quarta-feira, 3 de abril de 2013

Em filme, Escorel faz tributo a Paulo Moura

folha de são paulo

Músico morreu antes de gravar, e diretor teve de recorrer a arquivos
Documentário que abre amanhã festival É Tudo Verdade aborda diferentes facetas do clarinetista paulista
LUCAS NOBILEDE SÃO PAULOA 18ª edição do É Tudo Verdade começa amanhã, em sessão para convidados, com um pedido de desculpas. Não da organização do festival, mas de Eduardo Escorel, diretor de "Paulo Moura - Alma Brasileira", documentário que será exibido na abertura paulistana do evento.
Tanto no começo quanto no fim do filme, em tom de lamento, o cineasta fala em "poderes mesquinhos" que impossibilitaram a veiculação de imagens e a preservação da memória do músico Paulo Moura (1932-2010).
"Enfrentamos vários tipos de dificuldades. Acho importante que o espectador saiba as circunstâncias em que o filme foi feito. Omitir isso seria uma traição com o público", diz Escorel.
Em 2008, ele decidiu que faria o filme, buscou patrocínios e recebeu autorização do próprio Moura para a realização do longa. Tudo mudou em julho de 2010, quando o compositor morreu, de um câncer no sistema linfático.
"Algumas pessoas [Escorel não quis dar nomes] tinham imagens e cobraram quantias exorbitantes. Pelo menos quatro sequências eu gostaria de ter usado no filme, mas não fui autorizado", lamenta.
Com a morte do músico, o cineasta teve de correr atrás de imagens, já que começaria a gravar com Moura apenas em agosto daquele ano.
Impossibilitado de filmar novos depoimentos do clarinetista -considerado um dos maiores instrumentistas do país-, Escorel optou por usar apresentações do músico inéditas no Brasil.
Há shows nos festivais de Montreux (Suíça), Berlim, Tel Aviv e Lagos (Nigéria).
Mas não houve apenas portas fechadas durante a feitura do filme. O cineasta também teve acesso à íntegra de uma entrevista concedida pelo músico ao violonista Marcello Gonçalves e ao diretor Mika Kaurismäki para o documentário "Brasileirinho" (2005). Os trechos não utilizados naquela produção foram usados por Escorel.
NEM CHORO NEM VELA
Ver Paulo Moura dar notas musicais "na trave", improvisando fora da harmonia proposta, era cena rara. Pelo menos uma vez isso aconteceu, de maneira justificável.
Dois dias antes de morrer, o clarinetista recebeu familiares e músicos na clínica São Vicente, na Gávea, onde estava internado, para a sua despedida musical.
No encontro, aéreo e sob efeito de sedativos, Moura tocou brevemente "Doce de Coco", de Jacob do Bandolim.
Convidado pela família do instrumentista, Escorel foi ao local, filmou a despedida, mas não recebeu autorização de alguns presentes para incluir as cenas no documentário sobre o músico nascido em São José do Rio Preto (SP).
"Como diretor, foi penoso ter que tirar aquela sequência do filme. Foi a única coisa que eu gravei com ele vivo, mas respeito a opinião das pessoas", lamenta Escorel.
É possível assistir a um trecho da sessão no YouTube.

    CRÍTICA - DOCUMENTÁRIO
    Músico se impõe, monumental, em obra que encanta pela beleza
    CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHANas primeiras imagens de "Paulo Moura - Alma Brasileira" veem-se uma árvore e uma gaiola e ouvem-se rumores e piados de passarinhos. Com elas, o documentário de Eduardo Escorel anuncia, mais que uma suposta intenção poética, um universo sonoro a descobrir.
    Logo em seguida, a voz do próprio diretor esclarece que o projeto, gestado desde 2008, de realizar um documentário baseado na vida de Paulo Moura, havia mudado de rumo com a internação do músico em julho de 2010 e a morte dele poucos dias depois.
    Numa breve cena filmada à distância, o filme se detém diante da morte, um limiar em relação ao qual prefere se desviar e seguir outro rumo.
    Sem a presença viva do objeto, o processo de documentá-lo não se orienta para a produção de um memorial, projeto digno, mas que, no entanto, tende a converter pessoas em heróis de pedra.
    Em nenhum instante aparecem depoimentos de amigos, parentes ou "especialistas" num esforço de decifração.
    Nenhum outro recurso de apresentação ou de ferramentas ultracodificadas do documentário, como depoimentos ou narração, entram em cena.
    A única entrevistada é a viúva de Moura, Halina Grynberg, de quem só vemos as mãos tirando fotos de uma pasta e escutamos a voz, situando as imagens e identificando as pessoas. Aqui, a emoção emerge espontânea.
    No entanto, Moura se impõe, monumental, por meio de gravações de shows, depoimentos inéditos, filmagens alheias que Escorel, com seu gênio de montador, distribui sem impor um relato de mão única.
    Nesta solução que à primeira vista se confunde com o acúmulo, não é só a beleza da música de Moura que encanta. A noção de alma e a concepção de brasileiro também assombram em forma viva.

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