domingo, 23 de junho de 2013

Dona do verbo-Ailton Magioli‏

No disco Tudo, Joyce deixa aflorar sua veia autoral e assina sozinha oito das 13 faixas. O público ajudou a definir repertório no final de shows realizados na capital paulista 


Ailton Magioli

Estado de Minas: 23/06/2013 


Apesar de a compositora sustentar a cantora, como ela gosta de dizer, nem sempre Joyce Moreno lança um disco autoral como Tudo. “Meu último 100% foi Gafieira moderna (2001), seguido de Banda maluca, dois anos depois, com apenas três canções que não eram minhas”, diz ela.

Joyce avisa: é compositora, antes de tudo. “Isso, desde o primeiro disco, além do fato de intérpretes como Elis Regina, Milton Nascimento, Gal Costa, Ney Matogrosso, Nana Caymmi e Fafá de Belém gravarem minhas composições”, acrescenta. “Disco autoral não se lança a toda hora”, pondera, lembrando que necessita de um tempo para o “buquê certo” de canções vir à tona com algo que justifique a combinação entre elas. Em 45 anos de carreira, já são mais de 30 álbuns.

Originalmente lançado no Japão, Tudo chega simultaneamente aos mercados europeu e norte-americano pelo selo Far Out Recordings. Em iniciativa inédita em sua carreira, a cantora, além de pesquisar via internet, consultou o público de seus shows para saber que disco lançar. O inédito Rio, com canções sobre a Cidade Maravilhosa, está na fila aguardando uma boa data para chegar a público.

“Rio traz até uma inédita (Rio meu). Na verdade, é um disco com regravações e raridades, como o trecho da Sinfonia Rio de Janeiro (Tom Jobim-Billy Blanco) que gravei”, relata Joyce. A cantora promoveu votação ao final dos shows, em São Paulo, com canções dos dois álbuns. “Foi interessante. Tanto a pesquisa virtual quanto a real deram, em média, 90% de votos favoráveis ao CD de inéditas. É bacana ver a ansiedade por repertório novo”, revela.

Para ela, há excesso de regravações na MPB. “E isso não é de hoje”, acrescenta. O motivo é o fato de as pessoas se dizerem sem paciência para o repertório inédito. Mas algo mudou. “Agora é diferente. As inéditas têm provocado impacto no público. As pessoas costumam sair dos shows assobiando as músicas”, comemora.

Briga Nos anos 1970/1980, intérpretes brasileiras brigavam pela produção dos compositores. “Se você gravava uma inédita, tinha de escondê-la até o lançamento do disco”, relembra. Ela mesma agiu assim. “Quando fiz Monsieur Binot, escondi-a da Elis Regina, porque sabia que ela iria gravar e se apropriar da canção”, confessa Joyce. “Hoje, ninguém procura músicas novas. Tudo ficou muito estranho, você não vê criatividade, nada que seja realmente interessante”, afirma.

A cantora e compositora não perdoa os hits contemporâneos. “Você liga a TV e ouve eu quero tchu, eu quero tcha. É a trilha sonora da barbárie, que fala de sentimentos primários. Os profundos deixaram de ser importantes para a música”, acredita.

Mas Joyce avisa que esse não é o seu caso. “Se quiser uma música, vou lá e faço”, conclui.


Bossa nova com galope


Em Tudo (Biscoito Fino), Joyce assina oito canções. O repertório vai do samba ao jazz, passando por galope nordestino, choro e bossa nova clássica. Joyce estreia parcerias com Nelson Motta (Estado de graça) e Teresa Cristina (Sem poder dançar), além de se manter fiel a velhos companheiros, como Paulo César Pinheiro (Quero ouvir João e Dor de amor é água) e Zé Renato (Pra você gostar de mim). Com o ex-Boca Livre, divide os vocais de Dor de amor é água. Sozinha, fez Boiou, Puro ouro, Aquelas canções em mim, Claude et Maurice, Trianguelingue, Domingo de manhã, Choro do anjo e a faixa-título. “A cada dia esse disco se mostra mais atual, porque prega a tolerância. O Brasil vive um momento de grande intolerância. É importante, portanto, bater neste tecla: falar e ouvir o outro.”

SAIBA MAIS


Quase “mineira”


Em 1964, aos 16 anos, Joyce estreou num estúdio fonográfico. Ela participou de disco do Sambacana com músicas do compositor mineiro Pacífico Mascarenhas. Em 1968, a carioca lançou o primeiro LP, batizado com seu nome, pela Philips. O repertório trazia canções de Toninho Horta e Ronaldo Bastos, futuros sócios fundadores do Clube da Esquina. Em 1969, Joyce defendeu Iara bela, de Toninho, no Festival Universitário de Belo Horizonte.“Com 19 anos – quando a gente se conheceu, somos da mesma idade –, ele já era o Toninho e tocava praticamente como hoje. Ele já veio pronto, nasceu prontinho. A linguagem de violão do Toninho Horta era escandalosamente avançada e própria”, afirmou ela em depoimento ao Museu Clube da Esquina. “Do Bituca não há o que dizer. Era aquela coisa deslumbrante.”

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