sexta-feira, 5 de abril de 2013

Editoriais Folha SP

folha de são paulo

Só a receita é certa
Prefeitura mantém repasses para entidades privadas de saúde mesmo quando consultas contratadas deixam de ser feitas
Portadora de osteoporose, a empregada doméstica Maria de Assis contava com assistência médica gratuita até setembro do ano passado, numa unidade especializada na zona norte de São Paulo. Desde então, ela não consegue marcar consultas; a médica que a acompanhava deixou de trabalhar no local e não foi substituída.
O caso não é isolado. Milhares de consultas deixam de ser feitas por entidades sem fins lucrativos (organizações sociais, ou "OSs") que mantêm contrato com a Prefeitura de São Paulo.
O mais espantoso, nesse quadro de precariedade crônica, não são nem mesmo as filas de espera e a desassistência da população. Conforme mostrou reportagem nesta Folha, o absurdo vai mais longe.
Mesmo quando não prestam os serviços contratados, as OSs continuam recebendo normalmente os repasses da prefeitura. Ou seja, são remuneradas do mesmo modo, atendendo ou não os pacientes.
Em 2012, o número de consultas contratadas nos Ambulatórios Especialidades e nas unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Especialidade deveria ser de 530.151. Apenas 347.454 foram efetivamente feitas.
No mesmo ano, a prefeitura pagou R$ 2,1 bilhões para as entidades privadas. Eis um caso em que a terceirização dos serviços não eliminou os clássicos problemas de ineficiência do setor público.
Este, evidentemente, adota um sistema incompatível com a racionalidade administrativa, estatal ou não. Receber o mesmo por um serviço que se faz ou se deixa de fazer, eis a fórmula perfeita para que nada funcione a contento.
Há argumentos, mesmo assim, para a prática instituída. O problema, observa Januario Montone, ex-secretário da Saúde na gestão Gilberto Kassab, é que muitos pacientes faltam às consultas marcadas. Os índices de absenteísmo dos doentes oscilam em torno de 30% na rede municipal.
O médico que não existe desatende o paciente que falta -e estamos todos no pior dos mundos. Isso para nada falar dos casos em que o doente sucumbe diante das longas esperas.
Excetuada a cogitação sinistra, é óbvio que muitas pessoas desistem quando se verifica não haver médicos para o atendimento. E a instituição privada não haverá de esforçar-se para contratar novos especialistas se continua recebendo quando o paciente não vem.
Cogita-se agora impor descontos aos repasses da prefeitura quando ocorre tal eventualidade. Enquanto isso, a gestão Fernando Haddad anuncia uma de suas diligências para atenuar o problema: telefonar ao paciente para lembrá-lo da consulta -15 dias antes da data marcada. Não chega a ser um trote, mas soa como ironia.

    EDITORIAIS
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    Avanço desarmado
    É um passo relevante a aprovação, na Organização das Nações Unidas, do primeiro tratado internacional para regular o comércio de armas convencionais.
    Após quase dez anos de negociações, a Assembleia-Geral da ONU acolheu o acordo por 154 votos a favor, 3 contra e 23 abstenções. Ele entrará em vigor 80 dias depois que for ratificado pelo 50º país.
    O evento vale mais por seus aspectos simbólicos do que pelas prováveis consequências práticas.
    Não é que as armas convencionais, que incluem desde revólveres até navios e aviões de guerra, careçam de importância. Ao contrário, elas têm sido as verdadeiras armas de destruição de massa, pois respondem pela quase totalidade das vítimas em conflitos. Artefatos nucleares, químicos e biológicos foram utilizados pouquíssimas vezes ao longo da história.
    O problema com o tratado é que ele, por definição, não dá conta de regular o mercado ilegal, onde ditadores e Estados delinquentes vão buscar os armamentos usados contra vizinhos ou em genocídios e atos de terrorismo que o acordo almeja evitar. Além disso, não prevê nenhuma punição para as nações que o descumprirem, o que ajuda a torná-lo uma peça de eficácia duvidosa.
    Deverá ocorrer algum ganho em termos de transparência, porém. As exportações de armas, em geral mantidas sob um manto de sigilo, terão de ser registradas pelos signatários e estarão sob permanente monitoramento de todos os Estados-membros.
    O mais significativo, contudo, é o fato de que o mundo finalmente chegou ao consenso de que o comércio de armas precisa ser objeto de algum tipo de regulação. O avanço é ainda mais relevante quando se considera que, menos de um ano atrás, as conversações sobre o acordo haviam fracassado.
    A relativa tibieza do texto foi certamente o preço a pagar para que a maioria das nações o aceitasse. Há agora um ponto de partida que pode ser aperfeiçoado no futuro.
    Um aspecto importante para os brasileiros é que o país, mesmo sendo um exportador de armas, desta vez se colocou do lado certo. Não apenas votou pela aprovação do tratado como ainda militou para que se aprovasse uma versão mais forte, o que acabou não acontecendo.
    Tal posição contrasta com a adotada na segunda metade dos anos 1990, quando o Itamaraty atuou nas negociações para enfraquecer o acordo de Ottawa, que baniu o uso de minas terrestres em 1999.

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