sábado, 11 de maio de 2013

DOSES QUE MATAM-Guilherme Paranaiba‏

HPS João XXIII atende, em média, oito pessoas por dia intoxicadas por remédios, devido principalmente à automedicação. Seis pessoas já morreram este ano 


Guilherme Paranaiba

Publicação: 11/05/2013 04:00

Oito pessoas são atendidas em média por dia no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, no Bairro São Lucas, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, com intoxicação causada por medicamentos. Só este ano já foram seis mortes. Metade dos casos está relacionada à automedicação ou erros na administração e ao acesso e consumo indevido por causa de armazenamento inadequado. Os números podem ser ainda maiores, porque refletem apenas casos mais graves, restritos a uma única unidade hospitalar de urgência e emergência. Preocupado com a situação, o Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG) está orientando a população sobre os riscos da automedicação.

No ano passado, o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciat) do João XXIII registrou 2.971 casos com 15 mortes. Em 2009, foram 2.675, com mesmo número de óbitos. De janeiro até quarta-feira já são 1.081 e seis mortes, o que indica tendência de que até o fim do ano os atendimentos ultrapassarão 3 mil casos. Para o médico coordenador da unidade de toxicologia do HPS, Délio Campolina, a automedicação está relacionada à oferta de medicamentos em larga escala: “As drogarias são como supermercados, as pessoas praticamente escolhem o que querem”.

Além do uso indiscrimado, ele diz que as intoxicações acidentais são muito comuns. “Em vários casos ficam as sobras de medicamentos. É bastante comum uma criança pegar e ingerir sem saber o que é”, lembra Campolina. Segundo o especialista, o ritmo acelerado da vida moderna compromete a saúde das pessoas e uma consequência é a busca por medicamentos. “Essa realidade contribui para aumentar problemas psicológicos e de humor e por isso há consumo em maior escala”, completa.

Segundo o Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG), no ranking da automedicação estão os remédios conhecidos como antigripais, que concentram normalmente dois ou três tipos de substâncias. “Esses medicamentos agrupam analgésicos, antialérgicos e vasos constritores. O antialérgico pode causar sonolência e contribuir para acidentes, enquanto o vaso constritor tem como função bombear melhor o sangue e não pode ser usado por hipertensos, para não desregular a pressão arterial”, diz Claudiney Ferreira, vice-presidente do CRF.

Em segundo lugar estão os antiinflamatórios, usados para dores crônicas. “Nesses casos, o uso sem orientação pode causar inflamações no estômago, como irritações gástricas”, alerta ele. Para Ferreira, automedicação é um problema cultural. “O parente ou o vizinho indica e a pessoa acaba confiando que vai ter o mesmo resultado. Mas sabemos que não é assim. Um medicamento não é alimento nem cosmético. Qualquer um tem efeitos adversos e por isso um médico deve ser consultado”, lembra.

O vice-presidente do CRF afirma ainda que a baixa capacidade do sistema de saúde acaba incentivando a automedicação. “O sistema não comporta um atendimento a todos e isso motiva a pessoa a se tratar por conta própria, no caso de transtornos menores”, completa.


Pressão alta na indústria
Fracionar venda e dificultar acesso direto do consumidor aos remédios sem tarja são soluções apontadas pelo Conselho de Farmácia para reduzir intoxicação, mas os fabricantes resistem
 



Guilherme Paranaiba

Estado de Minas: 11/05/2013 


Enquanto os casos de intoxicação por remédios crescem no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, o Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG) aponta duas medidas para reduzir a automedicação e incentivar um consumo mais seguro. A primeira é a adoção de uma norma que deixe os medicamentos vendidos sem prescrição atrás dos balcões das farmácias, sem acesso direto do consumidor. A segunda é a venda fracionada em maior escala, segundo o vice-presidente do conselho, Claudiney Ferreira.

Existem os medicamentos sem tarja e vendidos sem prescrição médica, os de tarja vermelha, que exigem receita, e os de tarja preta comercializados com a retenção do pedido do médico. “No caso dos sem tarja, o simples fato de colocá-los atrás do balcão poderia servir para obrigar o contato da população com o farmacêutico para o entendimento do histórico do paciente”, diz Ferreira.

Já o fracionamento evitaria o uso de remédios comprados para outros problemas, mas que acabam não sendo usados por conta da quantidade comprada em outra ocasião. “Nesse caso esbarramos nos lucros da indústria farmacêutica. Já está regularizada a possibilidade desse tipo de venda, mas não há uma obrigação”, afirma o vice-presidente do CRF. Na última quarta-feira, farmacêuticos do conselho estiveram em quatro estações de metrô de BH para alertar a população sobre riscos do uso de remédios sem orientação médica.

A administradora de empresa Carla Ferreira de Almeida, de 33 anos, tomou um susto no ano passado quando o filho Tiago, de 9, ingeriu aspirina para curar uma dor na perna e teve reação adversa que provocou inchaço no corpo. “Ele estava na casa de um amigo e tinha jogado bola o dia inteiro. No fim do dia se queixou de dor e a mãe do colega achou melhor dar o medicamento para ajudar”, conta Carla.
Pouco tempo depois o menino começou a sentir coceira nos olhos e rapidamente ficou com as mãos e o rosto inchados, gritando de dor. “Quando cheguei ao hospital a médica me perguntou se eu tinha dado algum remédio. Falei da aspirina e ela disse que ele não poderia ter tomado, porque não se sabia de alguma provável alergia”, conta Carla.
Tiago precisou tomar injeções e descobriu ser alérgico ao medicamento, informação que hoje está em todos os locais que ele frequenta, para evitar novos transtornos. “A automedicação é prejudicial, pois pode mascarar uma doença mais grave”, afirma a mãe.


PRESSÃO Segundo a assessoria de imprensa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2009 a entidade colocou os medicamentos sem prescrição atrás do balcão das farmácias, mas a medida foi revogada no ano passado por causa de uma pressão sofrida pelo setor de produção. Foram cerca de 70 ações judiciais, além de leis estaduais em 11 estados tentando anular a norma.

 Além disso, a agência informa que um estudo mostrou que a mudança não conseguiu reduzir as intoxicações do país, o que motivou a revogação da resolução. Sobre o fracionamento, a Anvisa informa que já está regulada a venda fracionada no Brasil, mas não pode obrigar o comércio a cumpri-la. Para isso, diz que o Congresso Nacional está estudando a criação de uma lei para regular o comércio. 

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