sábado, 25 de maio de 2013

Editorias FolhaSP e Charge

folha de são paulo
Charge: joão montanaro
Em defesa da Anistia
É inoportuna a proposta de membros da Comissão da Verdade de rever lei que assegurou transição da ditadura para a democracia
Em evento que marcou o primeiro ano da Comissão Nacional da Verdade, alguns dos integrantes do colegiado se manifestaram a favor de recomendar a revisão da Lei da Anistia no relatório final dos trabalhos.
Embora as atividades da comissão não possam legalmente assumir caráter jurisdicional, punitivo ou persecutório, seus membros são livres para fazer constar no texto conclusivo as recomendações que julgarem mais convenientes.
No que tange à proposta de mudar a Lei da Anistia, trata-se de recorrente e rematado equívoco, cujas repercussões danosas se fazem pressentir em vários níveis.
Já de início, declarações nesse sentido, a um ano do encerramento das pesquisas, fomentam a discórdia no próprio grupo, uma vez que alguns de seus membros são contrários à proposta.
Ao mesmo tempo, reaviva-se a desconfiança de que os trabalhos em curso se pautem pelo espírito de revanchismo, o que por sua vez alimenta a reticência de representantes das Forças Armadas --que resistem, muitas vezes de maneira inaceitável, a colaborar com as requisições da comissão.
O Supremo Tribunal Federal confirmou, em 2010, a abrangência da Lei da Anistia, que impede a responsabilização criminal tanto de agentes do Estado quanto de militantes que combateram o regime. Datada de 28 de agosto de 1979, a legislação perdoa todos aqueles que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes por motivações políticas.
Não há dúvida de que o diploma se mostrou profícuo, com o passar do tempo. Refreou ímpetos que poderiam levar a um processo de aprofundamento de conflitos e divisões, em prejuízo do reencontro da sociedade consigo mesma e com a reconstrução da democracia --ora consolidada, de maneira inédita na história do país.
Vivemos numa nação que elegeu para presidente a ex-militante de um grupo de luta armada, a qual conta com o apoio político de personalidades ligadas ao então partido da ditadura, caso do ex-presidente José Sarney (PMDB).
Goste-se ou não, a passagem do regime de exceção para o Estado de Direito foi fruto de lutas, mas também de entendimentos. Antes de uma imposição, a anistia ampla foi um pacto que assegurou a transição democrática.
A tradição brasileira da reconciliação costuma ser vista por alguns como sinal de fraqueza histórica, quando na realidade tem contribuído para que o país não se dilacere em lutas internas.
A Comissão da Verdade faz um trabalho valioso de restabelecimento de fatos históricos. Deveria se concentrar em sua tarefa em vez de abraçar propostas inoportunas que extrapolam o seu próprio escopo.

O ótimo inimigo do bom
Têm razão as associações e conselhos médicos quando afirmam que a importação de profissionais estrangeiros não vai salvar a saúde pública nos rincões e periferias urbanas do Brasil. O problema central é a falta de uma estrutura sanitária digna do nome.
Se o governo pretende levar um sistema de saúde decente às populações marginalizadas do país, precisa desenhar diretrizes médicas factíveis e eficazes, cuidar para que não falte pessoal de apoio e garantir que medicamentos e insumos básicos estejam sempre nas farmácias e almoxarifados.
Feitas tais ressalvas, é preciso dizer que a grita dos conselhos e associações encerra uma boa dose de corporativismo.
Os órgãos de saúde pública nos Estados e municípios em que a carência de médicos é mais acentuada já oferecem salários acima dos de mercado. Se profissionais brasileiros não querem ir para lá, não há como obrigá-los.
Daí não decorre, contudo, que o governo federal não possa ao menos tentar reduzir a deficiência recorrendo a profissionais estrangeiros dispostos a trabalhar nas condições oferecidas.
Ninguém nega que a boa medicina envolve muito mais do que um médico com estetoscópio no pescoço. Mas também é melhor ter do que não ter um profissional de saúde de prontidão no hospital, mesmo que atue em condições adversas e que sua formação esteja aquém da ideal.
Defender o ótimo, no caso, acaba combatendo o bom --e o praticável. Ainda que a importação não passe de um paliativo, é preferível contar com alguém com formação médica a deixar pacientes sob cuidados exclusivos de profissionais de nível técnico --isso quando estes estão de fato presentes.
O Conselho Federal de Medicina levanta um ponto relevante quando manifesta preocupação quanto ao nível de formação dos estrangeiros, em especial o dos cubanos, com seu currículo bem menos extenso do que o do Brasil.
Parece exagero, entretanto, exigir que os profissionais que vêm para atuar em caráter emergencial e por um período de tempo limitado passem pelo mesmo processo de certificação (o Revalida) daqueles que pretendem fixar-se definitivamente no país.
Quantos médicos brasileiros, especialmente os que atuam já há certo tempo numa única especialidade, seriam aprovados numa prova geral como o Revalida?
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