quinta-feira, 28 de março de 2013

Mistura fina [Selo Putumayo] - Eduardo Tristão Girão

Selo Putumayo completa 20 anos de atividade com mais de 200 títulos em catálogo. Série reúne nomes de ponta e artistas pouco conhecidos de várias regiões do mundo 


Eduardo Tristão Girão

Estado de Minas: 28/03/2013 

Até a criação do selo norte-americano Putumayo, que este ano completa duas décadas, não havia aparecido outra companhia que soubesse vender tão bem o peixe da world music e fazer dela um negócio rentável e de grande apelo popular. Sim, seus discos são coletâneas, mas talvez a palavra seja um tanto redutora, pois a produção é esmerada, a começar pelas belas capas, coloridas, atraentes e com identidade própria. Já a seleção musical prima por mesclar nomes consagrados e talentos pouco conhecidos em torno de países, gêneros musicais e temas variados (ioga, Natal, música das terras do café etc.).

Nos anos 1970, Dan Storper, um dos seus fundadores, viajou pela América do Sul e, na volta, resolveu abrir em Nova York um loja para vender artesanato e roupas trazidos da Bolívia, Peru, Equador e Colômbia (onde há um rio e um estado chamados Putumayo). A música tomou maior importância no negócio e, com Michael Kraus, ele criou o selo e decidiu apostar exclusivamente nos discos. Começaram com dois volumes de temas bem genéricos e, hoje, o catálogo conta com pouco mais de 200 títulos, somando pelo menos 20 milhões de cópias vendidas – pelo menos 70 álbuns já ultrapassaram as 100 mil cópias cada.

“Acredito que nossa maior contribuição para o mercado fonográfico foi a sensibilização da música (e da cultura) de além das fronteiras da maioria dos países e a contribuição para o crescimento das vendas de música internacional”, afirma Dan Storper. Vale ressaltar que ele não usou o termo “world music”, mas “international music”. “World music começou simplesmente como um termo para ajudar a identificar música de outras culturas nas lojas de disco. Não tem significado claro ou real fora disso. Costumo usar música internacional quando me refiro à musica de fora dos Estados Unidos”, completa.

Entretanto, é essa expressão – world music – que ainda aparece estampada como logomarca nas contracapas dos discos do selo, acompanhada pela frase “Guaranteed to make you feel good”, algo como “Garantido que vai fazer você se sentir bem”. Essa é uma das chaves para compreender os critérios de escolha de cada repertório. Embora contemplem os mais diferentes artistas do mundo, os discos têm exclusivamente faixas com apelo melódico, sejam canções ou temas instrumentais. Além disso, quase sempre são músicas vibrantes e alegres. Nunca para curtir fossa.

“Geralmente, as músicas têm de estar enraizadas numa tradição, mas com melodia atraente, vocal forte e qualidade de produção. Escolhemos temas muitas vezes com base em sugestões de clientes e de nossos funcionários, mas também com base no que tenho escutado e que parece poder fazer parte de uma boa coletânea”, explica Dan. Para auxiliá-lo nesse tarefa, ele conta com a colaboração do etnomusicologista Jacob Edgar. Feita a seleção, encarte caprichado é preparado (incluindo fotos e perfis dos artistas) e uma bela capa é pintada pela artista Nicola Heindl.

Expansão
“CDs com capas chamativas muitas vezes são os mais vendidos. Funcionam bem como presentes e, com uma capa forte, título atraente e música muito boa, formam pacote atraente”, analisa. Com tanta estratégia, não é de espantar que a Putumayo venha não apenas realizando bom trabalho com a world music, mas também ampliando seu público. “Nosso ouvinte é mais ou menos o mesmo de 20 anos atrás, os chamados ‘criativos culturais’, gente acima dos 40 anos que viaja e tem curiosidade pelo mundo, apesar de estarmos ampliando nossa audiência com coletâneas norte-americanas de blues e jazz”, diz.

Some-se a esse panorama a aposta do selo no público infantil, com a série Putumayo Kids, pelo qual já foram lançados títulos de rock, canções de cowboy e música de países europeus, por exemplo – entre os próximos lançamentos está Latin playground. “Uma vez que tenho um filho de 7 anos, a música para crianças tornou-se importante para mim. Elas podem aprender sobre o mundo de várias maneiras, mas pela música de outras culturas elas podem ter visão mais ampla e positiva de povos de outras partes do mundo”, observa.

Para este ano, adianta Dan, o selo prepara vários lançamentos, incluindo reedições atualizadas (com músicas extras) e séries comemorativas com discos que funcionarão como retrospectiva (África, América Latina e Caribe são algumas). O Brasil está nessa programação com os títulos Women of Brazil e a reedição de Brazilian beat. “No caso do Brasil, há apelo global para MPB, groove e até mesmo reggae brasileiro. Claramente, o mundo ama a música brasileira”, avalia Dan Storper. As músicas feitas atualmente no Mali, Cabo Verde e Brasil estão hoje entre as favoritas do produtor.


Em todo lugar

Entre os brasileiros que já tiveram músicas gravadas em coletâneas da Putumayo, o gaúcho Márcio Faraco está entre os mais frequentes, com quatro canções. Radicado na França desde os anos 1990, ele foi pinçado pelo selo quando ainda não havia lançado um disco sequer. “A Putumayo tem alcance muito grande e no mundo todo. Mesmo quando estava como contratado da gravadora Universal minha música não chegava a todo lugar. As pessoas me escrevem muito e sempre falam que me ouviram nesses discos”, afirma o artista. Mais recentemente, teve sua canção Na casa do seu Humberto escolhida para o disco Brazilian Café (2009).

Latin Jazz
Neste casamento de elementos norte-americanos e talento latino, a apurada seleção de músicos chama a atenção, com nomes como Machito, Tito Puente, Eddie Palmieri e Poncho Sanchez.

Brazilian café
Rosa Passos, Djavan e Teresa Cristina já valeriam o disco, mas são os menos conhecidos que a cereja do bolo. Destaque para a ótima versão de Vumbora amar, clássico do axé 1990 apresentado por Alexandre Leão.

Paris
Cumpre bem o que promete ao entregar seleção de 12 faixas que revigoram a canção francesa, incluindo a participação da ex-primeira-dama do país Carla Bruni.

Tribute to a reggae legend
São 12 temas de Bob Marley regravados por artistas de diferentes países, incluindo a brasileira Céu, que canta boa versão de Concrete jungle. No woman no cry na voz de refugiados africanos emociona.

Rythm & blues
Excelentes canções de artistas de várias gerações do gênero. Entre os mais jovens, merece atenção a talentosa mistura de r&b e jazz feita pela The Quantic Soul Orchestra e Kabir em Who knows.

Mali
Mali é um dos países africanos mais interessantes do ponto de vista musical e este disco oferece primorosa seleção de músicas que margeiam o pop e a música tradicional.

Music from the tea lands
Assim como os discos que reúnem países que plantam café e produzem vinho, este volume, centrado no chá, é inusitada junção de talentos vindos da Indonésia, Paquistão, China e Rússia, entre outras nações.

Greece: A musical odissey
Não há como compreender uma única palavra das canções, mas essa vibrante seleção cairia como uma luva para aquele típico jantar com quebra de pratos. Sem ser enfadonho ou repetitivo.

Acoustic Brazil
Com Gal Costa e Lucas Santtana, Caetano Veloso e Lula Queiroga, Chico Buarque e Rita Ribeiro, novamente uma coletânea brasileira brilha por reunir artistas de dimensões distintas. E sem hits.

French caribbean
Em se tratando de música alegre e dançante, poucos títulos batem esse, com artistas residentes na Martinica, Haiti e Guadalupe. Entre os gêneros contemplados estão zouk, compas e beguine.

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