ao judaísmo. No discurso nazista, os alemães eram os iguais; os judeus, os outros. Embora até hoje historiadores quebrem a cabeça tentando entender como a ideologia seduziu uma das sociedades mais desenvolvidas e cultas da época, boa parte concorda que a propaganda ideológica centrada na unidade nacional e na sensação de pertencer a uma raça, a ariana, foi uma arma fortíssima. O mesmo ocorreu com os integrantes da Ku Klux Klan, organização que começou como resistência sulista nos Estados Unidos e acabou se transformando em um grupo criminoso, em que brancos conservadores se viam no direito de perseguir os negros, que, na cabeça deles, eram o seu oposto.

Teatro de bonecos Para descobrir se a tendência de se unir aos iguais e rejeitar os diferentes tinha raízes na infância, Hamlin realizou experimentos com marionetes, apresentadas a bebês de 9 a 14 meses. Os psicólogos já sabem que, assim como a maioria dos jovens e adultos, os bebês simpatizam mais com heróis do que com vilões. Uma pesquisa anterior constatou que, em desenhos animados, eles preferem personagens que ajudam alguém a subir a montanha aos que puxam o pobre andarilho para baixo. “Mas estávamos interessados em saber se os bebês sempre, universalmente, prefeririam heróis aos vilões. Ou será que suas escolhas dependem de quem está sendo ajudado ou prejudicado? Resumindo, nós pensamos: ‘Será que eles veem o inimigo de seus inimigos como amigos?’”, explica Hamlin.
Antes de os testes começarem, os pesquisadores se informaram sobre as preferências alimentares de seus pequenos participantes. Sabendo se eles gostavam mais de feijão verde ou biscoito doce, os psicólogos passaram à encenação de uma historinha bem simples, protagonizada por marionetes de feltro. Primeiro, um coelho aparecia e agia de forma semelhante ou diferente ao bebê, dizendo “Hum!” ou “Eca!” quando via cada uma das comidas. Depois, as crianças assistiam a outra cena: o coelho brincando com uma bola, que caía de sua mão e ia em direção a dois cachorros. Um deles ajuda o coelho, devolvendo a bola, enquanto o outro faz uma maldade, chutando o objeto para longe.
Terminada a pecinha, os bebês podiam escolher se queriam pegar o cachorro que ajudou ou o que puniu o coelho. O resultado foi um choque. “Fiquei surpresa e meu coração liberal sangrou e afundou como uma pedra quando descobrimos que eles, na verdade, escolhem a marionete que pune a outra que não compartilha de suas preferências”, exagera, em tom de brincadeira, Karen Wynn, professora da Universidade de Yale que orientou o trabalho de Hamlin. A tendência das crianças era escolher o cachorro que ajudou ou puniu o coelho baseadas no gosto desse último: se ele compartilhava das preferências alimentares do bebê, merecia ter a bola de volta; caso contrário, deveria perder seu brinquedo.
Não se sabe exatamente o motivo pelo qual os bebês seguem essa lógica. Kiley Hamlin, contudo, observa que o comportamento, nessa fase, ainda é bastante rudimentar. Segundo a psicóloga, a descoberta não significa que existam explicações biológicas para justificar preconceito contra qualquer tipo de diferença. “Nossa pesquisa demonstra a importância da socialização, porque, em algum momento, esse comportamento básico é suplantado pela aceitação e pelo sentimento de igualdade”, diz.

Uso indevido A psicóloga Lisa Scott, da Universidade de Massachusetts em Amherst, concorda com Hamlin e afirma que estudos como esse não devem ser confundidos com explicações simplistas para comportamentos abomináveis. No ano passado, Scott se viu frustrada quando o resultado de uma pesquisa que ela conduziu foi anunciado por sites sensacionalistas como a descoberta de que bebês eram racistas. O teste, feito com crianças de 9 meses, identificou que os pequenos têm mais facilidade de reconhecer rostos e expressões faciais de pessoas pertencentes ao mesmo grupo étnico, quando elas ainda não têm conceitos raciais formados.
Grupos autodenominados de supremacia branca fizeram a festa com a pesquisa, para o desgosto dos cientistas. “Estudos comportamentais com bebês começaram a ser realizados muito recentemente. No nosso, o que se viu foi que crianças muito pequenas têm mais familiaridade com expressões faciais nos rostos que exibem características físicas semelhantes às delas. Um bebê caucasiano vai identificar com mais facilidade coisas como sorriso ou gesto de dor em um adulto caucasiano. Isso é familiaridade, não é preferência racial”, esclarece. A psicóloga também lembra que pesquisas anteriores demonstraram que, na idade pré-escolar, reconhecer diferenças étnicas entre elas não influencia em nada a forma como crianças entre 3 e 5 anos se relacionam umas com as outras.
Karen Wynn diz que pretende aprofundar o estudo feito em parceria com Kiley Hamlin para verificar se informações sociais, como ver o pai ou a mãe abraçar a marionete que tem gostos diferentes dos seus, é suficiente para que o bebê mude de opinião sobre a punição do boneco. De acordo com ela, seria interessante descobrir meios de ensinar a bebês e crianças muito pequenas que, mesmo quando se parece diferente, existem semelhanças entre todos. Hamlin concorda: “Crianças têm empatia, mas esse sentimento parece limitado a certos indivíduos, assim como ocorre entre adultos. Se, desde cedo, pudermos mostrar que todos são iguais, isso pode, por exemplo, diminuir o bullying nas escolas”, acredita.

Noção de justiça vem antes da prática


Elas sabem que precisam dividir os brinquedos com os amiguinhos, mas não levam isso tão a sério até ficarem mais velhas. Em outro estudo que investigou o comportamento infantil, pesquisadores da Universidade de Michigan constataram que os pequenos, mesmo cientes das regras sociais, não se importam de passar por cima delas. Apenas depois dos 7 anos é que as crianças começam a colocar em prática o que pais e professores ensinam desde cedo: partilhar é preciso.
Em uma série de experimentos realizados com crianças de 3 a 8 anos, os pesquisadores constataram que, a partir dos 36 meses de vida, meninos e meninas têm a clara noção de que não podem ficar com tudo só para eles. “Crianças bem pequenas têm um entendimento sofisticado de justiça. No segundo ano de vida, elas esperam que duas pessoas recebam quantidades iguais de determinada coisa fornecida por um terceiro indivíduo”, diz o artigo. Na prática, contudo, a reação é bem diferente. “Apesar dessa compreensão precoce de igualdade e justiça, os mais novos têm um comportamento autocentrado quando são eles que devem dividir”, constataram os autores.
No estudo, os psicólogos usaram o jogo do ditador, um clássico nas pesquisas comportamentais e econômicas. O teste consiste em realocar recursos para pessoas que o participante nunca viu na vida. No jogo adaptado ao público infantil, o dinheiro foi trocado por adesivos. As crianças receberam as cartelas e foram avisadas que os objetos pertenciam a elas, e não aos examinadores. Dessa forma, os psicólogos quiseram ter certeza de que os pequenos desenvolveriam um sentimento de posse.
Para checar se a noção de justiça e igualdade se aplicava em todas as situações, os pesquisadores dividiram os participantes em grupos, distribuíram tarefas e, no fim, perguntaram aos donos dos adesivos se e com quanto cada criança deveria ser recompensada por seus esforços. Além disso, eles precisavam dizer se acreditavam que os outros participantes que possuíam cartelas iriam partilhá-las com os demais membros do grupo. A ideia era avaliar a compreensão da justiça e, no caso de as crianças demonstrarem que entendiam o conceito, checar se elas o colocariam em prática quando eram as donas do objeto a ser dividido.

Dilema Os psicólogos constataram que, nas faixas dos 3 aos 6 anos, os pequenos diziam uma coisa, mas faziam outra. Eles concordavam que os adesivos deveriam ser usados para recompensar as crianças que se esforçaram durante as tarefas. Desde que isso não ocorresse no grupo em que estavam chefiando. Quando perguntadas se iriam distribuir suas próprias cartelas entre os coleguinhas que trabalharam para elas, as crianças pequenas não quiseram partilhar, embora achassem justo que os outros donos de adesivos fizessem a distribuição. A postura só mudou entre os participantes de 7 e 8 anos. Nesses casos, o discurso casou com a prática.
Os autores afirmam que crianças pequenas entendem e aceitam que a distribuição igualitária é apropriada. Mas desejam tanto ficar com os brinquedos só para elas que, diante do conflito, dão um peso maior a essa vontade, em detrimento das normas sociais. Contudo, ao longo do desenvolvimento, elas passam a fazer o contrário, pois compreendem que, em situações reais, as regras são importantes e precisam ser seguidas, ainda que o façam de coração partido. (PO)

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