domingo, 23 de junho de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Rito de iniciação política‏


Estado de Minas: 23/06/2013 


Estamos assistindo a um grande rito de iniciação política. Essas manifestações de junho de 2013, que cobrem todo o país e que surpreendem os analistas sociais e políticos, podem ser lidas como o rito de iniciação de uma nova geração. Uma nova geração que curiosamente é constituída de jovens e velhos. Sim, há pessoas mais velhas metidas nisso. Alguns estão indo com os filhos. Participaram da queda de Collor há uns 20 anos e agora retomam as ruas.

Mas hoje é diferente. No tempo de Collor, as ruas só se manifestaram depois que o Congresso e a imprensa acuaram o presidente. Naquela época, as ruas ecoaram o que estava sendo dito em Brasília e nos jornais. Agora é diferente: Brasília e os jornais foram pegos de surpresa. Os políticos e a imprensa vieram a reboque das mídias sociais. A informação não tem centro, é gerada de vários pontos. Não sabemos sequer quem são os líderes dessa hidra de tantas cabeças. Os políticos ainda estão perplexos, não sabem o que fazer, por isso a campanha para a presidência ficou paralisada ou desorganizada. A imprensa acordou. Os discursos do PT e do PSDB ficaram velhos. E, curiosamente, alguns velhos incendiários de ontem, alguns que viveram os dramas de 1964 e 1968 não sabem o que fazer diante dos fatos tão desnorteadores.

Estamos assistindo a um rito de iniciação de uma nova geração. Isso pode levar a alguma coisa ou pode levar a nada. Pode ser um simples “estouro da boiada” que Euclides da Cunha belamente descreveu. Mas pode ser princípio de algo novo. Quem viver verá. Ou não.

Ouvi de muitos jovens que partiram para esse rito frases que essencialmente diziam: quero um país novo, basta de miséria e corrupção! Temos que melhorar a saúde e a educação! Vamos acabar com as favelas em torno de nossas cidades! Temos que ir além da Bolsa Família, temos que criar outro tipo de representatividade!

Toda geração acha que está reinventando a roda e a história. Se assim não fosse, que graça teria a vida e a roda?
Os ritos de iniciação, no entanto, são apenas parte de uma trajetória. Depois é que começam as responsabilidades. Há que sair da casa dos pais e ingressar num código novo, no qual o princípio do prazer será confrontado com o princípio da realidade.

Nos anos 60 lia-se muito Herbert Marcuse. Não sei que utilidade ele teria hoje. Esse filósofo, que vivia na Universidade de Santa Barbara, ao lado da universidade onde eu lecionava em Los Angeles, fazia a louvação de uma sociedade que conciliasse Eros, Orfeu e Dionísio. Muito bonito e utópico. Segundo alguns, a cultura hippie veio de certa forma desse pensamento. E o mundo nunca mais foi o mesmo.

Já que falei do passado, caio nos anos 70, quando Roberto DaMatta e eu fizemos vários estudos sobre a teoria da carnavalizacão. É dele aquele clássico estudo sobre as similitudes entre as paradas, as procissões e o carnaval. Chegamos a esboçar um livro com textos teóricos sobre isso e as diferenças entre revolta e revolução. Pois paradas, procissões, carnavais, revoltas e revoluções são ritos sociais.

Seria interessante que se estudasse o que está ocorrendo através desse prisma. A teoria da carnavalização lida não apenas com os ritos de iniciação, com os rituais sociais, mas com essa coisa fascinante que é a mistura da festa com a guerra. E essas demonstrações da qual participamos fisicamente ou que são vistas nos jornais e tevês nos falam não apenas da festa e da guerra, mas também da nefanda barbárie e da intornável utopia.

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