quinta-feira, 16 de maio de 2013

VIDA DE CIENTISTA » Até os consagrados sofrem-Carolina Cotta‏

Renomados cientistas BRASILEIROS não estão livres de enfrentar burocracias NO DIA A DIA. Eles reconhecem AUMENTO dA PESQUISA no país, mas ponderam que qualidade não acompanha índices 


Carolina Cotta

Estado de Minas: 16/05/2013 

Sérgio Danilo Pena, integrante do grupo de cientistas que trabalharam no projeto Genoma Humano – um dos maiores esforços internacionais para mapear os genes do homem –, fez pesquisa e lecionou em grandes universidades mundiais por 12 anos. Em 1988, introduziu os testes de paternidade por DNA na América Latina. Já formou 40 doutores, mas tem a mesma dificuldade de importar um reagente que qualquer outro pesquisador. Na quinta e última reportagem da série “Vida de cientista”, o Estado de Minas mostra que a realidade dos percalços da ciência nacional não bate à porta apenas dos  recém-doutores. Cientistas de renome internacional também sofrem na pele com dificuldades.

Sérgio Pena chega a esperar semanas, às vezes meses, para ter o reagente liberado em seu laboratório na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, ou em seu laboratório privado, o Gene. É prova de que os grandes nomes da ciência nacional enfrentam os mesmos problemas de burocracia, remuneração e infraestrutura, mesmo tendo visibilidade internacional.

Especialista em genética, o pós-doutor pelo National Institute for Medical Research, de Londres, tem assento no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, diretamente ligado à Presidência da República. Vê com bons olhos o 13º lugar em produção científica conquistado pelo Brasil, que ultrapassa importantes países europeus, e com olhos menos satisfeitos o ranking de citações, resultado de artigos publicados por pesquisadores brasileiros. “Cresceu a publicação, mas a qualidade do que é produzido não acompanhou esse número”, critica.

Exemplo de modelo no qual o Brasil precisa investir, a ciência translacional, aquela que tem uma reverberação na sociedade, Pena, assim que voltou do exterior, preocupou-se em abrir não só sua linha de pesquisa e laboratório na UFMG, mas também um espaço privado de pesquisa. Para isso, precisou se multiplicar. “Fazia pesquisa no hospital e no Gene. Investi muito para ter uma carreira acadêmica e também privada. Faço pesquisa acadêmica em um e ciência aplicada no outro. Desde o começo vivi esse binômio hoje tão desejável da interação da universidade com a empresa.”

Por outro lado, ele considera fazer ciência em empresa duplamente complicado no país. Nas universidades, por exemplo, é possível fazer importação direta. Nas empresas acaba aparecendo a figura do atravessador. Isso sem contar a demora. “Fora da universidade preciso pagar mais imposto. O que custaria R$ 100 mil, vira R$ 300 mil. Mas talvez o que mais incomode é a morosidade. Tenho que pensar hoje o que vou precisar daqui a seis meses. Isso atrasa a pesquisa.”

PERDA DE TEMPO O problema não é diferente no Departamento de Física, onde trabalha o professor Marcos Pimenta, de 55 anos, referência em nanotubos de carbono. Pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, nos EUA, o pesquisador lembra dos tempos em que fez pesquisa na universidade americana. Se pedia um filtro ótico, no dia seguinte o equipamento estava em sua mesa. “Aqui, tenho que escrever um projeto, esperar que seja julgado, aguardar o dinheiro, fazer o processo de importação. Depois de seis meses, ainda tenho que buscar o material no aeroporto. Passamos parte do tempo trabalhando em coisas que não são nosso objeto final”, diz.

Segundo o secretário-executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luiz Antônio Rodrigues Elias, o problema do atraso das importações está melhor desde a criação do CNPq Expresso, que reduz a burocracia. A ideia do programa é dar agilidade à vistoria da Receita Federal, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e outras instituições de fiscalização nos aeroportos internacionais. “A fiscalização é necessária. Se vou importar um ser vivo para pesquisa, tenho que garantir a sanidade da amostra”, justifica.

Fundador de uma linha de pesquisa inédita no Brasil e à frente do laboratório de espectrospia Raman, que estuda a interação entre luz e matéria, Marcos Pimenta também vê outros entraves ao progresso da ciência nacional, como o tempo de dedicação às aulas. Segundo ele, em países desenvolvidos um pesquisador leciona no máximo quatro horas semanais. A situação já ocorre na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A própria Universidade Federal do Rio de Janeiro já baixou para seis horas. Na UFMG a carga didática é de nove horas por semana.

BOLSA IRRISÓRIA “Damos muita aula e assim ficamos em desvantagem também no tempo disponível para a pesquisa. Muitas vezes trabalhamos como um don Quixote, o tempo inteiro lutando contra os moinhos para fazer a coisa andar”, desabafa. Pesquisador 1A do CNPq, o mais alto nível a ser alcançado por um cientista brasileiro, Marcos recebe uma bolsa de R$ 1.500 em reconhecimento à sua produtividade. Ser referência em sua área tampouco lhe dá retorno salarial. Como professor titular tem salário líquido de R$ 9.500 mensais. “O cientista não é movido pelo dinheiro, mas somos meio vaidosos, existe um certo narcisismo, uma busca por reconhecimento, que é nossa maior força interna”, defende o físico.
Sérgio Pena, em área oposta, não discorda. Convidado para dar uma aula inaugural do curso de medicina, apresentou aos alunos sua visão do que move o cientista no século 21. Em sua opinião, não é fama e glória, e lembrou o fato de o descobridor do código genético, Marshall Niremberg, ter sido identificado com uma interrogação em uma legenda de foto no Instituto de Ciências Biológicas/UFMG, feita por uma secretária da época de sua visita a Belo Horizonte. Tampouco é a expectativa de ter vida mansa, já que é uma atividade de muito trabalho. Boa remuneração também não explicaria essa decisão. Sobrava a quarta opção: criar algum conhecimento novo, de vez em quando. “Essa é a única razão. Esse é o prazer da vida científica. Nosso hobby é a ciência e a frase famosa entre os pesquisadores ganha sentido: ‘Se já temos a ciência, para que algo mais?”

ENTREVISTA » "É preciso mais inovação no país"
Publicação: 16/05/2013 04:00

Luiz Davidovich
Pós-doutor em física e professor titular da Universidade Federal do Rio De Janeiro


Membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências, do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Internacional para a Ciência e da National Academy of Sciences (EUA), Luiz Davidovich é um dos grandes nomes da física mundial. As 24 horas do dia não são suficientes para dar conta de tanta atividade. “Fico sempre devendo”, brinca. Para ele, a pesquisa no Brasil e a inovação tecnológica estão tendo importante impacto internacional, embora a inovação ainda caminhe de forma incipiente. 

A pesquisa brasileira progrediu na última década. Que desafios persistem?
A ciência brasileira está sendo publicada em boas revistas científicas, mas, com raras exceções, ainda não está pautando os principais desenvolvimentos científicos e tecnológicos internacionais. É necessário um salto de qualidade, para alcançar um novo patamar que coloque o país como protagonista no cenário internacional. É necessário ampliar a base que dará origem aos profissionais do futuro e diversificar as instituições de ensino superior. Precisamos investir em áreas do futuro e superar a burocracia. É necessário também reformar com urgência a carreira docente das universidades federais, de modo a valorizar a formação pós-graduada e assegurar que o mérito seja reconhecido. Zelar para que os jovens professores não fiquem soterrados por um número excessivo de horas de aula, exatamente no período de suas carreiras em que podem ser mais criativos na pesquisa, é essencial. Há ainda o grande desafio de modernizar os programas das universidades.

Um brasileiro tem menos oportunidade de sucesso com a estrutura de pesquisa que tem?
Estamos ainda distantes do nível de publicações dos países desenvolvidos. Em parte, essa distância está associada à diferença de recursos para a ciência, à falta de equipamentos adequados para investigações na fronteira do conhecimento em várias áreas. No Brasil, devemos contar com boas ideias realizadas em equipamentos de baixo custo, mas isso não leva o país às primeiras posições na escala de qualidade das publicações internacionais. Pesquisadores brasileiros, sobretudo os envolvidos com pesquisa experimental, gastam um tempo apreciável lutando contra a burocracia, procurando importar insumos ou equipamentos. Ou brigando para fortalecer a universidade. Por outro lado, padece a ciência no Brasil de critérios de avaliação de pesquisadores e programas que privilegiam a análise quantitativa, em detrimento da qualitativa.


GALERIA DE NOTÁVEIS


CARLOS CHAGAS
Oliveira (MG)


Pela primeira vez na história da medicina, um pesquisador conseguiu descrever, por completo, o ciclo de uma doença. No caso, o mineiro Carlos Chagas e a tripanossomíase americana, conhecida como doença de Chagas. O médico e sanitarista foi responsável por importantes descobertas no ramo da parasitologia e da saúde pública: seus estudos possibilitaram o avanço das práticas de prevenção e combate a doenças como a malária e a gripe espanhola. Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializou-se no estudo experimental das doenças tropicais. Contratado por Oswaldo Cruz com a missão de controlar a epidemia de malária que assolava o município de Itatinga (SP) e o Norte de Minas Gerais, Chagas acabou descobrindo algo maior. Suas pesquisas em Minas o levaram a um protozoário até então desconhecido, que denominou de Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz. Ficou mundialmente famoso. Em 1921, em viagem pelos Estados Unidos para uma série de conferências, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Harvard, tornando-se o primeiro brasileiro a obter a condecoração. Chagas foi ainda membro honorário da Société de Pathologie Exotique da França, da Royal Society of Tropical Medicine da Inglaterra e das Academias de Medicina de Paris, Bruxelas, Roma e Nova York.

Fonte: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia 

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