sábado, 9 de março de 2013

"O Arco e a Lira" reflete a força do poeta e crítico Octavio Paz

folha de são paulo

CRÍTICA ENSAIO
Livro ambicioso do mexicano investiga a produção de poesia ao longo de séculos
JOSÉ ALMINOESPECIAL PARA A FOLHAPara o mexicano Octavio Paz, em "O Arco e a Lira", poesia seria como uma metáfora do instantâneo, a conjunção entre um olhar que arruma, por analogia, contiguidade ou diferenças, certas imagens, sons ou palavras; e encontra outro olhar, cúmplice e receptor, que os receba, compreenda e aprecie.
"Forma natural de expressão dos homens", "pertencendo a todas as épocas", ela é uma possibilidade permanente no mundo, algo que pode ser extraído ou suscitado a todo o momento.
Fincada na linguagem humana, "no fundo de cada homem", "algo que se confunde com o próprio tempo e também conosco, e que sendo de todos também é único e singular".
Por sua vez, a prosa, "primordialmente um instrumento de crítica e de análise", surge depois de longos esforços "destinados a domar a fala", quando esta dá lugar aos "procedimentos do pensamento", à coerência e à clareza.
Contrariando o burguês de Molière, não é verdade que se possa falar em prosa sem "ter plena consciência do que se diz". No entanto, mesmo na prosa, "obedecendo a uma misteriosa lei da gravidade", as palavras tenderiam a procurar naturalmente a poesia, como se ela fosse o fulcro reanimador do pensamento e da comunicação.
MIMETISMO
Em "O Arco e a Lira", a interação entre as duas linguagens será tecida por Paz (1914-1998) na condução de seu argumento em uma espécie de mimetismo dirigido, onde ele faz valer a força do crítico e a força do poeta, em um movimento que reúne persuasão e sedução.
Se mais não fosse, o livro já seria notável -ao enfrentar a enorme questão da especificidade do poético- por sugerir esta diferenciação "contraintuitiva", digamos assim, entre poesia e prosa, apresentando a linguagem poética como linguagem natural, morada do pensamento analógico, e a prosa como pensamento lógico.
Na base da poesia estaria o ritmo, que "prefigura a própria linguagem", presente em toda forma verbal, mas que só se manifestaria "plenamente" no poema. Entre o ritmo e a analogia, haveria assim uma espécie de afinidade primeira.
Em seu conhecido ensaio sobre Octavio Paz ("O Mundo como Texto"), Sebastião Uchoa Leite nos chama atenção para como o autor vai aplicar essas noções às tendências poéticas de um período histórico, estabelecendo a ligação entre o procedimento linguístico e o seu contexto temporal.
Assim, poetas como Charles Baudelaire-ao retornar ao ritmo e à analogia- teriam reagido à tendência lógica da língua francesa. Já os modernos poetas ingleses, ao contrário, adotaram intencionalmente o prosaísmo contra a tendência rítmica da língua.
ENORME ERUDIÇÃO
"O Arco e a Lira" é uma empreitada ambiciosíssima em que a reflexão sobre a poesia -ponto de partida central- incorpora análises sobre seu significado, sua estrutura e sua relação com o mundo.
As palavras de um poeta pertencem a um povo e "são datadas", e, ao mesmo tempo, são inauguração, algo absolutamente novo.
Elas consagram um instante concreto, em uma língua, em uma sociedade. São também manifestação da liberdade integral do poeta.
Sem a entidade histórica "que chamamos de Grécia não existiriam a 'Ilíada' nem a 'Odisseia'", diz Paz, e logo acrescenta: "mas sem esses poemas tampouco teria existido a realidade que foi a Grécia".
No correr de todo o texto, publicado em 1956, o poeta e crítico recorre a uma enorme erudição: atravessa os tempos, vai do Ocidente ao Oriente, evoca um sem número de poetas de todas as épocas.
É um livro ímpar, que continua sendo leitura indispensável e que entusiasma.
JOSÉ ALMINO, poeta e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, é autor de "A Estrela Fria" (Companhia das Letras).
O ARCO E A LIRA
AUTOR Octavio Paz
EDITORA Cosac Naify
TRADUÇÃO Ari Roitman e Paulina Wacht
QUANTO R$ 69 (352 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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