quinta-feira, 30 de maio de 2013

Grifes nacionais se distanciam das medidas da silhueta brasileira média

FOLHA DE SÃO PAULO
PEDRO DINIZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A declaração do principal executivo da grife americana Abercrombie & Fitch, Mike Jeffries, de que a marca deixou de produzir peças femininas nos tamanhos GG e XG para associar seu nome apenas a "gente magra e bonita", provocou uma onda de protestos nas últimas semanas.
Se as americanas não encontrarão mais peças da marca, ícone dos EUA, nessas medidas, as brasileiras que vestem G já enfrentam as consequências de um raciocínio similar, ainda que não assumido, de marcas que são porta-vozes da moda nacional.
Nas últimas duas semanas, a Folha consultou, sem se identificar, nove lojas em shoppings ou "flagships" (lojas-conceito) de grifes brasileiras em São Paulo. Entre elas, Iódice, Alexandre Herchcovitch, Ellus, Reinaldo Lourenço, Osklen, Gloria Coelho, Forum e Forum Tufi Duek.
Ilustração Roberta Jaworski/Editoria de Arte/Folhapress
Em nenhuma delas havia peças das linhas principais nos tamanhos GG.
E mais: as medidas usadas para definir a modelagem dessas grifes --do P ao G ou do número 36 ao 46-- pouco condizem com as medidas reais da mulher brasileira.
É esse desajuste entre corpo e vestimenta que revela um estudo do Senai Cetiqt, iniciado em 2006. Trata-se da maior pesquisa já realizada no país sobre as medidas das brasileiras, feita com 6.800 pessoas.
Segundo dados preliminares do estudo, aos quais aFolha teve acesso, 64,4% das mulheres do Sudeste têm, em média, 97,1 cm de busto, 85,4 cm de cintura e 102,1 cm de quadril (veja ao lado).
A reportagem mediu vestidos, peça icônica do vestuário nacional, nas lojas de Gloria Coelho, Iódice, Ellus, Forum e Forum Tufi Duek.
À pedido da Folha, o próprio Senai Cetiqt comparou as medidas das peças às do corpo médio da brasileira. E concluiu: tamanhos 42 e 44, ideais para as medidas médias da brasileira, têm, nestas grifes, cerca de 10 centímetros a menos do que o necessário para vesti-las.
"As brasileiras são maiores do que as marcas 'de ponta' acreditam. A maioria delas é corpulenta e usa tamanhos entre 42 e 46", diz Flávio Sabrá, coordenador do estudo.
"Sim, a brasileira é gostosona. Tem boa estrutura e muita carne", brinca ele.
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Veja o trailer de "Fora do Figurino - As Medidas do Jeitinho Brasileiro", documentário de Paulo Pélico lançado neste ano, que trata da falta de adequação do vestuário à realidade brasileira, com modelos inspirados em padrões corporais estrangeiros.
Grifes têm baixa oferta de tamanhos ditos grandes
Falta de GG em marcas nacionais dificulta vida das consumidoras
Estudo inédito aponta desajuste entre as medidas das brasileiras e a modelagem de peças oferecidas pelas lojas
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAA poucos dias de se casar, a executiva Raissa Kahn, 31, ainda não conseguiu encontrar um vestido "de grife" no tamanho 48 para selar a união no cartório.
"Já não espero encontrá-lo na rua Oscar Freire", diz sobre o endereço na zona oeste de São Paulo conhecido pelas concentração de grifes nacionais e estrangeiras. "As roupas dessas lojas são sempre pequenas. Nenhuma marca ali tem meu número."
Acima do seu peso ideal, assim como mais da metade da população brasileira, segundo o último levantamento do Ministério da Saúde, Raissa também está acima do tamanho máximo --manequim 46-- oferecido por parte das marcas importantes do cenário da moda nacional.
Das grifes visitadas pela Folha --Ellus, Iódice, Osklen, Reinaldo Lourenço, Alexandre Herchcovitch, Forum, Forum Tufi Duek e Gloria Coelho-- apenas uma, Gloria Coelho, disponibilizava no estoque de suas lojas uma peça de sua linha principal no padrão GG (ou 48).
"Da Ellus, por exemplo, uso alguns modelos de calças jeans, que cabem em mim. Vestido, não tem. Da Osklen, não uso mais nada desde que eles começaram a diminuir as cinturas das peças", destrincha Raissa.
E continua: "Já a Iódice é uma marca que nunca tentei vestir. É que, só pela vitrine, já consigo identificar grifes cujas roupas não me representam e sei que, se vesti-las, vou sair triste do provador".
SEM MEDIDA
Em uma das lojas da Iódice, por exemplo, um vendedor disse à reportagem para "esquecer" quando questionado se haveria em estoque um vestido de festa 46 --último manequim do tamanho G adotado no Brasil.
Outra loja da marca do estilista Valdemar Iodice, atual presidente da Associação Brasileira de Estilistas, oferecia apenas um modelo de blusa no padrão GG.
O vendedor justificou a falta: "Vestido da nova coleção [de verão 2014, desfilada na São Paulo Fashion Week] não tem. É que não ficam bem num número grande".
Em um dos endereços da Forum Tufi Duek --marca de luxo do grupo AMC Têxtil, dono de grifes como Forum e Colcci, e que carrega o nome de um dos maiores estilistas do Brasil-- havia apenas um vestido preto disponível no tamanho 44.
Em outra loja da marca, era possível encontrar dois modelos com essa mesma numeração.
"Mas a modelagem é pequena, a mulher tem que vir provar porque às vezes é difícil uma mais cheinha' entrar", afirmou, atencioso, o vendedor da etiqueta.
Segundo o gerente de inovação do Senai Cetiqt, Flávio Sabrá, que coordena um amplo e inédito estudo antropométrico do corpo brasileiro, as marcas se baseiam num padrão de mulher aleatório para compor a modelagem de seus tamanhos.
"A média pode ser a do corpo da dona da marca, por exemplo", brinca Sabrá. "Nas grandes grifes, as modelos de prova costumam ser mulheres altas, longilíneas e magras, que, até agora, fogem bastante do padrão identificado pelo estudo", afirma.
ANTROPOMETRIA
De acordo com a pesquisa, que terá seu resultado parcial divulgado neste semestre, mas cuja íntegra só sai em 2014, a mulher de estatura média (1,61 m de altura) representa 64,4% do total dos 6.800 corpos medidos pelo estudo. A mulher baixa (1,53 m) corresponde a 20,6% do total de pesquisados; e a alta (1,68m), 15%.
"Dentro de cada um desses percentuais estão embutidos nove corpos diferentes, com medidas de busto, quadril e cintura distintos", diz Sabrá.
Os resultados da pesquisa, que já consumiu R$ 6 milhões dos fundos do Senai, podem servir de base para a indústria de confecção criar tabelas confiáveis para a produção de roupas que atendam a seus clientes.
Com a tendência de crescimento das compras on-line, medidas confiáveis serão cada vez mais importantes para o setor. Mas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), essa normatização de tamanhos é um tabu para marcas nacionais, mesmo sem caráter obrigatório.
Para a Abit, "alguns confeccionistas acreditam que padrões de medidas engessariam a produção. Há ainda o temor de que as médias se tornem obrigatórias, o que não deve ocorrer".
A advogada Patrícia Levy, 27, seria uma das beneficiadas com a padronização.
Consumidora voraz de marcas de luxo, seu corpo se encaixa nas medidas médias identificada pelo estudo. Mas ela tem dificuldade para encontrar peças com bom caimento no manequim 44.
"Tenho pernas e quadris largos, cintura fina e busto grande. Numa roupa de festa do Reinaldo Lourenço, por exemplo, só entro no tamanho G", explica ela.
Patrícia conta que, para conseguir peças que lhe sirvam, pede aos vendedores das lojas que lhe telefonem logo que chegam novidades às araras. "É que os números maiores sempre acabam mais rápido."
    'Demanda' e 'mercado' influem na produção de G e GG, dizem marcas
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHAA suposta demanda incipiente por números maiores do que 44 e uma alegada dificuldade em adequar o modelo de negócio das grifes à produção em larga escala desses tamanhos são fatores que, segundo estilistas, limitam a variedade de modelos oferecidos nas lojas.
    Procurados pela reportagem, os estilistas Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho foram os únicos a atender aos pedidos de entrevista.
    Coelho, que cobra 30% a mais para fazer peças da sua linha de festa sob medida, diz não esquecer "as mulheres especiais" --que usam tamanho GG-- e que produz modelos pensando nelas.
    "Entretanto, a faixa em que a minha clientela se concentra [de 15 a 30 anos] não usa números maiores do que 44. Por isso, não dá para fazer vários modelos acima disso."
    E acrescenta: "Acredito que, para as outras marcas, talvez não seja bom negócio produzir tamanhos maiores também. Suas roupas, mais justas e curtas, não se encaixariam num padrão grande".
    Lourenço, que também oferece peças sob medida com acréscimo de 20% no preço, diz que cada marca tem seu padrão de medidas. "Eu, por exemplo, já percebo que as minhas clientes procuram números maiores. Na próxima coleção, vou oferecer opções acima do G", afirma.
    O estilista apoia o movimento atual em favor da normatização de medidas: "Seria bom entender o corpo da mulher brasileira para ter um referencial sobre o corpo para o qual criamos".
    A Iódice limitou-se a dizer por e-mail que algumas linhas da marca, como a de jeans, oferecem tamanhos maiores. Além disso, informou que a "experiência de mercado" mostra que o consumo de peças acima de 46 é menor nas lojas de São Paulo, o que explicaria a baixa oferta de números grandes.
    Procurada, a Abest (Associação Brasileira de Estilistas) disse não ser seu papel comentar a normatização.
    Assim como a Iódice, a Ellus apontou a baixa demanda como razão para não oferecer peças femininas no tamanho GG --e poucas no G. Por e-mail, a assessoria explicou que era comum sobrarem peças desses moldes e que, por uma questão de "adaptação de mercado", deixou de produzir modelos GG.
    A assessoria de imprensa da Forum Tufi Duek e de Alexandre Herchcovitch disse que os estilistas não poderiam falar por estarem no exterior. Já a Osklen alegou indisponibilidade de agenda do estilista Oskar Metsavaht.

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