domingo, 23 de junho de 2013

Entrevista Gilberto de Mello Kujawski

folha de são paulo
Cotidiano roubado
As cidades estão em mãos estranhas
(RICARDO MENDONÇA)RESUMO A vivência nas grandes cidades está perturbada porque elas estão nas mãos insensíveis de tecnocratas, engenheiros e administradores, defende filósofo. Movimento tenta recuperar as ruas, e ocorre agora devido a um acúmulo de insatisfação diante de diversas promessas não cumpridas por governantes.
O filósofo Gilberto de Mello Kujawski diz que os protestos pelo país simbolizam uma tentativa de apropriação da cidade por seus habitantes. Mas ele alerta para a possível entrega das ruas "aos que têm raiva". De tendência conservadora, Kujawski entende que o acúmulo de promessas não cumpridas explica a eclosão dos atos.
Ele destaca a desconexão entre anseios da população e as prioridades dos políticos, como o gasto com estádios. E reprova o comportamento de governantes no episódio, em especial o do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), a quem admira.
Folha - Como o sr. está vendo esses acontecimentos?
Kujawski - Com inquietação, claro. Ninguém sabe qual é o rumo das coisas.
Que balanço o senhor faz?
O lado bom foi definido por um cientista político cujo nome me escapou. Ele disse que é um movimento que está colocando a cidade em nossas mãos. Realmente São Paulo, Rio, as grandes cidades estão em mãos estranhas, de tecnocratas, engenheiros, políticos, administradores. Dos que não têm muita identidade com a cidade viva. Eles tratam de uma cidade que só existe na cabeça deles, muito regulamentada, burocrática, economicista. É uma cidade que foge aos padrões da vivência cotidiana.
Vivência cotidiana seria andar nos parques, ruas, encontrar um amigo e conversar tranquilamente numa esquina. Tudo isso está ficando impossível. A pessoa está conversando à noite com um amigo na esquina e pode ser baleada. O cotidiano da cidade está perturbado. O habitante não tem mais direito ao seu cotidiano.
O transporte traduz bem essa ideia de direito ao cotidiano?
O cotidiano seria andar de ônibus numa condução regular, decente, limpa, pontual. Não existe. Diariamente a gente vê atraso dos trens. Um incidente qualquer, os trens atrasam, fica aquele povo todo esperando. Você embarca como gado, é conduzido como gado.
E o aspecto ruim?
O ruim é que a cidade pode cair em mãos violentas, desajeitadas, mãos de sociopatas. Como é o que está acontecendo. Depredadores, vândalos, os que destroem tudo o que encontram. São os que têm raiva da cidade. Raiva porque a cidade não permite mais uma vida normal. Todos temos um pouco de raiva. Mas não é com raiva destrutiva que se conserta as coisas.
Por que esse movimento desencadeou agora?
Acúmulo de insatisfação. O brasileiro é vítima de promessas não cumpridas. É um mundo azul que está logo ali, mas nunca é atingido. Fiquei muito impressionado com um cartaz que dizia o seguinte: "Um professor vale mais que o Neymar". Achei muito interessante.
Os entusiasmos do país estão sendo conduzidos de maneira errada. E o governo, quando faz aqueles estádios monumentais, gasta fortunas, está nessa direção de favorecer mais o Neymar que o professor. Nossa professora que vai dar aula no meio rural, sem condução, com um sacrifício tremendo, essa é a maior heroína.
Nos atos, quem levantava bandeira de partido era censurado.
Censurado e hostilizado. Coerência: não querem interferência desse tipo de gente. Seria uma espécie de apropriação por um partido. Se fosse apropriado por partido, todas as pretensões ficariam desfiguradas, muito diminuídas. Nada de oficialização. Mas isso é bom e mau. É preciso que esse movimento deságue numa instituição para ter continuidade. Por enquanto não há mostra disso, outro perigo. Os líderes, se é que existem, são líderes embuçados.
Deveriam criar um partido?
Agora, não. Mas no final, deveriam. Sem institucionalização essa coisa não se sustenta. Veja o que ocorreu com o Ocupe Wall Street. Veio o inverno e o derrotou. O inverno tem uma força. Isso é interessante também, depende de fatores imponderáveis. Suponhamos que nesses dias estivesse chovendo torrencialmente. Esse movimento não existiria. Por falta de condições meteorológicas.
O que achou do comportamento das autoridades?
Errático. Primeiro entraram com violência. Foram criticados e então ficaram tímidos demais. Na hora de agir, não agiram. Deixaram perpetrar barbaridades por medo de censura. Cruzaram os braços, com medo da mídia, da sociedade.
Está falando de Geraldo Alckmin?
Infelizmente, sim. Porque eu o admiro.
E o Haddad?
Também vale. Mas aí eu não digo infelizmente (risos).
    A direção do PT está em pânico, diz historiador
    Na quarta-feira, enquanto o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciavam, constrangidos, o cancelamento do reajuste no transporte, começava a ganhar corpo no comando do PT a ideia de tomar as ruas no dia seguinte, numa tentativa de reverter a imagem de partido vilão dos protestos.
    Uma das marcas dos atos que pipocaram em diversas cidades do país foi o repúdio a qualquer tipo de manifestação partidária durante as passeatas. Algo talvez inédito na história das manifestações políticas brasileiras. Desde o início, foram muitos os depoimentos de censura e agressões contra quem tentasse levantar cartaz ou bandeira de partido político.
    Com a presidente Dilma Rousseff e o próprio Haddad entre os principais alvos das manifestações, não é difícil entender porque o PT acabou sendo o mais hostilizado.
    Na quinta, conforme o plano petista, alguns grupos de simpatizantes da sigla saíram de vermelho com suas bandeiras para se juntar à manifestação convocada para a avenida Paulista. A ideia era "comemorar" a redução das tarifas. O resultado foi um quebra-quebra entre os manifestantes em que os petistas, justamente por estarem de vermelho, ostentando símbolos da legenda, levaram a pior.
    O ato simbólico mais revelador da derrota petista foi protagonizado pelo presidente nacional da sigla, o deputado estadual Rui Falcão, de São Paulo.
    Na própria quinta, enquanto militantes da sigla ainda apanhavam na rua, Falcão retirou de sua conta no Twitter a mensagem do dia anterior com a hashtag #OndaVermelha. O chamamento que convocava a militância petista para a reação simplesmente desapareceu.
    Antes do conflito das bandeiras na Paulista, o historiador Lincoln Secco, autor de livro sobre a história do PT, já tinha uma conclusão sobre a repercussão dos protestos no interior da legenda: "A direção do PT está em pânico".
    "É a primeira vez que o PT precisa enfrentar um movimento de massas", constata Secco. "Embora não seja só contra o partido, é contra ele também. Contra alguns de seus governos. Isso é inédito." O PT, diz Secco, não enfrentou esse tipo de problema em 2005, quando o do mensalão veio à tona, porque os protestos convocados contra o governo Lula "não pegaram".
    "Acho que só pelos erros que o Haddad cometeu, isso é um indício que a direção do PT está em pânico. Não sabe o que fazer".
    Para o pesquisador, os protestos serão lembrados como um marco para a sigla. "O que se viu nesses dias foi um partido que envelheceu distanciado da juventude, de novos movimentos sociais. Controla os antigos, mas não inova."
    Entre os erros de Haddad, Secco cita o fato de o prefeito ter autorizado o aumento da passagem de ônibus antes de cumprir a principal promessa de sua campanha, o bilhete único mensal. Lembra também que, ao ficar dando ênfase para um aumento abaixo da inflação, não percebeu que as pessoas não estavam preocupadas com o índice de preço, mas com o aumento em si, qualquer que fosse o reajuste.
    Se há um consolo para o partido, está no fato de não parecer existir no atual cenário político nenhuma sigla concorrente em condições de lucrar com os movimentos que tomaram as ruas.
    "A partir de um momento, todos políticos deram declarações elogiosas ao movimento: Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina Silva. Mas eles não têm condições de ir para a rua e dizer isso. Estão disputando a leitura do movimento, não a direção."

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