domingo, 23 de junho de 2013

Que juventude é essa? e E agora, São Paulo? [tendências/debates]

folha de são paulo
MARCELO RIDENTI
TENDÊNCIAS/DEBATES
PROTESTOS EM QUESTÃO
Que juventude é essa?
Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos
De modo inesperado, tomaram as ruas os netos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964 e da Passeata dos Cem Mil de 1968. Os filhos dos que apoiaram a eleição de Collor em 1982 e dos que se manifestaram por seu impeachment em 1992. Todos contraditoriamente juntos.
Claro, em outro contexto. Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, que se expressam também nas várias interpretações, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos e tentando influenciá-lo.
Setores de esquerda encantaram-se com o que lhes pareceu o início de uma revolução espontânea, mas ficaram embasbacados com as hostilidades sofridas, não por parte da polícia, mas de alguns anticomunistas. Adeptos do PT, percebendo que o movimento redunda em questionamentos variados a seus governos, tendem a reduzi-lo ao caráter fascista de certos manifestantes.
Os conservadores --inclusive na imprensa, sobretudo televisiva-- ressaltam os protestos ordeiros contra a corrupção, tentando restringir o movimento a um aspecto pontual, como se todas as mazelas da ordem constituída se devessem à malversação das verbas públicas pelo PT.
Por sua vez, os defensores de causas como a tarifa zero sonham que a multidão está envolvida numa nova democracia horizontal e plebiscitária, pacificamente movida a internet, mas também se assustaram com a ferocidade de alguns grupos.
Em todos os pontos de vista, há algo de verdade e mistificação. O enigma começa a ser resolvido com a pergunta: quem se lança às ruas? Ao que tudo indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade.
Parece tratar-se de uma juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras diante de suas consequências e com pouca formação política.
Dados do MEC apontam que há hoje cerca de 7 milhões de universitários. O acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década. Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. Dois terços no ensino privado.
A título de comparação, tome-se a década das manifestações estudantis. Em 1960, havia 35.909 vagas disponíveis no ensino superior, número que saltou para 57.342 em 1964, ano do golpe de Estado, chegando a 89.582 no tempo das revoltas de 1968, a maioria no ensino público. Em termos absolutos, a evolução foi enorme. Não obstante, apenas 15% dos brasileiros com idade para estar na faculdade cursam o ensino superior.
Quanto à origem dos universitários, muitos compõem a primeira geração familiar com acesso ao ensino superior. Outros são de famílias com capital cultural e/ou econômico elevado, atônitos com a ampliação do meio universitário.
No que se refere às expectativas, parece haver o temor de alguns de não poder manter o padrão de vida da família e de outros de não ver realizada sua esperada ascensão social.
Produziu-se uma massa de jovens escolarizados, com expectativas elevadas e incertezas quanto ao futuro, sem encontrar pleno reconhecimento no mercado de trabalho nem tampouco na política. Ademais, detecta-se insatisfação com o individualismo exacerbado.
Em suma, um meio social efervescente em busca de causas na era da i(nc)lusão pelo consumo, em meio à degradação da vida urbana.
E por onde andam os 70% de jovens de 18 a 24 anos que não estão na escola? Alguns, no mercado de trabalho precarizado. Outros compõem o chamado "nem nem", nem escola nem trabalho. Massa ressentida que em parte também integra as manifestações.
No ano que vem, completam-se os 50 anos do golpe de 1964, cuja bandeira ideológica era o combate aos políticos e à corrupção. O risco está dado novamente? Por sorte, as manifestações trazem também reivindicações por liberdades democráticas, busca de reconhecimento e respeito, tocando num aspecto central: a luta pelo investimento em transporte, saúde e educação, contra a apropriação privada do fundo público.
Chegaram ao limite as possibilidades de mudança dentro das estruturas sociais consolidadas no tempo da ditadura e que não foram tocadas após a redemocratização? Será possível aperfeiçoar a democracia política, também num sentido social? Abre-se um tempo de incertezas.
    ALEXANDRE FERREIRA, CATARINA DE MORAES E GIULIO PROIETTI
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    PROTESTOS EM QUESTÃO
    E agora, São Paulo?
    A Paulista ocupada pela tropa de choque e por suas sirenes, abafando palavras de ordem, foi o estopim para a rearticulação das entidades estudantis
    São Paulo e as principais capitais brasileiras vivem cenas que ainda não tinham passado pelos olhos da geração mais jovem: ruas tomadas por centenas de milhares de pessoas que defendem, em essência, a revogação do aumento das tarifas do transporte público e um sistema de mobilidade urbana mais democrático e de qualidade, entre outras reivindicações.
    Depois de ser duramente reprimida pela ação policial, a mobilização em São Paulo conseguiu o primeiro avanço com a redução da tarifa e fez com que os estudantes voltassem a reivindicar o direito de ocupar a rua.
    A massa de estudantes que não ia às ruas há mais de 20 anos sentiu na pele o drama vivido por movimentos sociais e pela população periférica das cidades: o despreparo da polícia brasileira.
    Incapaz de lidar com demandas que transbordam o espaço universitário e das mídias sociais, as ações policiais expõem a sua latente imaturidade democrática, que ganhou notoriedade em 13 de junho último, quando uma manifestação pacífica foi reprimida de forma desproporcional, num espetáculo macabro de balas de borracha, bombas de efeito "moral" e gás de pimenta.
    O desfecho foi a avenida Paulista ocupada pela tropa de choque e por sirenes que abafaram as palavras de ordem. Esse foi o estopim para a rearticulação das entidades estudantis de São Paulo. Reunidas em torno da liberdade de manifestação e da redução da tarifa, têm agora a chance de continuar a mobilização e buscar respostas sobre o significado desses 20 centavos.
    Quem vai pagar essa conta e o que vai mudar no longo prazo são questões essenciais para as próximas movimentações, seja nas universidades, seja na rua. O município está licitando a concessão do transporte público para os próximos 15 anos e ainda não tem mecanismo permanente direcionado à consulta da população.
    Saber usar essa janela de oportunidade de forma democrática dá voz ao movimento estudantil para que deixe novamente sua marca no debate público. Os estudantes já estão na rua. As insatisfações continuam. E agora? Podemos dar mais um passo e alcançar dois objetivos pertinentes a essa mobilização.
    O primeiro é a reforma da política de mobilidade urbana, com transparência nas contas públicas e participação direta da população. O segundo, a defesa da liberdade de expressão e manifestação, responsabilizando-se os abusos policiais e garantindo a tolerância às bandeiras de partidos e movimentos. Restam, portanto, duas contas a pagar: a do vintém e a do vinagre. Os estudantes de São Paulo, novamente reunidos e em sintonia com a sociedade, voltaram a ser capazes de cobrar, quando e de quem for devido.

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